"Eu estava de calção de banho, os pés sujos de areia e ainda molhado, quando soube que aquelas imagens perturbadoras existiam."
Bruno Paes Manso - Ed 125 | Fev 2017 _Anais da violência
Eu estava sentada no meu gabinete, perna traçada há horas - trabalho sempre de perna traçada, a estrangular a veia safena - a tratar de um assunto delicado. O assunto mais delicado para se tratar, logo a seguir à organização das exéquias de um defunto, é, como todos sabemos, as partilhas.
As partilhas têm-me consumido horas sem fim, grandes papos debaixo dos olhos, noitadas que são horas extra e também muito ordinárias, porque me obrigam a compreender o que é feito de uma determinada pessoa quando chega o momento de fazer partilhas. As pessoas perdem-se, é verdade. Não é aquele perder como o doente de Alzheimer, que encontra a porta aberta e se perde todo - não. É a dignidade que se perde, a personalidade, a bonomia, a humildade. Perde-se todo mas é por dentro, e nós ficamos ali a ver as entranhas fétidas do herdeiro, espalhadas pelo chão, e o coração que antes lhe batia no peito é agora um desperdício morto, igual aos que os mecânicos usam no bolso das calças.
A minha teoria é que as pessoas vivem as vidas desejando, e quando há uma réstia de possibilidade de terem finalmente alguma coisa, mesmo que dividida com a morte, que não leva nada mas deixa o herdeiro já morto por dentro, as pessoas agarram-se a tudo, até às coisas que nunca tinham notado existir, como se estivesse ali o último fôlego da vida.
Um dia, quando espreitam para dentro do caixão e decidem destapar a cara daquele que já não vê, e percebem - com um alívio que pode ser medido pelo volume da gargalhada que lançam no meio do cortejo, ou pelo peidinho subtil no WC da casa mortuária - que a palavra de ordem é guerra, vão à guerra.
E perdem tudo.
E perdem tudo.
É assim que ando há demasiado tempo.
Em guerra.
Perdendo as horas ganhando a vida.
Mas afinal eu estava ali sentada no meu gabinete, e nem sequer vos ia falar destas partilhas.
Ia falar-vos da PIAUÍ e partilhar uma matéria.
Eu adoro a revista paulistana Piauí. Ela infelizmente não se vende em Portugal, ma tenho por sorte alguém que partilha as matérias mais interessantes comigo.
Ia falar-vos da PIAUÍ e partilhar uma matéria.
Eu adoro a revista paulistana Piauí. Ela infelizmente não se vende em Portugal, ma tenho por sorte alguém que partilha as matérias mais interessantes comigo.
A matéria é extensa (umas 4 páginas) e pesada; é muito violenta, mas é como tudo na vida.
Quem não pode arreia.
E o saber só ocupa o lugar deixado pela ignorância.
E o saber só ocupa o lugar deixado pela ignorância.
“Caralho, vocês se foderam, seus bucetas! Primeiro de janeiro. Tá ligado quem manda nessa porra aqui?!”
A GUERRA
Eu estava de calção de
banho, os pés sujos de areia e ainda molhado, quando soube que aquelas imagens
perturbadoras existiam. Recebi o arquivo e logo entendi do que se tratava - mas
preasei tomar fôlego, debaixo do guarda-sol, antes de apertar o play na tela do
celular.
Pela primeira vez em
mais de uma década eu conseguia passar a virada e os dez primeiros dias do ano
longe do trabalho. Tinha decidido viajar até uma cidade do litoral paulista,
acompanhado da família e de alguns amigos. A toa, fazia a pé o curto trajeto
até a beira-mar. A princípio achei melhor deixar o celular em casa. Como o 3G
só funcionava bem na orla, esse gesto bastava para que eu me mantivesse
desligado do mundo.
No sexto dia de praia,
contudo, decidi levar o aparelho comigo. Ao sair do mar depois de um mergulho,
nas areias brancas da praia Vermelha do Sul, em Ubatuba, descobri as mensagens
que me haviam sido enviadas por Eduardo. Já há alguns anos egresso do sistema
prisional, Eduardo havia se tornado um interlocutor importante em minhas
reportagens e pesquisas sobre segurança pública. Havíamos nos encontrado pela
primeira vez em 2010, quando o entrevistei na Penitenciaria de Paraguaçu
Paulista, e mantínhamos contato desde então. Acusado de cometer diversos
homicídios nos anos 90, ele mais tarde se tornaria evangélico, mas continuaria
bem informado sobre o que se passa dentro das cadeias.
Eduardo me escrevia
com notícias da rebelião que fora deflagrada no presídio de Manaus logo no
primeiro dia do ano. Durante a sublevação, quando as autoridades perderam o
controle da penitenciária, 56 detentos foram assassinados de forma cruel. Entre
as mensagens que ele me enviava havia fotos de corpos decapitados e closes das
cabeças seccionadas, além de quatro vídeos com duração de cerca de dois minutos
cada. Foram essas gravações que me embrulharam o estômago.
Na primeira delas, um
dos presos usa o celular para filmar o resultado do massacre recém-concluído.
