6 de fevereiro de 2014

Não sou uma profissão.

Não quero um rótulo na minha testa onde a minha profissão me define como pessoa.
Eu não sou a pessoa "curso superior de" que trabalha na empresa "com o cargo de", com a "tarefa de".
Não. Eu quero ser uma pessoa-pessoa, uma pessoa que trabalha, mas também uma pessoa que escreve, que lê, que questiona, que pensa. Quero ser. Somente ser.
Que interesse mórbido têm as pessoas em saber o que faço profissionalmente? 
Que interesse podem ter as outras pessoas, que eu não faça exatamente aquilo que estudei?
Serei eu melhor pessoa se for médica, advogada ou arquiteta?
E engenheira de som? E estafeta?
E puta?
E se eu tiver mais do que uma atividade?
E se eu exercer 2 profissões? Serei bipolar? E se eu não tiver nenhuma profissão em concreto? Sou uma desgraçada sem futuro? Uma baralhada das ideias?
Será que ainda não entenderam que a nossa sociedade atual é revestida por uma "modernidade líquida", por uma volatilidade tal, que nada se mantém?
O amor é líquido, o emprego é líquido, a permanência é ela mesma líquida.
Mas que imbecilidade é esta de que só és alguém se tiveres um trabalho disto ou daquilo, como doutores, engenheiros e deputados?
Será que já ouviram falar da "Life Long Learning" ou da espetacular "Geração Slash" ***?
Eu sou uma médica, uma grande mulher, sei de doenças, curo pessoas, salvo vidas. Um grande exemplo da sociedade. Um píncaro.
Entretanto fartei-me. Decido ser florista.
E agora? Quem sou eu? Nada. Sou apenas uma senhora que para ali está a vender flores.
É preciso antes de mais, acabar com a soberba das profissões.
É preciso equiparar a importância das pessoas pelo trabalho que desenvolvem e pela produtividade e mais valia que oferecem, em detrimento do título que detêm, e sobretudo é preciso acabar com esta parvoíce de que só os doutores podem ser alguém, pois está mais que visto (e cada vez mais se vê), que são os não-doutores que estão a dar cartas por esse mundo a fora, com as suas atividades criativas e manuais, algumas herdadas da sua família, sem necessidade de se armarem ao pingarelho só porque são um emprego ou um curso superior.
Hoje em dia, olhando para trás, acho que tinha feito muito melhor se ao invés de estar 5 anos a ouvir falar da mesma matéria, dos mesmo assuntos e das mesmas soluções, tivesse experimentado 5 empregos diferentes. Estaríamos muito mais preparados para o futuro e não teríamos tanta dificuldade em encontrar um novo emprego,  porque simplesmente não estávamos agarrados à porcaria do canudo e do emprego estático, fora de moda, desinteressante, que tivemos na vida passada.

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*** Uma nota sobre a Geração Slash:


Têm entre 25 e 40 anos e definem-se pela barra (slash, a barra em inglês). São jornalistas/ djs, programadores informáticos/ escritores, advogados/ fotógrafos, professores/ instrutores de ioga / etc. A chamada "geração slash" cresceu na sociedade informatizada que tornou a simultaneidade uma prioridade.
Os representantes desta geração reivindicam o direito a mudarem de vida, reinventando-se a qualquer momento.
Sentem-se enjaulados numa empresa tradicional e encaram o trabalho como algo que tem que ser feito com paixão - se não todo o trabalho, pelo menos parte dele.
Organizados, autónomos e com facilidade para aprenderem rapidamente novas técnicas e códigos, os chamados "slashers" são os verdadeiros "faz tudo" do momento.





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