Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fossemos de ferro.

Já não quero ser de ferro.

Já não quero aguentar.

Cansei-me da vida fria, dos homens frios, das cidades de pedra.

Já não quero competir, já não quero investir, não gosto desta tourada.

Cansas-me, secas-me, mirras-me, abusas-me e não ganho nada.

Vida malvada.

Para quê esta demência, esta vulgar prepotência que usamos contra outros?

E esta doença aflitiva, esta curiosidade mórbida pela depressão dos outros, o mal nos outros?

Um escritor doente, culpado, decepado da sua alegria de viver é lido e relido; as palavras mortas que brotam dele, putrefactas, decompostas, suscitam extâse e vendas.

Ouvi há dias que escritores moribundos, esquecidos e abandonados, se propunham a tratamentos químicos perigosos e de efeitos secundários desconhecidos, indutores de depressão, paranóia e esquizofrenia, para escrever livros nauseabundos, cheios de miséria humana, cheios de podridão.

Acudiram mais de mil, e depois dois mil, e todos quiseram engrossar aquilo que hoje temos em quantidade.

Escrever a realidade, a trivialidade. Escrever sem piedade.

Vida malvada.

Tristezas, abusos, violência, mães que perdem filhos, filhos que perdem mães, mães sovadas por pais, pais mortos por filhos. 

Que Universo é este, assassino?

 

Já não quero ser de ferro.

Já não quero aguentar.

Cansei-me da vida fria, dos homens frios.

Tragam-me alegria aos molhos, levem-me a água dos olhos.

Quero viver feliz.

Contigo.

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