Escrever é triste, oiço dizer.
Agora, por exemplo, quão triste sou por estar aqui novamente agarrada aos meus livros, às minhas letras? Sou triste porque escrevo, ou sou triste porque escrever é solitário?
E ser-se solitário, não é o mesmo que ser-se reduzido?
Não é a escrita redutora da nossa vida real?
Não deixo eu de viver para dar vida a outros personagens; abandonando-me a mim, matando o meu eu, deixando de existir, deixando de viver a minha vida e a minha vida por viver?
E deixar de viver, não é afinal tão triste?
Eu não escrevia antes das coisas sérias se imporem.
Lembro-me bem de ter sempre que fazer, da minha insaciável mocidade, a alma agarotada, do engravidar de fora, do estímulo que ainda hoje considero o zénite da Humanidade, que é conviver, partilhar a vida, conversar.
Converso pouco e não estou sozinha.
Chego à infeliz conclusão que ninguém conversa. Falam educadamente, cada um na sua vez, mas em nada se tocam.
Comunicamos.
Comunico-te que fui ontem a Sintra visitar a Quinta da Regaleira, mas tu interrompes. Comunicas-me que também já lá estiveste e aniquilas a conversa que planeava ter contigo - e sobre o quanto me emocionei, e sobre o que penso de nem tudo estar perdido, porque temos ainda a natureza, também nos homens -, desbastas a conversa rasteira com o teu check in à Regaleira, ainda para mais primeiro que o meu, o verão passado.
Quis dizer-te que há muito não passava pela Marginal, devagar, com o vidro aberto, a miúda lá atrás ainda presa na cadeirinha, cantando com hieróglifos ingleses a Pop dos Scissor Sisters, eu despertando aos poucos do submundo rotineiro e sombrio, olhando o Bugio e a Torre, ele com os seus óculos Ray Ban Clubmaster que lhe ficam a matar, e o quanto tudo isso me fez bem à cabeça e me trouxe um pouco mais de esperança.
Cilindraste novamente a conversa com a tua experiência. A Marginal é um suplicio para chegar a Lisboa e o antigo Mónaco está uma ruína. Perco ali todo o animo de te emocionar. Eu vejo o litoral, o mar e a Torre, tu o interior e o casario doente. Eu falo de alhos, tu em frangalhos.
Para mim o melhor está para vir, para ti já aconteceu.
Da Regaleira nada de novo. Já lá foste, já sabes tudo. Temos as comunicações feitas e nem te importas em saber porque raio se fez tal coisa. A Regaleira. Tenho pena de não conversarmos sobre isso, mas não tem mal nenhum; uso contigo a mesma expressão que utilizo no trabalho quando alguém se atrasa para uma reunião, 'não tem mal nenhum, atrase-se quando quiser, nós cá o esperamos, como sempre.'
Afinal não é a escrita que me reduz.
O que me reduz é não encontrar um grande ouvido, uma orelha gigante.
Substitui-se a audição por outro sentido que não tem sentido nenhum, ou antes, tem só um sentido, que é o de chegar.
Comunico-te. Over.
Não tem mal nenhum, porquanto o comunicado ainda se vai ouvindo.
Não sei ainda porque continuo escrevendo.
Talvez porque não me ouves.
Talvez porque estou triste.
Um dia, quando deixares de dar tanta importância ao check in que fazes constantemente na tua vida, e largares essa ânsia de chegar a todo o lado sem chegares a lado algum, vendo somente o caminho de cabras, esburacado, que te consome a paciência, me encontres ainda com esta vontade de falar sobre a Regaleira, e as margens, e para lá das passagens, e que regalo é, acima de tudo, conversar pelo caminho.
Caramba, Uva! Já me identifiquei contigo em várias coisas que escreves (embora não comente muito), mas desta vez é em cheio.
ResponderEliminarE o que te marcou mais na visita à Quinta da Regaleira? (em caso de quereres conversar sobre este tema, sabes onde me encontrar)
Bom domingo, Uva.
Olá Susana. Gosto muito quando gostas muito.
EliminarNa Regaleira o que mais me marcou digo-te já que foi uma árvore. Claro.
A árvore, imensa, e de tronco muito grosso, parece ela própria ser o suporte da terra, e não o contrário.
No meio do tronco dessa árvore nasce uma espécie de ninho escuro, muito redondo, que parece um furúnculo em chaga. Aquilo ficou-me na retina.
Aquela coisa enorme, ali agarrada à árvore, feiazenta, fez-me lembrar a minha vida, e eu própria, que teimo em deixar crescer coisas que no fundo me fazem tão mal.