"O que acontece com o PCC? Presta atenção", ele diz, enquanto outro
detento retira de dentro de um cadáver acéfalo, com a ajuda de um facão, o
coração de uma das vítimas. O órgão é depositado num balde branco, onde se
mistura a outras vísceras e pedaços de carne. Na maior parte do tempo, as
imagens do celular permanecem fechadas em close nos corpos decepados.
"Fede pra porra isso", comenta o narrador. Logo em seguida ele amplia
a tomada de cena, e afinal é possível ver o açougue humano, entre baldes e
pedaços de gente. "Cheio de coração de PCC", diz o sujeito que filma.
Pelo menos oito corpos sem cabeça aparecem jogados no pátio do presídio.
"Que horas têm?
São seis e dez", continua a voz em off do narrador. O massacre, que tivera
início às quatro da tarde, havia durado cerca de duas horas. Naquele momento
ainda era possível ouvir o som das facas em ação, fazendo o resto do serviço
nos corpos já despedaçados. "Caralho, vocês se foderam, seus bucetas!
Primeiro de janeiro. Tá ligado quem manda nessa porra aqui?!", diz o homem
que filma, deixando claro qual era a "lição" daquelas imagens. Em
seguida, interpela os inimigos. "Nós não quer confusão. Mas, Primeiro
Comando da Capital, mó fuleragem, vocês. Quem manda é nós." O apresentador
ainda segura a mão esquerda de um dos corpos, e a balança para as câmeras.
"Está dando tchau", ele debocha.
Num outro vídeo, o
celular dá um close em cabeças enfileiradas, enquanto o narrador anuncia, um a
um, os nomes das vítimas: Bruninho, Moicano, Tatu e Edinho. "Tudo
PCC!" No terceiro arquivo que recebi de Eduardo, alguns dos rebelados
filmam, do alto do telhado do presídio, um grupo de detentos que se aglomeram
ao redor de nove corpos, no piso inferior. A ação se passa numa quadra de
futebol bem-acabada, pintada de azul e amarelo, com cores ainda vivas. As
cabeças separadas dos corpos estão no chão, e alguns dos presos se agacham para
golpeá-las a facadas.
Um detento surge sobre
o teto do presídio empunhando uma bandeira com as iniciais FDN (Família do
Norte, uma das principais facções amazonenses) e CVRL (Comando Vermelho Rogério
Lemgruber). Há um bonito entardecer ao fundo. A gravação mais curta, mas não
menos nauseante, é a de um preso que usa uma serra para cortar, com algum
esforço, o pescoço de uma das vítimas da rebelião. A cabeça, presa parcialmente
ao corpo, balança com os movimentos da ferramenta, para delírio e incentivo dos
detentos que observam a cena.
Olhei para os lados.
Uma família descansava sob o guarda-sol, a alguns passos de onde eu me
encontrava. Observavam, tranquilos, a paisagem daquela pequena enseada
protegida por morros e pela Mata Atlântica. Meus filhos brincavam lá longe, no
mar transparente e sem ondas. Nuvens começavam a se formar, anunciando a chuva
do fim da tarde.
Cinco dias depois das
mortes em Manaus, outras 33 pessoas foram assassinadas numa rebelião em um
presídio de Boa Vista, capital de Roraima. Na segunda semana do ano, foi a vez
de Natal, no Rio Grande do Norte: outros 26 mortos. No cômputo das sublevações
nos três presídios, quase setenta presos tiveram suas cabeças seccionadas ou
seus corações arrancados, enquanto imagens da selvageria voltavam a ser
gravadas e a circular nas redes sociais.
Apesar das aparências,
Manaus, Boa Vista e Natal não eram o resultado de um conflito bárbaro e
anárquico entre presos sedentos por sangue, mas o desdobramento de um processo
que já vinha se desenhando com alguma clareza desde o começo dos anos 2000.
O personagem principal
dessa história é o PCC, o Primeiro Comando da Capital, empreendedor criminal de
sucesso surgido em São Paulo, mas que em anos recentes conseguiu se
nacionalizar e interligar tanto os mercados da droga quanto as disputas do
crime, antes restritas a contextos regionais. Nesse processo, o grupo paulista
inevitavelmente acabou entrando em confronto com outras facções, atores
coadjuvantes: caso do Comando Vermelho, organização que está espalhada pelo
país; da Família do Norte, que atua sobretudo no Amazonas; e do Sindicato do
Crime do RN, do Rio Grande do Norte.
Principal alvo das
degolas de janeiro, o PCC se tornava, afinal, vítima de um método que ele
próprio havia utilizado com sucesso nos anos 90. A estratégia de impor medo e
respeito entre aliados e inimigos havia sido decisiva para que o grupo
assumisse o controle do crime dentro e fora das prisões paulistas.
Criado no dia 31 de
agosto de 1993, o Primeiro Comando da Capital a princípio designava apenas mais
um time de futebol, entre tantos que participavam de um campeonato no Anexo da
Casa de Custódia em Taubaté, conhecido como Piranhão. O presídio de segurança
máxima, no interior de São Paulo, já se tornara célebre pelas péssimas
condições impostas aos presos.
