7 de agosto de 2017
UMA ESPÉCIE DE TRISTEZA
Venho para aqui falar sozinha, como tenho feito toda a vida. É a minha mais consistente característica, talvez a mais estranha, mas de todas a mais saudável.
Esta paisagem é também a característica mais consistente da minha vida, e gostava que ficasse assim, intacta, para sempre, como esta mania que tenho de falar comigo.
Ambas têm um peso absolutamente essencial e dominante na minha forma de ser; uma por me fazer exteriorizar aquilo que sinto pelos outros, e a outra por me fazer interiorizar aquilo que os outros sentem por mim.
Todas as pessoas que habitaram e habitam esta casa, permanente ou intermitentemente gostaram ou gostam muito de mim, e é daqui que me alimento para ter forças para o resto. Por isso, se alguma coisa abalar, transformar ou destruir esta paisagem, é quase certo que morro por dentro, muda por fora.
Para lá deste imenso espelho de água, onde nunca vislumbrei nada além do voo de mil aves, deflagrou hoje um incêndio que matou mais de 300 hectares de vida.
O fogo que passou ao largo foi um fósforo aceso que apagou a vida, e apesar de em momento algum ter estado perto da minha casa, senti a pressão do seu imenso domínio.
Todos os dias penso nisto.
Todos os dias de verão, ali, por baixo dos pinheiros, pessoas chegam para fazer piqueniques, acender fogareiros, fumar cigarros, pôr a minha vida toda em perigo, a vida dos meus pinheiros, de nós todos, com uma displicência malcriada, com modos rudes de gente que não pensa senão nas suas necessidades, de grupos de pessoas que não repeitam a natureza.
E nós ali, sem água da companhia, com uma mísera mangueira que debita um cuspo de água tão fino que quase não chega para nos regar um canteiro. Nós ali, numa casa de madeira, rodeada de pinheiros, eucaliptos, caruma, pinhas...
Nós ali, à espera que um louco qualquer venha matar a fome, e nos mate a vida toda.
Quando é que isto acaba?
Quando é que alguém me ouve, se teimo em falar sozinha?
1 de agosto de 2017
ARISTOCRACIA
Tenho evitado ao máximo explodir, criar conflitos, ser deselegante, só para não entrar em confrontos do tipo os-gostos-não-se-discutem, e cansar-me de vez das pessoas todas.
Acho que com a idade devemos aprender a valorizar (e depois aperfeiçoar) as nossas melhores capacidades, sobretudo as de ficarmos calados perante as inconveniências daqueles que se acham superiores na casta.
Toda a gente sabe que à medida que os anos passam há uma certa beleza física que se esvai, mas há também uma outra que aparece, cautelosa e subtil. A elegância do saber estar (se possível de boca calada) e ao mesmo tempo divertirmos-nos com isso.
Adoro ver aquelas senhoras muito calmas, que parecem nunca se alterar perante as bizarrias dos outros. Os movimentos outrora frenéticos, cheios de gargalhadas e maneios de anca, tornam-se agora num cruzar de pernas subtil, goles muito mais pequenos nas bebidas, e um jeito muito particular de sorrir para os que falam. A minha avó - que foi sempre muito velha - dizia-me muitas vezes que 'o calado vence tudo', e parece que tinha razão.
Ora a minha capacidade de ficar calada é ainda muito imberbe. Sou tremendamente espontânea, sobretudo se gosto das pessoas, se as conheço bem ou se estou em vantagem quando ao assunto.
É o entusiasmo que me entala, mas é sobretudo quando me encontro perante injustiças que fico toda esboroada no quadro.
Perder as estribeiras da elegância - e o 'desculpe lá', que é das coisas mais grosseiras que uma mulher pode dizer em público, sair disparado - é coisa para me matar de vergonha. Lá está: um desculpe seguido de uma valente alfinetada é totalmente diferente de um desculpe-lá, que já vai inquinado de possidónia.
Uma vergonha.
Mas ia eu a dizer - que foi por isso que fiz este blog - que tenho evitado ao máximo explodir.
Há coisa de dois dias (e reparem bem na finura da minha pré-maturidade, ao esperar dois dias para vir aqui contar isto), na presença de uma certa aristocracia, ia perdendo a decência.