E foi isto.
Não sei como estive tanto tempo sem lá ir. E aqui tão perto. Sou uma saloia.
Belo texto. Estou a almoçar e ao mesmo tempo a dar uma volta nos blogues. Não me lembro quando foi a última vez que fiz isto e tive necessidade de largar os talheres e parar para ler e comentar um post.
ResponderEliminarTenho uma amiga assim, com quem às vezes desisto de tentar falar. Comunico apenas, prevendo que ela no minuto seguinte vá matar a conversa com qualquer coisa entediante e sem qualquer emoção. Às vezes acho que se deixou embrutecer, outras acho que se calhar nunca terá visto a vida com outros olhos. Às acho que ela percebe. Às vezes liga - me às oito da manhã só para deitar conversa fora. E eu oiço-a sempre na esperança que ela queira, realmente, falar sobre todas as quintas da Regaleira do mundo, sem precisar de fazer check in. E depois tenho muita dificuldade em justificar a minha necessidade de solidão.
Que bom que parou para ler e não para se engasgar ;)
EliminarDizia eu ali à nossa Susana que todos temos pessoas assim na nossa vida, e não sei mesmo se não somos para outras pessoas, estas de quem agora falamos.
Acho mesmo que sim, que para certas pessoas sou uma desinteressante qualquer, sem forma de comunicação.
Não devemos perder tempo com essas e elas connosco. Isso sim é triste.
Obrigada por passar por cá.
Um abraço.
:) sim, tenho a certeza que para essa minha amiga eu sou, na maior parte das vezes, em especial quando estou virada para dentro, uma pessoa desinteressante. Enfim...
EliminarOlhe que saloios somos nós, os de Sintra :)
Vocês são saloios mas têm a Regaleira... eu cá também sou saloia e só tenho ali a Calçada Carriche.
EliminarAdorei as tuas palavras. Falta-nos sobretudo grandes ouvidos.
ResponderEliminarSobretudo.
EliminarQuem tem uma amigo que sabe ouvir tem tudo.
Hoje e à nossa volta, é só barulho, muito barulho.
Um abraço.
Existem muitas pessoas a falar e poucas a conversar e então, às vezes, falar com outros transforma-se num conjunto de gente cada um a falar sozinho, gente impaciente a ouvir o outro, à espera que ele se cale depressa, para ir ao que realmente interessa que é a sua vez de falar. Então, por isso, escrever não é triste, é libertador, é poder dizer aquilo que calamos cá dentro, quando não encontramos quem sinta prazer em nos ouvir. Então Uva, como também vez o lado belo das coisas, aposto que sabes que há sempre uma solução e quando nos falta o cão vamos à caça com o gato (desculpa, eu também não gosto de caça, mas o ditado vem aqui mesmo a calhar), por isso escreve Uva, escreve sem quaisquer sentimentos de culpa e usufrui em pleno do direito à solidão e o quanto isso pode ser maravilhoso. A escrita não é redutora de nada, muito redutor é não ter a capacidade de escrever, isso sim, é muito triste. Boa continuação de domingo no meio das letras, ah! e eu estou cá sempre, basta chamares, às vezes atraso-me é verdade, mas chego sempre :).
ResponderEliminarSabes o que tudo isto é Clau? Falta de tempo para nos ouvirmos uns aos outros. O fazer e o ter assumiu agora um lugar de destaque. Já ninguém quer ser, só ser. Ser atento, ser sensato, ser calado, ser excluído, ser leitor. Todos querem é fazer muito chavascal, contar muitas histórias e ser ensurdecedor.
EliminarEu quando escrevo encontro silêncio. O silêncio é sempre triste, porque estou vidrada (ainda que consciente) no barulho. Sou saloia na mesma.
Obrigada pela tua imensa companhia e simpatia.
Um abraço.
Também "vês" :)
ResponderEliminarVejo sim.
EliminarPerante um escrito, não faz sentido, falar-se em abrir o ouvido
ResponderEliminara menos que o escrito seja lido em voz alta. Experimentei e estarrecei.
Nunca tinha ouvido, tristeza assim
dita... por mim
Leste o texto em voz alta? Também faço isso muita vez. É assim que vejo se tudo encaixa e se a respiração não é cortada pela minha virgulosa forma de escrever.
EliminarCostumo dizer que escrevo como respiro.
Há os que mentem como respiram.
O escritor é também um fingidor.
Está tudo certo, então.
Não sei se conhece: http://www.escreveretriste.com/
ResponderEliminarPode ser que ajude a descobrir que escrever também pode ser feliz.