Naquele torneio entre
detentos, as rivalidades iam além do esporte. Não foram poucos os casos de
agressão durante as partidas. Para se defender, os jogadores de uma das equipes
firmaram um pacto de união contra os rivais. Depois viram que era possível
estender aquele tipo de solidariedade ao dia a dia da prisão, e também como
tática para enfrentar os diretores da unidade carcerária. Nascia o PCC.
O massacre da Casa de
Detenção do Carandiru, ocorrido quase um ano antes, em outubro de 1992 - quando
111 presos foram mortos por policiais militares chamados para acabar com uma
rebelião no Pavilhão 9 -, seria constantemente lembrado pelo grupo e ajudaria a
dar força à ideia de união dos detentos contra "o sistema".
"Temos que
permanecer unidos e organizados para evitar que ocorra novamente um massacre,
semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção [...], massacre este que
jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do
Comando vamos sacudir o sistema e fazer essas autoridades mudar a prática carcerária
desumana, cheia de injustiça, opressão, tortura e massacres nas prisões",
afirmava o 13° artigo do estatuto de fundação do grupo.
Aos poucos a facção se
impôs como garantidora de um regime de autogestão da população carcerária, uma
massa humana submetida à rotina de um sistema penitenciário que amontoava - e
continua a amontoar - presos em espaços exíguos. Sem regras, organização e
controles criados pelos próprios detentos, o convívio não seria possível nas
celas.
Muito sangue foi
derramado e diversas cabeças rolaram até que uma nova ordem fosse imposta. A
conquista dessa hegemonia nas prisões fez parte da primeira fase de crescimento
do PCC. Facas, serras e estiletes, chamados de "golias" ou
"canetas", foram as armas mais usadas nas brigas entre os presos. As
mortes, cheias de simbolismo, assustavam e impunham medo aos inimigos. Ao mesmo
tempo, eram apresentadas como um recurso em nome de novos tempos, novos valores
e de uma vida melhor dentro da cadeia. Os que resistiam e não aderiam ao grupo,
diziam os integrantes do PCC, eram mortos para que se impusesse uma ordem que
representava os interesses da massa carcerária.
Os líderes do novo
grupo se esmeravam para mostrar força e poder aos colegas de cela. Cesar
Augusto Roriz da Silva, conhecido como Cesinha, um dos oito fundadores do PCC,
era descrito como um orador carismático e ladrão de banco destemido. Tinha fama
de desequilibrado, capaz de espetar as cabeças de inimigos em estacas. Ganhou o
apelido de "Exuzinho", e seus crimes dentro da cadeia lhe renderam
sete anos de isolamento em Taubaté. Outro integrante do Comando inicial era
Jonas Mateus, quejá tinha trabalhado como açougueiro e por isso se tornou um
dos exímios cortadores de cabeça a serviço do PCC nos anos 90. José Márcio
Felício, o Geleião, também fizera parte do time que jogou o campeonato no
Piranhão. Media 1,90 metro e pesava cerca de 130 quilos. Numa das partidas,
quebrou o pescoço de um adversário, agarrando a cabeça da vítima com as duas
mãos e torcendo-a num gesto brusco.
"Eu cheguei [na
prisão] na época da revolução. Não entrei no PCC por simpatia, mas por
revolução. A história foi feia", explicou-me um ex-detento, Fernando, numa
conversa que tivemos em agosto do ano passado. Nascido numa favela da Zona
Norte de São Paulo na década de 70, Fernando cresceu em meio à violência e ao
tráfico nos anos 80 e 90. Foi preso em 1997 e ficou quase cinco anos no sistema
penitenciário, passando, de rebelião em rebelião, por oito presídios. Com o
tempo, ganhou a confiança dos líderes do Primeiro Comando da Capital.
Antes do PCC, ele
disse, dezenas de integrantes de facções diferentes conviviam nas mesmas celas.
"Dormia todo mundo de olho aberto. Era muito ruim e desorganizado. Tinham
os infiltrados que caguetavam para o diretor. Tinha o malandrão que comia a
bunda dos humildes. Os caras chegavam da rua, novos, e eles faziam isso daí. O
Comando parou com isso. Foi quando a gente conseguiu colocar a paz. Não foi só
força, mas por lógica. Por que é que eu vou ficar tretando com você se a gente
está na mesma situação? Não faz sentido", explicou o ex-detento.
Àmedida que os
presídios paulistas foram sendo dominados e as regras estabelecidas, a
população carcerária passou a seguir uma espécie de pacto de não agressão,
imposto pelo PCC. Medidas importantes foram tomadas para a melhoria do ambiente
prisional. A facção vetou o uso e a venda de crack - que produziam dívidas
impagáveis e desejos insaciáveis - dentro das cadeias. Os presos também foram
proibidos de negociar entre si o acesso a camas e a celas melhores, que
passaram a ser distribuídas de acordo com o tempo de cárcere. Pouco a pouco,
também o porte de facas, serras e estiletes deixou de fazer parte do cotidiano
das cadeias paulistas.
