29 de maio de 2017

O EXERCÍCIO



Vamos todos imaginar que somos sapos.
Não é muito difícil. 
Peço-vos.

Se nos detivermos no ciclo de vida do sapo, facilmente encontramos elos de ligação dos quais nos podemos apropriar para este exercício.
Há machos e fêmeas envolvidos, há óvulos e espermatozóides, há fecundação, nascemos com duas perninhas e dois bracinhos, temos todos uma espécie de cérebro, alguns até são venenosos, e por aí vamos.
Agora vamos imaginar que por alguma coincidência aleatória do Universo, a nossa pessoa sapal vai parar, quer dizer, dá um salto, e cai numa situação absolutamente normal para a sua condição existencial de sapo. Dentro de água. 
É à partida uma situação que ninguém desconfia, e a maior parte das vezes é propositada. Há imensos sapos a saltar a toda a hora, de um local para o outro, e muitos dão-se bem, os sacanas. 
Não é o caso.
O sapo deste exercício caiu dentro de água, mas! a água estava dentro de um tacho. 
Na gíria sapal e ordinarona da espécie, o sapo fodeu-se, mas ainda não sabe disso, por isso ali está ele, como se vê, entre o feliz e o perplexo, olhando em volta as paredes baixas e reluzentes do tacho, achando sempre que um misero saltinho o salvará, achando sempre que é dono da esdrúxula situação. 

Agora vem a parte melhor:

Coloquem um sapo num recipiente com água e façam exatamente como se faz aos caracóis. 
Quando a temperatura da água começa a subir, o sapo começa a ajustar a sua temperatura corporal em conformidade. Tem uma paciência de chinês, está preparado para reagir quando os ânimos aquecem, dilata-se, troca de lugar, dá pequenos saltinhos para ver se mudando ligeiramente de posição as coisas arrefecem. 
Mas o sapo, que nasce com o livre arbítrio e a natureza de escolher ficar ou dar um salto, vê-se momentaneamente confuso com a situação. Está protegido num tacho com água e sente-se bem, e vai ficando. Acontece que quando a água chega quase ao ponto de ebulição e o sapo percebe que não pode mais ficar, que não aguenta mais ficar, que aquilo ali já está quente demais para ele, é que decide dar o salto. 
Mas é tarde. 
Sem se aperceber o sapo perdeu a sua capacidade de saltar. Por força de uma condição adversa que não soube afinal controlar, que foi paulatinamente aguentando, que foi a pouco e pouco absorvendo, perdeu a força anímica, a vontade e o propósito de saltar. 
E morreu, cozido num ambiente que lhe parecia tudo menos hostil, onde se sentia de certo modo protegido, de onde não quisera sair.

O que matou o sapo?
Aquilo que tantas vezes nos mata a nós.
Que me mata a mim.
A indecisão.

A água ferveu.
E eu estou morta.

6 comentários:

  1. A água ferveu para metade de nós e morremos em circunstâncias semelhantes (e, às tantas, lembrei-me do "outro" que dizia que nunca conheci quem tivesse levado porrada. todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo ). Mas, num passe de magia (e até fico surpreendido como é que não deste conta disso), o sapo transforma-se num gato. E, como toda a gente sabe, os gatos têm sete vidas. Moral da história: não morreste nada. Nem nós.

    Por outro lado, os físicos ainda andam a discutir se o tempo é ou não reversível. Uns dizem que não, que a forma de pêra dos núcleos torna o tempo irreversível mas a controvérsia está longe de ser resolvida. Por isso, a possibilidade de voltar atrás no tempo um bocadinho, ao instante em que a água estava apenas morna, é real. Logo, o sapo ainda pode saltar a tempo para fora da panela. If you know what I mean.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. JUlgo que não, julgo que não. Eu até gostava muito de acreditar nisso da pêra, mas a verdade é que já lá se vão os intas e nos entas a coisa pia mais fino.
      Além disso não tenho pedalado, e parecendo que não isso está a tirar-me um bom pedaço de vida.
      E esperança.
      If you know what I mean.

      Eliminar
  2. Não diga isso, U. A vida dá mil voltas. Se a coisa não corre de feição numa volta, logo, logo se está na volta e seguinte e a sorte muda. Se nesta volta as coisas estão a deixá-la assim, salte fora. Está-se sempre a tempo. A vida pode ser uma coisa boa para ser vivida e o mundo pode também ser um local agradável para se viver. Força.

    Um abraço.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A vida deu uma só volta. Não precisei das mil.
      Abraços

      Eliminar
  3. Olá Uva,

    Eu também dei uma volta à minha vida (e não o inverso, pelo menos neste caso não) volta da qual faz parte andar muito mais afastada dos blogues. Só hoje cá vim rever-te e reler-te melhor.

    Não gosto da miúda ali em cima a fumar, apetece-me tirar-lhe o cigarro da mão. De resto, gosto muito que tenhas voltado.
    :-)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá!
      Estou ainda a marinar um novo header.
      Não fique triste. Mudarei em tempo.
      Espero que tenhas mudado para melhor.
      Eu por ter ficado na mesma, fiquei na mesma...

      Fico contente por teres voltado.
      Um abraço.

      (Já está aí a feira outra vez. Vejo-a da minha janela)

      Eliminar