Uma das senhoras cujo nome era Você, lembrou-se de lançar para o grupo, com um arzinho muito afetado, a pergunta mais inusitada da festa: o que era hoje em dia um aristocrata.
Desataram todos a falar ao mesmo tempo, e eu, que fui apanhando aqui e ali coisas sobre comunistas, páginas do facebook e touradas, mantive-me quieta.
Foi quando a Senhora Você olhou para mim, depois de um longo bocejo talvez provocado pela minha roupa, e resolveu perguntar o que é que 'a menina' achava.
E eu disse: a aristocracia em portugal desapareceu há muito, mas foi proficuamente substituída por pessoas que se cumprimentam só com um beijo e tratam os filhos por você.
E ela pergunta: como é que a menina se chama?
E eu respondi: Vanessa.
E ela disse: desculpe-lá o que lhe vou dizer, não me leve a mal, mas a aristocracia portuguesa passa muito por evitar pôr esses nomes nos filhos.
Tenho evitado ao máximo explodir, criar conflitos, ser deselegante, só para não entrar em confrontos do tipo os-gostos-não-se-discutem, e cansar-me de vez das pessoas todas.
Acho que com a idade devemos aprender a valorizar (e depois aperfeiçoar) as nossas melhores capacidades, sobretudo as de ficarmos calados perante as inconveniências daqueles que se acham superiores na casta.
Toda a gente sabe que à medida que os anos passam há uma certa beleza física que se esvai, mas há também uma outra que aparece, cautelosa e subtil. A elegância do saber estar (se possível de boca calada) e ao mesmo tempo divertirmos-nos com isso.
Adoro ver aquelas senhoras muito calmas, que parecem nunca se alterar perante as bizarrias dos outros. Os movimentos outrora frenéticos, cheios de gargalhadas e maneios de anca, tornam-se agora num cruzar de pernas subtil, goles muito mais pequenos nas bebidas, e um jeito muito particular de sorrir para os que falam. A minha avó - que foi sempre muito velha - dizia-me muitas vezes que 'o calado vence tudo', e parece que tinha razão.
Ora a minha capacidade de ficar calada é ainda muito imberbe. Sou tremendamente espontânea, sobretudo se gosto das pessoas, se as conheço bem ou se estou em vantagem quando ao assunto.
É o entusiasmo que me entala, mas é sobretudo quando me encontro perante injustiças que fico toda esboroada no quadro.
Perder as estribeiras da elegância - e o 'desculpe lá', que é das coisas mais grosseiras que uma mulher pode dizer em público, sair disparado - é coisa para me matar de vergonha. Lá está: um desculpe seguido de uma valente alfinetada é totalmente diferente de um desculpe-lá, que já vai inquinado de possidónia.
Uma vergonha.
Mas ia eu a dizer - que foi por isso que fiz este blog - que tenho evitado ao máximo explodir.
Há coisa de dois dias (e reparem bem na finura da minha pré-maturidade, ao esperar dois dias para vir aqui contar isto), na presença de uma certa aristocracia, ia perdendo a decência.
Uma das senhoras cujo nome era Você, lembrou-se de lançar para o grupo, com um arzinho muito afetado, a pergunta mais inusitada da festa: o que era hoje em dia um aristocrata.
Desataram todos a falar ao mesmo tempo, e eu, que fui apanhando aqui e ali coisas sobre comunistas, páginas do facebook e touradas, mantive-me quieta.
Foi quando a Senhora Você olhou para mim, depois de um longo bocejo talvez provocado pela minha roupa, e resolveu perguntar o que é que 'a menina' achava.
E eu disse: a aristocracia em portugal desapareceu há muito, mas foi proficuamente substituída por pessoas que se cumprimentam só com um beijo e tratam os filhos por você.
E ela pergunta: como é que a menina se chama?
E eu respondi: Vanessa.
E ela disse: desculpe-lá o que lhe vou dizer, não me leve a mal, mas a aristocracia portuguesa passa muito por evitar pôr esses nomes nos filhos.
Tenho evitado ao máximo explodir, criar conflitos, ser deselegante, só para não entrar em confrontos do tipo os-gostos-não-se-discutem, e cansar-me de vez das pessoas todas.
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