A socióloga Camila
Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC - uma interlocutora
constante durante a elaboração desta reportagem -, teve acesso, não faz muito
tempo, a um livro de anotações de um "disciplina de raio" do PCC,
apreendido em 2012. Na estrutura da facção, o "disciplina" tem como
função mediar os conflitos nas celas e prevenir a violência. As faltas que
outros detentos cometem são anotadas, e a maioria dos casos é resolvida por
meio de conversas ou pela troca de celas, também registradas no caderno.
"Conscientizou" era a palavra em geral registrada pelo integrante do
PCC no caso dos desfechos "amigáveis", quando as partes em conflito
chegavam a um acordo supervisionado pelo grupo.
Num dos trechos do
caderno, o disciplina descreve um problema prosaico de convivência, mas que
poderia ter tido consequências graves não fosse por sua interferência:
O Oreia veio passar
que no dia de ontem estava jogando dominó com o Boy onde o Boy em desacato ali
na hora veio chamá-lo de mendigo onde ele se sentiu desrespeitado epediu a
mudança de cela do boy. Trocou um papo.
Houve também o caso de
um preso que havia ganhado uma camiseta nova no dia de visitas. O presente
sumiu e depois foi visto nas mãos de outro preso. O suspeito de furto explicou
ao disciplina que não tinha conhecimento da procedência da camisa, e que a
havia comprado do encarregado de lavar roupa na cela. A punição foi então
aplicada ao lavador de roupa. Como pena, ele perdeu a vaga de trabalho, pela
qual recebia cigarros, a moeda dos presídios, em pagamento.
"Conscientizou" e não se falou mais no assunto.
As normas de
comportamento impostas pelo Comando no caso dos dias de visitas são ainda mais
rígidas. As visitas - em geral mães e esposas - são tratadas quase como figuras
sagradas. Não é permitido falar palavrão. As bermudas vestidas pelos presos
precisam estar na altura dos joelhos. "Pagar cofrinho" ao se agachar
já foi motivo de repreensão. Todo esforço é feito para criar um ambiente de
respeito para os familiares dos presos.
Num dos registros do
caderninho do disciplina, descreve-se o relato de um detento que acusa um
colega de ter se masturbado no dia de visita - falta gravíssima para a etiqueta
carcerária. O disciplina foi ouvir o detento acusado. Antes de dar a sentença,
perguntou em quem o homem estava pensando no momento do ato solitário. "Na
minha esposa", ele respondeu, sabiamente - e para sua sorte. Recebeu uma
dura advertência, mas "conscientizou".
Omassacre do Carandiru
ofereceu um exemplo-limite de maus-tratos na cadeia e ajudou a reforçar o
discurso do PCC em defesa da solidariedade entre os presos - sob o seu comando.
Mas as mortes dos 111 presos em 1992 também fizeram as autoridades estaduais
repensarem o sistema carcerário. Logo no ano seguinte o governo de São Paulo
começaria a planejar a desativação do Complexo do Carandiru, o que na realidade
só viria a acontecer em 2002. Foi também criada a Secretaria da Administração
Penitenciária, encarregada de liderar o plano de expansão do complexo de
prisões do estado, construindo novas unidades prisionais em cidades do
interior.
Até 1993, havia em São
Paulo 36 unidades penitenciárias, concentradas sobretudo na capital e em
municípios próximos. Nas décadas seguintes, ocorreria um processo de
descentralização. Hoje são 166 unidades, em geral de tamanho menor do que
aquelas do passado, boa parte espalhada pelo interior do estado, em cidades que
ficam a até oito horas de ônibus da capital. O problema é que, simultaneamente
a esse investimento na construção de novas cadeias, o número de presos também
aumentou, numa taxa explosiva. Havia 32 mil detentos em Sao Paulo, em 1993;
hoje sao 230 mil.
Os presos foram
distribuídos por diversas unidades em diferentes cidades paulistas, mas as
condições a que a maioria deles estava submetida, dentro das novas cadeias -
muitas vezes também superlotadas -, nao mudaram muito.
O principal efeito
colateral do aumento no número de prisões e de detentos nas duas últimas
décadas acabou sendo a consolidação do poder do PCC. Tanto dentro quanto fora
do cárcere.
As prisões - chamadas
pelos presos ironicamente de "faculdades" - se tornaram, cada vez
mais, escritórios do crime, responsáveis por um crescente controle da atividade
não só dos prisioneiros, mas também dos criminosos que atuavam fora da cadeia.
Como explicou o cientista político norte-americano Benjamin Lessing, professor
da Universidade de Chicago e estudioso de gangues prisionais nos Estados Unidos
e na América Latina, há um dilema a ser enfrentado quando se decide ampliar o
sistema prisional. Em um aparente paradoxo, o encarceramento em massa tende a
fortalecer o poder das lideranças presas. "Quanto maior a probabilidade de
um criminoso ser preso, mais importante é para ele obedecer às regras
estabelecidas pelas lideranças. Mesmo para aquele que está do lado de fora, mas
que considera a possibilidade de ser preso, obedecer às regras das lideranças
passa a funcionar como um 'seguro-prisão'", disse Lessing.
