Quem é que não tem família emigrada, família longe de casa, penando a vida dura dos estrangeiros, agarrados ao Skype, pendurados nos pacotes das operadores, noites sem fim, conversando as mágoas, longe de verem calada a saudade?
Coube-me bem a minha parte.
Também eu convivo, se é que se pode chamar a isto convivência, com a minha família emigrada, através de uma aplicação telefónica que cospe mensagens gratuitas e fotografias bonitas da nossa relação platónica.
Das coisas que mais recordo da minha infância é a espera.
Esperava tanto e tanto, contava minutos, contava passos, contava cabelos, sempre sedenta de os ver chegar.
'Quando chegar ao cabelo 79 eles aparecem no portão', mas ainda não, 'quando caminhar cem passos, sinto-lhes os abraços', mas ainda não é desta, 'vou esperá-los à estrada, aparecem não tarda nada', só que não vinham, e a miúda franzina que era eu, que infinitamente esperava aquela gente diferente, que fazia planos um ano inteiro, que treinava as falas, que vestia a rigor no dia da chegada, era sempre recompensada quando finalmente me pegavam ao colo, e me diziam perplexos como tinha crescido.
Esperava tanto e tanto, contava minutos, contava passos, contava cabelos, sempre sedenta de os ver chegar.
'Quando chegar ao cabelo 79 eles aparecem no portão', mas ainda não, 'quando caminhar cem passos, sinto-lhes os abraços', mas ainda não é desta, 'vou esperá-los à estrada, aparecem não tarda nada', só que não vinham, e a miúda franzina que era eu, que infinitamente esperava aquela gente diferente, que fazia planos um ano inteiro, que treinava as falas, que vestia a rigor no dia da chegada, era sempre recompensada quando finalmente me pegavam ao colo, e me diziam perplexos como tinha crescido.
Durante muitos anos a família emigrada visitava a nossa casa, e era uma alegria.
Ao longo dos meus 38 anos esperei-os, e contando minutos, mesmo que muitos, sempre os abracei. Contei muitos cabelos, dei muitos passos, caramba, mas sempre lhes senti os abraços.
A espera, bilateral, torna-se muito mais amarga para quem nunca alcança. Na verdade fomos sempre tão pobres, que ir visitar os primos à Alemanha era quase tão difícil como pagar a casa a pronto, sem empréstimo bancário.
E nunca fomos.
Julgo que para eles, que esperaram sempre, já não há mais cabelos para contar, nem passos para dar.
Julgo que para eles, que esperaram sempre, já não há mais cabelos para contar, nem passos para dar.
De todos os caminhos que percorremos, nós cá e eles lá, nunca nenhum deles foi lá dar.
Mas não há mal que sempre dure, e apesar de todas as dificuldades que enfrentamos, todos os dias desta vida, a oportunidade que se viu perdida, por tantas impossibilidades da vida, viu um fio na meada.
Havemos de lá ir.
Penso nisto, penso muito nisto ao mesmo tempo que hoje vejo nas notícias uma espera perdida, quem sabe se numa família igual à minha.
Não posso deixar de pensar que tal como eu, alguma menina pequena, contando os passos e os cabelos, não posso sequer voltar a vê-los.
Mas não há mal que sempre dure, e apesar de todas as dificuldades que enfrentamos, todos os dias desta vida, a oportunidade que se viu perdida, por tantas impossibilidades da vida, viu um fio na meada.
Havemos de lá ir.
Penso nisto, penso muito nisto ao mesmo tempo que hoje vejo nas notícias uma espera perdida, quem sabe se numa família igual à minha.
Não posso deixar de pensar que tal como eu, alguma menina pequena, contando os passos e os cabelos, não posso sequer voltar a vê-los.
Abraçamo-nos? Raio de março estúpido!
ResponderEliminarRealmente, Maria.
Eliminar:(
ResponderEliminarUm beijo Uva. E um abraço.