Um dia, há muito tempo atrás, quando perdi uma pessoa muito muito querida, senti uma forte pulsão, quase incontrolável, dolorosa mesmo, que me impelia brutalmente para longe de mim.
Queria estar em todo o lado menos aqui, comigo. Queria cantar alto, queria dançar até de manhã, queria rir à gargalhada, conversar com os amigos até de madrugada, queria enliar-me em tudo, menos estar dentro de mim. No meio do nada.
Aquilo que eu tinha - além de uma tristeza imensa, uma ausência, e um luto infame e doentio, que lutava contra mim, devorando a cada dia a luz dos meus olhos - era um pensamento intruso.
Eu não o chamava, não puxava por ele, mas ele vinha, e ia, a seu bel-prazer, a qualquer hora do dia ou da noite, e ali se instalava durante muito tempo martelando-me a cabeça.
Depois, o intruso, como se não obtivesse qualquer resultado, além de uma lágrima perdida numa vagal expressão de pena, ia-se, deixando-me cheia de dúvidas e de culpa.
Para explicar isto melhor, para que possam também vocês perceber o que se passava comigo naquele tempo, imaginem-se debaixo de uma fonte, em silêncio, sofrendo uma dor pungente, e uma gota caindo, intermitente, no alto da vossa cabeça.
A gota, ou o intruso, fazia-me uma pergunta, sempre a mesma, pim, pim, pim.
Porquê? Porquê? Porquê?
Nessa altura, louca, porque aquele intruso me transformara numa marioneta, manietando-me habilmente, subjugando-me como a abstinência subjuga o heroínómano, fez-me caminhar imenso, levou-me a muitos sítios, a muitos credos e muitas teorias, na tentativa de acabar com aquilo.
Precisava saciar o intruso. Dar-lhe uma resposta e calá-lo.
Mas tal como é imensa a morte, também os intrusos de agigantam, e se não os detivermos, matamos a alegria. A depressão impõe-se a tudo, e depois dela, a alegria nunca mais será mesma.
Foi Deus. Foi o destino. Foi karma. Porquê? Porquê? Porquê? Porquê?
Um dia, numa cidade muito bonita chamada Setúbal, onde eu estava de visita, um rapaz, creio que na altura meu colega de trabalho, disse-me a seguinte frase:
Tu estás a fazer tudo mal. Tu não podes procurar fora de ti a resposta. Eu não tenho a resposta. Ninguém tem. Tu não podes deitar as mãos ao ar e fazer perguntas ao céu. Julgo que saberás que o céu não fala.
Ele tinha toda a razão.
Nunca saberei porquê.
Estava a fazer a pergunta errada no sítio errado. Estava a fugir de mim em vez de me encontrar.
Deveria antes perguntar: como?
Como seguir em frente.
Creio que as imagens que vos deixo aqui hoje, e que me levaram a escrver este texto, são de mulheres que como eu não deixaram que a morte da alegria de sobrepusesse ao caminho que tinham ainda para percorrer.
A resposta não está fora de nós, na aparência física, em deuses, na opinião dos outros.
A resposta está dentro de nós, e é aí que deve ser procurada.
Isso, ou ficarmos perdidas para sempre no nada de coisa nenhuma.
O céu não fala, mas alegria grita muito cá dentro.É preciso encontrá-la.
Além de tudo.
Ó Uva. Assim fossem todas as respostas tão fáceis de obter. Porquê? Porquê?
ResponderEliminarPorque é assim que é. Porque é assim que sempre foi e sempre será. Porque é a necessidade da continuidade. Parece um paradoxo, mas repara. Morre-se sucessivamente para outros ocuparem o espaço que já foi nosso. Sempre assim foi e será.
Agora, poderás dizer-me que sim, que é verdade mas, a seu tempo. Quando a ordem natural das coisas chegar.
E eu respondo-te: paciência, não está na nossa mão, não somos donos de nada. Desde o primeiro segundo de vida é sempre a caminhar para o fim. Uns mais tarde outros mais cedo, o caminho é irreversível.
Sabes? A vida nada mais é do que umas curtas, curtíssimas férias que a morte nos proporciona, e só por uma vez. A uns deixa-as terminar, a outros, qual bruxa maléfica e caprichosa, interrompe-as à vontade dos seus caprichos.
Se aceitarmos isso, não há, nunca haverá depressão que nos derrote.
Pois, pois, mas eu era uma miúda e essas coisas não me serviam para nada. E ademias, mesmo que servissem não responderiam à minha pergunta.
EliminarE sabes, foi a primeira vez. Não estava preparada.
Hoje estou mais forte.
Grande abraço para todos lá em casa.
Pois, para uma criança é sempre pior, é verdade. Mas também podias muito bem referir a idade quando viveste o drama; ou não era? Menina Uvinha?!
EliminarObrigado. Para a tua casa também.
Um Abraço e deixa de uma vez as depressões para os fracos.
23 anos.
EliminarDescritos aqui: http://a-uva-passa.blogspot.pt/2014/06/quase-14-anos-num-minuto.html
Nem sei o que diga, fugiram-me as palavras... :)
ResponderEliminarOlha corremos uma maratona às duas, e achamo-las! Devem estar por aí a beber uma jola, se bem conheço as palavras...
EliminarJá não sei o que ia a dizer.
ResponderEliminarAdoro-te.
Desculpa.
(é que é isto, mas assim explicado nem parece tão negro)
Mas é. É um buraco sem fundo, frio e pungente.
EliminarDo qual, verdadeiramente, nunca mais se sai. Aquela máxima de "morreu contigo uma parte de mim" é absolutamente real.
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