Como o controle que o
PCC exercia sobre as atividades dos criminosos livres aumentava, também
cresciam os recursos repassados ao grupo e, consequentemente, o seu poder
financeiro.
As dezenas de milhares
de novos detentos, por sua vez, muitas vezes não se contentavam em apenas
obedecer às regras de conduta impostas pelo PCC - muitos passaram a querer
fazer parte do grupo. Os incentivos não eram desprezíveis.
"Batizados" - como são chamados os que integram os quadros do Comando
- têm acesso a serviços de saúde privados, algo que já é valioso do lado de
fora, mas que se torna decisivo nos ambientes insalubres das prisões, onde a
propagação de doenças é comum. Filiados têm também acesso a advogados, pagos
pelo PCC - os serviços desses profissionais são inestimáveis num país em que
40% dos detentos sequer chegam a receber uma sentença. Mesmo quem ganha direito
à progressão de pena - com a possibilidade de passar a responder pelo crime em
prisão domiciliar, por exemplo - acaba muitas vezes esquecido dentro do sistema
prisional, caso não possa contar com os serviços de advogados particulares.
O ritual de
"batismo" é simples, e consiste sobretudo na leitura, para o novo
integrante, dos dezoito artigos do estatuto com as regras da facção. Para
ingressar no PCC, contudo, o preso precisa ter pelo menos três padrinhos - ou
seja, precisa ser indicado por integrantes antigos, que passam a se
responsabilizar pelas ações do novo membro. O novo filiado também deve se
dispor a colocar a vida em risco pelo PCC, caso isso lhe seja exigido, bem como
pagar uma mensalidade que, segundo documentos apreendidos por procuradores
paulistas, é hoje de 650 reais.
Os benefícios se
estendem para quem está fora da cadeia. O PCC empresta armas e dinheiro para a
prática de crimes, atuando como um banco de microcrédito que financia
traficantes e ladrões. É o que aparece, por exemplo, num "Salve" (um
comunicado oficial do grupo) emitido no começo de 2011, que me foi apresentado
por Graham Willis, professor da Universidade de Cambridge e pesquisador do PCC.
No documento, a facção informa:
A sintonia geral de
rua comunica a todos os seus integrantes interna e externa que graças a
dedicação de muitos dos seus integrantes, a partir desta data 02/2011 será
implantado dentro da organização um setor de apoio aos irmãos que vierem
necessitar de um auxílio bélico e apoio financeiro para o auxílio aluguel e
outras maiores necessidades emergenciais. Este setor se caracteriza como sendo
banco de apoio aos irmãos. O objetivo central deste novo trabalho será
unicamente fortalecer os irmãos que estão totalmente descabelados saindo da
prisão ou também aqueles irmãos que se encontram na liberdade em período
inferior a seis meses.
Oprincipal benefício
para os batizados, de toda forma, é a possibilidade de ampliar a rede de
contato para fazer negócios ilegais, conseguir mercadorias, armas, lavar
dinheiro e obter contato com receptadores - galgando, assim, degraus na
pirâmide social do crime.
Pelas contas bancárias
de 600 lideranças ligadas ao PCC passaram, entre 2006 e 2012, cerca de 2,8
bilhões dereais, conforme levantamento feito com a ajuda do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras, o Coaf. Isso representa uma média de 400
milhões de reais por ano, ou mais de 600 mil reais anuais em cada conta.
Os recursos do
Primeiro Comando da Capital acabam muitas vezes voltando para a economia
formal, depois que o dinheiro é "esquentado" em postos de gasolina,
lojas de carros, casas de câmbio e cooperativas de transporte, para citar
alguns dos setores identificados pelo Ministério Público e pelos serviços de
inteligência da polícia. A estimativa dos procuradores é de que, hoje, os
chefes do PCC tenham pelo menos 100 milhões de reais investidos em imóveis.
"Muita gente
ligada ao PCC tem carteira assinada, até para evitar suspeitas. Quem registra
são as empresas usadas para lavar dinheiro. É uma situação que antes não
existia", me disse um soldado da Polícia Militar paulista que aceitou
conversar sobre o partido do crime. Dessa forma, ele me disse, a fronteira
entre o que é legal e o que é ilegal acaba muitas vezes se tornando imprecisa e
apagada.
No começo do novo
século, o PCC se consolidou como o grande "sindicato" dos presos e
criminosos em São Paulo. A partir daí passou também a se lançar para o lado de
fora das cadeias, tornando-se o principal empreendedor criminal brasileiro.
Essa passagem dependeu de uma mudança tecnológica crucial, ocorrida no final
dos anos 90 - a popularização do telefone celular.
As autoridades
estaduais só começaram a perceber o que estava acontecendo em 2001. Logo no
início daquele ano, em fevereiro, testemunhou-se pela primeira vez na história
uma rebelião coordenada de uma parte significativa do sistema prisional, e não
apenas desta ou daquela cadeia ou presídio. Ao todo, 29 unidades penitenciárias
se sublevaram.