Conheço muito bem. Está ali na minha lateral desde sempre.
EliminarEscrever é a melhor forma que encontrei para a felicidade. Mas escrever é triste, porque fico para aqui sozinha a falar comigo própria, quando há um mundo inteiro para ver e conhecer.
Um abraço da Uva.
ser-se solitário, sentir-se solitário, pode ser só um estado de espírito. será, Uva?
ResponderEliminarPode ser também. Só não. Há pessoas que se tornam solitárias precisamente por aquilo que fazem.
EliminarOutras por aquilo que não fazem.
Olha Uva, nem sei bem porquê mas indentifiquei-me, revi-me nas tuas palavras e, sabes? Ainda nem fui à Regaleira. Queres falar? Bjs
ResponderEliminarDevias ir à Regaleira para te emocionares como eu me emocionei.
EliminarVale mesmo a pena. Eu sei que Serralves é lindo, que o Jardim Botânico de Coimbra é lindo, etecetera, mas Regaleira vale mesmo muito a pena.
Falamos, sim.
Abraços
Olha, eu li este post duas ou três vezes.
ResponderEliminarCada vez mais, falo, penso, escrevo e leio por metáforas.
E encontro aqui uma enorme metáfora.
Escrever é triste, sim. É muito raro encontrar, do lado de lá, alguém que nos leia - que nos entenda, que perceba a nossa mensagem, que seja capaz de aferir, com outros olhos, o que está por baixo do nosso texto, que saiba ver o que está dito subliminarmente, subrepticiamente, que faça a segunda leitura (o que não é o mesmo que ler duas vezes, como sabes).
E isso passa-se na blogosfera, cada vez mais.
A grande solidão e, às vezes, a maior tristeza de quem aqui escreve, é essa mesma: acontece muito, ficarmos a pregar no deserto.
É sim minha linda Linda.
EliminarÉ sim.
(Mas tu tens essa preciosidade que é perceberes muito bem o meu delírio... sacana.)
(Porque sou delirante, também eu...?)
EliminarGostei muito do seu texto. Mais do que a comunicação, penso que o que nos falta a todos (porque somos todos pecadores) é a delicadeza. A delicadeza que abarca a impermutabilidade da presença do outro. Por acaso, falo hoje sobre isso no meu blogue. E é essa falta de delicadeza que nos faz sentir sós e, por vezes, incompreendidos.
ResponderEliminarOlá Misse Smile. Vou espreitar.
EliminarObrigada pela tua delicadeza.
Um abraço.
Passei por cá de manhã e ouvi-te:) Agora à hora de almoço vi esta notícia e lembrei-me de ti:), pega:
ResponderEliminarhttp://www.publico.pt/local/noticia/ha-cinco-jardins-portugueses-entre-os-250-melhores-do-mundo-1689253
Eu que sou uma defensora acérrima da palavra, entendo que esta só existe, porque existe o silêncio. E é no silêncio de sabermos ouvir que percebemos a importância das palavras que nos entregam, resta-nos ser destinatários à altura do remetente:)
jinhoooooosssssssss
Olá! Bela notícia.
EliminarJá estive em quase todos: Serralves, no Porto, o Palácio de Fronteira, em Lisboa, a Quinta da Regaleira, em Sintra, a Quinta do Palheiro, no Funchal e o Parque Terra Nostra, nas Furnas.
O Serralves realmente é lindo, mas tenho uma grande ternura por Coimbra, que não apareceu... óóóóóó
(E é isso mesmo, estar a altura. É que às vezes o emissor também não chega a isso.)
A escrita é um acto solitário, mas é a forma de quem escreve mostrar-se ao mundo como um ser vivo e parte integrante deste mundo. Isso para quem escreve não muda nada, continuará a sentir-se triste e só. Mas pode abrir uma fresta de luz e mudar a visão na alma e na mente de quem lê. O legado é sempre importante e positivo.
ResponderEliminarBeijinho Uva:)
Olá Sandra.
EliminarSim é. A escrita é um ato solitário. No entanto é cheio de bonomia, porque é um ato feito na solidão para ser partilhado com muitos.
É para os outros, mas o esforço é particular.
É bem interessante esta dicotomia.
Um abraço.
Às vezes saem-me as palavras com muita pressa e nem há ouvidos que as queiram ouvir. A maior parte das vezes, porém, enchem-me de palavras. Dizem que sou boa ouvinte, Confesso que, de vez em quando, me apetecia que parassem para me ouvir também.
ResponderEliminarBeijos, Uvinha mailinda. :)