"Eu estava de calção de banho, os pés sujos de areia e ainda molhado, quando soube que aquelas imagens perturbadoras existiam."
Bruno Paes Manso - Ed 125 | Fev 2017 _Anais da violência
Eu estava sentada no meu gabinete, perna traçada há horas - trabalho sempre de perna traçada, a estrangular a veia safena - a tratar de um assunto delicado. O assunto mais delicado para se tratar, logo a seguir à organização das exéquias de um defunto, é, como todos sabemos, as partilhas.
As partilhas têm-me consumido horas sem fim, grandes papos debaixo dos olhos, noitadas que são horas extra e também muito ordinárias, porque me obrigam a compreender o que é feito de uma determinada pessoa quando chega o momento de fazer partilhas. As pessoas perdem-se, é verdade. Não é aquele perder como o doente de Alzheimer, que encontra a porta aberta e se perde todo - não. É a dignidade que se perde, a personalidade, a bonomia, a humildade. Perde-se todo mas é por dentro, e nós ficamos ali a ver as entranhas fétidas do herdeiro, espalhadas pelo chão, e o coração que antes lhe batia no peito é agora um desperdício morto, igual aos que os mecânicos usam no bolso das calças.
A minha teoria é que as pessoas vivem as vidas desejando, e quando há uma réstia de possibilidade de terem finalmente alguma coisa, mesmo que dividida com a morte, que não leva nada mas deixa o herdeiro já morto por dentro, as pessoas agarram-se a tudo, até às coisas que nunca tinham notado existir, como se estivesse ali o último fôlego da vida.
Um dia, quando espreitam para dentro do caixão e decidem destapar a cara daquele que já não vê, e percebem - com um alívio que pode ser medido pelo volume da gargalhada que lançam no meio do cortejo, ou pelo peidinho subtil no WC da casa mortuária - que a palavra de ordem é guerra, vão à guerra.
E perdem tudo.
E perdem tudo.
É assim que ando há demasiado tempo.
Em guerra.
Perdendo as horas ganhando a vida.
Mas afinal eu estava ali sentada no meu gabinete, e nem sequer vos ia falar destas partilhas.
Ia falar-vos da PIAUÍ e partilhar uma matéria.
Eu adoro a revista paulistana Piauí. Ela infelizmente não se vende em Portugal, ma tenho por sorte alguém que partilha as matérias mais interessantes comigo.
Ia falar-vos da PIAUÍ e partilhar uma matéria.
Eu adoro a revista paulistana Piauí. Ela infelizmente não se vende em Portugal, ma tenho por sorte alguém que partilha as matérias mais interessantes comigo.
A matéria é extensa (umas 4 páginas) e pesada; é muito violenta, mas é como tudo na vida.
Quem não pode arreia.
E o saber só ocupa o lugar deixado pela ignorância.
E o saber só ocupa o lugar deixado pela ignorância.
“Caralho, vocês se foderam, seus bucetas! Primeiro de janeiro. Tá ligado quem manda nessa porra aqui?!”