As duas principais
lideranças do PCC à época, Cesinha e Geleião, cumpriam pena em Piraquara, no
Paraná. O governo paulista havia conseguido transferi-los para o estado
vizinho, numa tentativa de minar a influência dos dois. Foi de lá, a centenas
de quilómetros dos seus liderados, que eles deram o aval para o começo da
megarrebelião. Uma central telefónica, operada pelo PCC, repassou o
"Salve" para os demais presídios em dezenove cidades do estado,
envolvendo cerca de 30 mil presos no levante. A revolta ganhou as telas da
televisão e quebrou o silêncio que o estado vinha tentando manter sobre a força
da facção.
A rede de celulares
também permitiu que as lideranças transferidaspelo Brasil ampliassem para
outros estados a influência do PCC. Além do Paraná, criminosos de Mato Grosso
do Sul, Rio Grande do Sul, Brasília e Rio de Janeiro estreitaram seus contatos
com os paulistas e iniciaram parcerias promissoras.
Outro efeito foi a
mudança na estrutura de negócios do PCC, e na gestão do Comando. Em novembro de
2002, o grupo liderado por Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, assumiu o
comando da facção. A tomada de poder se seguia a uma disputa interna que
tivera, entre as suas vítimas, a ex-mulher de Marcola, a advogada Ana Maria
Olivatto. As suspeitas recaíram sobre Cesinha e Geleião, que se tornaram então
inimigos do PCC.
Não se tratava apenas
de uma mudança de dirigentes, mas sim de uma nova "filosofia"
empresarial. O grupo de Marcola trouxe para o partido do crime o espírito
empreendedor e organizacional dos traficantes, em oposição ao personalismo
combativo dos ladrões de banco, que marcara a geração dos fundadores do PCC.
Marcola e seus aliados iriam mudar o modelo de negócios do PCC, até então
bancado pela receita das mensalidades pagas pelos integrantes e pelos assaltos
realizados do lado de fora da cadeia. O novo time de gestores passou a investir
na expansão do comércio de drogas para financiar a estrutura burocrática,
assistencial e financeira do PCC. O tráfico também faria a fortuna de parte dos
filiados ao grupo. Foi nesse momento que a facção deixou em segundo plano a
função de sindicato do crime e assumiu o papel de grande empreendedor criminal
brasileiro.
Na nova estrutura do
PCC, o poder se tornou menos personalista, mais horizontal e descentralizado,
oferecendo autonomia de decisão para as pontas, orientadas a garantir a
disciplina e o respeito às normas da facção. Os antigos dois escalões, formados
por generais, que mandavam, e por pilotos, que obedeciam, foram divididos em
inúmeras células de comando, chamadas de "sintonias". A arquitetura
do modelo permitia que a morte ou a transferência de um integrante não afetasse
o bom funcionamento das atividades da facção, já que um novo filiado podia logo
ocupar o cargo vago e substituir a peça que faltava.O grupo de Marcola também
tinha consciência de que a paz precisava ser mantida nos territórios que o
grupo controlava, para que a venda das drogas ocorresse sem sobressaltos,
garantindo recursos para o PCC. Na ampliação de sua rede, a facção assumiu a
estratégia liberal de focar nas vendas do atacado, distribuindo a mercadoria a
pontos varejistas, sem exigir fidelidade na compra do produto ou mesmo na
filiação ao partido. Em geral, os varejistas que compravam as drogas do PCC
eram tratados como "simpatizantes", "primos" ou
"companheiros", definições reservadas para aqueles que mantêm apenas
relações de parceria com o Comando.
Dona de uma estrutura
bem azeitada e sem ser ameaçada no controle da atividade criminal em São Paulo,
logo a facção iria se lançar à empreitada de conquistar mercado - e poder - em
outros estados do país.
Meu interesse por
tentar entender a violência e o crime - como repórter e pesquisador
universitário - começou em 1999, alguns anos antes que o PCC assumisse o
controle do mercado de drogas em São Paulo.
Naquele ano o estado
atingiria o ponto mais alto de sua história na taxa de homicídios; 44
assassinatos anuais para cada grupo de 100 mil habitantes, índice semelhante ao
de países em guerra.
Os bairros mais
violentos da capital paulista eram palco de mais de cinquenta homicídios num
único final de semana. Sobrecarregados, os coveiros adiantavam o trabalho e
começavam a providenciar novas "vagas" nos cemitérios ainda na
sexta-feira, antecipando-se à onda de enterros dos dias seguintes.
Eu trabalhava então na
revista Veja. Acabei sendo encarregado de escrever sobre as mais de noventa
chacinas registradas, a cada ano, no estado de São Paulo - casos em que mais de
duas pessoas morriam numa mesma ocorrência. Decidi que o melhor a fazer era
tentar entrevistar pelo menos alguns dos autores dessas mortes por atacado. A
empreitada só se tornou viável com a ajuda de Roberto Ribeiro, um advogado
especializado em atuar na defesa de homicidas. Ribeiro me franqueou acesso a
alguns de seus clientes, e assim consegui marcar doze entrevistas com assassinos
confessos, todos em liberdade, dispostos a me dizer por que matavam. (Parte
desses entrevistados e o próprio Ribeiro seriam assassinados mais tarde.)
