2 de maio de 2014

Os pobres que quiseram ser doutores.

Nos anos que se seguiram ao 25 de Abril, um licenciado era o mestre-de-obras.
Como Moisés da sociedade, os mares abriam-se à sua passagem, e no final da caminhada, um bom emprego no Estado e uma cadeira de alto espaldar, esperava-o, curvando-se numa vénia para o saudar.
Naqueles tempos, um licenciado era tratado como se fosse o único médico lá da aldeia, o Messias, e tinha agarrada à pele, e isso agora é irónico, a soberba de ser doutor.
Foi esta soberba o pior legado do 25 de Abril.
Os pobres que quiseram ser doutores.
Inocentemente, mas ainda assim, conscientemente, os filhos da alvorada, como agora lhes chamam, tinham uma fome de cultura, de saber, de ter, de possuir, de poder dizer, dizer muito e a toda a gente que aquilo que é bom, é ser doutor.
Áh, como se enganaram os pobres.
Essa fome, que deu depois em fartura, foi um erro.
Pérolas a porcos.
Libertos da escravidão da iliteracia, saindo das trevas do Portugal interior e amorfo, frio e sem futuro, como tão bem o prova o presente, os portugueses puderam olhar de perto os senhores doutores da metrópole engalanada,  dos poetas, dos escritores e do fado, perdendo irrevogavelmente a inocência que nos dá a terra, transferindo com todas as forças as preces, outrora nas colheitas, no pão ou em algum baile mais concorrido, para os bens materiais, as coisas do dinheiro, do fato e do chapéu de feltro, que lhes entravam pelos olhos nessas casas dos senhores doutores, para quem passaram a trabalhar, curvados.
Os filhos desta miserável gente campónia, de unhas pretas e mãos calejadas, nascidos do deslumbramento destes pais sofridos e trabalhadores, esses pequenos deuses, ditadores, chupadores de vidas, usurpadores de felicidade, que tudo tiraram aos pais para terminar um curso superior, ultrajantemente inútil, nunca, jamais e em tempo algum (pensavam eles) poderiam sofrer aquilo que eles próprios não queriam para eles.
Esta é a geração rasca. Os filhos dos pobres do séc. XX.
Esta geração parida nos hospitais civis de uma cidade suburbana, que só trabalhou depois de 25 anos de formação teórica, sem interesse e sem função, veio tão-somente realizar dos desejos criados na cabeça de tantos pais, preenchendo um lugar na sociedade que lhes era destinado a eles, desde sempre.
Os filhos da madrugada, esta minha geração, são afinal meros objetos de realização de desejos alheios, como o é qualquer adereço, endereço, ou vaidade.
Toda uma geração rasca, os netos do 25 de Abril,  são inúteis licenciados, inúteis seres, que não servem para nada, a não ser para continuar a delapidar os parcos rendimentos dos pais, agarrados dias inteiros aos computadores, e a bifes, que enviam currículos como respiram, só para não sentirem a culpa de apenas durarem... 
Deviam ir todos cavar batatas. Ou para a tropa, para se fazerem Homens!
A soberba dos pobres é pior do que a lepra...

E é isto que nos fazem crer, os vendilhões do templo.

Mentirosos!
Malditos!
Preconceituosos!
Invejosos!
Maldosos!
Carrascos...
 
Como se não soubéssemos todos, que cavar batatas é o mesmo que pão duro em dentes de leite, ou que a guerra, que levou tantos dos nossos, e milhões de tantos outros, ainda dura. Para nada.
Querem atirar-nos areia para os olhos. Transformar-nos em culpados, quando o queríamos era ser livres de aprender, de saber, de voar.
Querem convencer-nos que somos nós, os iluminados por um canudo, que somos os gastadores, os que nada sabem fazer, aqueles que nasceram para acabar com o país.
Não. Não somos tão pouco.
Já não sei quem é que disse, já não sei quando é que foi, mas houve alguém que apelidou a minha geração de ' geração mil euros'. Talvez eu própria.
Geração mil euros... quem nos dera a todos uma geração mil euros.
Hoje, vem o Passos dizer-me que não. Que não temos direito, nós e quem nos pariu, a ter mil euros, mesmo que divididos por dois, por três, ou por muitos, na mesma casa.
Mil euros é hoje uma espada na cabeça, uma arma apontada ao peito, o racionamento de guerra.
Não quero cavar batatas. Não quero emigrar, não quero ir para onde me querem , à força, levar.
Quem são eles para dizer que não posso ser doutora? Que não posso estudar?
A minha geração rasca, está à rasca e nada mais pode ganhar do que mil euros?
É preciso dizer 'a esta gente', dizia um Paulo Portas ensuflado, que os descontos que se fazem para a Segurança Social, não são para garantir as reformas futuras, mas para fazer face a prestações sociais do presente.
Ladrões!
Mais cortes nas pensões, mais impostos, menos emprego.
Saiem os cães que nos comeram a carne e ficam os cães que nos hão de comer os ossos.
Querem à força fazer-nos acreditar quie somos míseros filhos de cegos, da soberba, do deslumbramento.
Canalhas.
Lutemos pois, com as armas de que dispomos e que estamos dispostos a usar, uns na rua, outros na net, outros na comunicação social, outros nos blogs, outros na praia, no futebol, e onde querer que QUEIRAM ESTAR, mas não se deixem escurecer por uma monotonia curvada perante esses doutores-carrascos, que se acham melhores que nós, só porque o foram antes de nós.

Portugal não é só teu, mas também é teu.
Os filhos da alvorada não podem agora adormecer, fechar os olhos e sonhar.
Não! Os filhos da alvorada não podem ser obrigados a desenrascar-se, como fizeram os nosso pais.
Se continuarmos a desenrascar-nos, vamos continuar enrascados.
 
QUANTO MAIS TE AGACHAS, MAIS TE APARECE O RABO!
ALVORADA!!!!!!
 
Protestos criticados
 

2 comentários:

  1. Antes, quando o barbeiro também era o dentista e quem era médico era "rei", os ricos estavam sempre bem e os pobres que se desenrascassem. Um dia os pobres acharam que tinham o direito à cultura, ao saber, aos seus sonhos e lutaram por eles, batalharam, ultrapassaram em muito as competência dos ricos (não que isso valha de muito num país que vive de cunhas).
    Hoje os netos e bis-netos dos ricos, que continuam lá nos seus pedestais, para quem receber mil euros mensais seria uma afronta e que não fazem ideia de qual o valor do salário minimo nacional, são os mesmos que dizem aos netos dos pobres que deviam era plantar batatas. E, já agora, que voltassem ao analfabetismo porque antigamente dava bem menos trabalho enganar e ludibriar o povo.

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  2. É isso mesmo! E é isso que não lhes podemos dar de bandeja. Servilismo nunca mais.

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