9 de janeiro de 2018

BRAVO OPRAH, BRAVO [e outro tipo de assédio]

É praticamente impossível ficar indiferente ao discurso da Oprah nos Globos de Ouro.
Foi perfeito, e no entanto, quantos discursos antes deste tomaram também a forma da perfeição e foram aplaudidos por tantas outras personagens, conhecidas ou desconhecidas, com igual comoção? 
Muitos. 

Posso imaginar-me ali, fazendo o meu próprio discurso, com um globo de ouro na mão, daqueles que se dão aos trabalhadores pelo bom desempenho na peça teatral que é a [minha] vida de todos os dias.
Todos sofremos o assédio, uns mais que outros, outros mais que todos, alguns, asseguro, é só o que recebem.
Mas eu não sou a Oprah.
Não trabalho discursos.

Cada um de nós recebe o assédio de igual maneira, processando-o diferentemente.
Ao meu grande amigo ZC, que por esta altura está sentado numa secretária vazia, virado para uma parede negra, no fundo de um armazém onde trabalhou durante 10 anos, frenética e arduamente, o meu aplauso e a minha comoção. Ergue o seu globo de ouro, pesado como chumbo, com braço de ferro, cuidando de si, porque a dignidade de um Homem não se abala com minudências. E não é uma minudência ter um homem assediado. 
Não tem ninguém que o aplauda.
Mas ele não está na mira da Oprah.
Ninguém o molestou sexualmente.

Passos muito claudicantes neste grande tópico que é o 'assédio', que todos têm por sexual (e abro aqui um parêntesis para me rir desbragadamente) quando há muito mais marés que marinheiros. 

Não digo coisa com coisa.
O meu propósito era outro.

Queria eu dizer, mas já gastei as palavras, que quem foi aplaudido não foram as mulheres que denunciaram o assédio. Quem recebeu o aplauso foi a Oprah, o discurso da Oprah, a representação social da Oprah.

Em que medida pode este perfeito discurso ser uma jogada?
Estamos a aplaudir alguma medida tomada contra o assédio? Que medida foi essa?
É a Oprah uma verdadeira activista contra o assédio? 
Ou é uma controladora das massas?
Não sei, mas a mira dela é outra.



3 comentários:

  1. A Era dos Simulacros, cara Uva. Tudo é aquilo que não parece.
    Cavalga-se a onda, qualquer que seja, neste mundo de bailarinos.

    Estamos a chegar à Era da Magia tecnológica. É de esperar que os messias floresçam como silvados.

    E, no entanto, se sobrevivemos a Clinton, Bush, Obama, Trump, porque não também à Oprah?

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  2. Li hoje algures que, na América, política e espectáculo confundem-se cada vez mais, ou melhor, a política é cada vez mais um espectáculo e eu não posso concordar mais.

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