José Idelvan dos
Santos, por exemplo, era morador do Jardim Icaraí, no Grajaú, uma região pobre
da periferia de São Paulo. Santos tinha 35 anos, organizava jogos de várzea e
comandava o time de futebol do bairro.
"Todos os que eu
matei mereciam morrer", disse-me o autor de pelo menos três chacinas e de
dezenas de homicídios. "Nunca matei inocente."
Outros matadores com
quem conversei também tinham convicção da "necessidade" das mortes
que praticavam. Havia um repertório de justificativas para os assassinatos,
normas sobre quem devia ou não morrer, que delimitavam os alvos e davam certa
ordem - pelo menos retórica - ao caos aparente. O resultado, na prática, eram
ciclos de vingança, em que as mortes se sucediam e se multiplicavam. Em bairros
com muitos homicídios, uma morte era suficiente para estimular a resposta de
amigos e parentes do morto, produzindo sucessivos e reiterados conflitos, que
podiam durar anos.
Um estudante me
relatou, nessa época, um assassinato que testemunhou na porta da escola,
praticado por um amigo seu. Numa das vezes em que o garoto, amigo do meu
interlocutor, foi deixar a irmã na escola, outro aluno o encarou, sem desviar o
olhar. Numa segunda vez, a cena se repetiu: o desconhecido olhou fixo nos seus
olhos. Na terceira vez, o amigo do meu interlocutor sacou o revólver e
disparou. Segundo o estudante que me contou a história, naquele ambiente um
simples olhar fixo e insistente podia ser interpretado como uma possível ameaça
de morte. Significava que algum tipo de rixa ou duelo tinha se estabelecido.
Como o risco de ser baleado era grande, todos se convenciam de que sobreviveria
quem matasse primeiro. Não se tratava de pura maldade, nem de cálculo ou
interesse económico (em geral as mortes não estavam diretamente ligadas ao
tráfico), mas de um contexto social que produzia uma propensão ao homicídio,
diante das alternativas restritas para a preservação da própria vida.
Assim se formavam
também grupos de matadores, que passavam a se enxergar como soldados em guerra,
falando sobre inimigos, morrendo e matando por causas vazias e estúpidas. Havia
ainda justiceiros, antigos assassinos que matavam para defender o comércio
local de possíveis assaltantes. E, não menos importante, policiais militares
matadores - funcionários do Estado que decidiam fazer justiça, ou o que
entendiam como justiça, com as próprias mãos. Esses policiais acreditavam numa ideia
que há décadas tem força no Brasil, e que hoje é reverberada pelos apologistas
da violência nas redes sociais: a crença de que o homicídio, em vez de ser um
problema a ser controlado, pode ser um remédio ou uma solução para a falta de
segurança pública.
Ocorre que, para a
surpresa de todos os que acompanhavam e estudavam a violência em São Paulo, a
partir do ano 2000 a curva de assassinatos começou a se inverter e manteve,
desde então, uma tendência de queda quase ininterrupta. Na capital e na região metropolitana,
ao longo dos últimos dezesseis anos, a redução ultrapassou os 80%. De um
patamar de mais de 60 mortes por 100 mil habitantes, na Grande São Paulo, em
1999, nos últimos anos o índice de homicídios se manteve, com algumas
oscilações, próximo de 10 assassinatos anuais para cada 100 mil habitantes. O
processo de autoextermínio foi estancado de forma silenciosa, sem que fosse
assumido nenhum compromisso político de peso e sem o anúncio de qualquer medida
de impacto.
Entender esse
movimento da curva de homicídios se tornou para mim mais do que uma
curiosidade, quase uma obsessão. Como é que um processo que parecia fora do
controle pôde ser revertido de forma tão decisiva e surpreendente?
Nos últimos anos, os
estudiosos da segurança pública em São Paulo apontaram um conjunto de fatores
simultâneos que teriam ajudado a reduzir a taxa de homicídios no estado,
tornando-o um dos menos violentos do país. Entre eles, a aprovação do estatuto
do desarmamento e a consequente diminuição do número de armas de fogo em
circulação nos bairros violentos; o envelhecimento da população - uma vez que
são os jovens que mais matam e que mais morrem assassinados -; a maior
eficiência da polícia; a melhoria das políticas públicas e o fortalecimento da
sociedade civil.
Um outro fator,
contudo, ainda encarado como tabu em certos círculos, também passou a ganhar a
atenção dos pesquisadores. E se o próprio PCC, ao organizar o crime dentro e
fora da cadeia, também estivesse ajudando a deter a violência?
Eduardo, o mesmo que
na virada do ano havia me enviado as imagens das rebeliões em Manaus, Boa Vista
e Natal, testemunhou essa transformação dos índices de homicídios no estado
mais rico do país. Tenho mantido com ele uma interlocução mais ou menos
constante desde a época em que eu trabalhava como repórter no jornal O Estado
de S. Pauloe fazia, simultaneamente, a pesquisa para o meu doutorado - sobre a
evolução da violência e do crime em São Paulo.
Quando tinha apenas 16
anos, em 1990, Eduardo, na companhia de alguns amigos, se envolveu numa
sequência de conflitos que produziram dezenas de mortes na região do Jardim
Angela. O bairro pobre, na Zona Sul da capital paulista, chegou a ser apontado
pela imprensa naquela época como o mais violento do mundo. A história que
Eduardo me contou não fugia ao padrão do que eu vinha ouvindo desde 1999. Rixas
com vizinhos e vinganças reiteradas produziam o efeito multiplicador dos
assassinatos. A rotina de conflitos, fugas e perseguições da polícia, para ele,
durou até 1998, quando afinal foi preso.
Nosso encontro mais
recente foi em novembro último. Marcamos no terminal de Santo Amaro, distante
quase duas horas de ônibus e metrô da minha casa. Eduardo hoje já passa dos 40
anos. Não pude deixar de notar os fios brancos no seu cabelo curto. Usava
óculos de grau. Foi um encontro diferente, sem as barreiras físicas e
emocionais que antigamente nos separavam.
Atualmente ele
trabalha, em sociedade com o irmão, numa empresa que presta serviços de
revestimento de gesso. Chegou a cursar o 1° ano de engenharia civil, mas
trancou a matrícula. A filha mais velha faz faculdade. Enquanto andávamos pelas
ruas do bairro onde ele mora, passamos por lugares que haviam sido palco de
assassinatos nos anos 90 - alguns cometidos por seu grupo, outros em que
companheiros seus haviam morrido. Eduardo perdeu um irmão e três primos nas
vendetas da periferia - e por muito tempo teve orgulho de ter respondido a
altura às agressões.
Já em casa, Eduardo
fechou a janela da cozinha. Queria evitar ouvidos curiosos. Explicou-me que
muita coisa mudou na quebrada. As rixas e os ciclos de vingança não existem
mais porque o PCC não autoriza os homicídios sem o aval da facção. "Quem
mata sem autorização, é xeque-mate, morre", ele disse, repetindo uma visão
corrente entre moradores dos bairros que foram "pacificados". Eduardo
então listou uma série de exemplos de mediações feitas pelos disciplinas do
PCC. Desde meados de 2000, os debates entre moradores, supervisionados pela facção,
se tornaram uma instância para tentar solucionar conflitos. Os disciplinas -
uma função que a princípio servia para organizar e manter a paz dentro das
prisões - passaram a organizar extensos territórios da cidade, onde são uma
autoridade que resolve questões ligadas à venda de drogas, mas também ao
"bom convívio" da população local. "A violência atrai a polícia.
O disciplina evita a violência para não atrapalhar os negócios", explicou
Eduardo.
Na maioria das vezes,
esse tipo de mediação local dispensa a participação das lideranças dos
presídios. Mas há exceções, como nos casos graves, que envolvem mortes não
autorizadas pelo Comando, tentativas de estupros, atos de pedofilia ou roubo ao
caixa do partido. As penas podem incluir surras aplicadas com barras de ferro,
a fim de quebrar braços e joelhos, torturas ou simples conversas, no caso de
ocorrências mais leves. De modo geral, são as próprias vítimas que, instadas
pelos representantes do PCC, estabelecem a punição adequada ao agressor.
A punição, contudo, só
costuma ser aplicada depois de realizado um "debate" e de todas as
partes terem sido ouvidas. Caso o culpado não assuma a autoria do delito, o
representante do PCC pode pedir a apresentação de provas. Na linguagem da
facção, não se trata de justiça paralela nem de punição, mas de
"consequências" a serem assumidas pelos erros cometidos e pelo
desrespeito à coletividade.
Na Zona Leste da
cidade, no ano passado, educadores de um centro que trabalha com jovens
infratores acompanharam um caso que envolvia uma menina de 11 anos. O pai da
criança procurou o PCC e pediu a mediação do grupo porque sua filha havia tido
relações sexuais com um jovem da região. Exigia uma pena exemplar e acusava o
garoto de estupro. O disciplina ouviu o rapaz, que em sua defesa mostrou no
celular fotos insinuantes que a própria menina lhe teria enviado. Tentava
argumentar que fora provocado, e que a relação afinal fora consensual. Disse
também que não sabia que ela era tão nova.
Segundo os educadores,
os disciplinas avaliaram que o corpo da menina já era bem formado, como o de
uma mulher, e que por isso a culpa do rapaz poderia ser relativizada. Mesmo
assim ele acabou sendo obrigado a se "mudar da quebrada". Já a menina
foi proibida de sair de casa à noite até que complete 15 anos. Como se tudo
isso não bastasse, as fotos da criança acabaram sendo divulgadas nas redes
sociais.
Essa transformação em
São Paulo vem sendo documentada em diversos estudos, realizados por uma
competente geração de sociólogos e antropólogos. Nessas histórias de mudanças e
relativa "pacificação", algumas coisas me chamam a atenção. São
frequentes os relatos de que novas ideias e crenças passaram a circular e a
moldar o comportamento daquele grupo social de jovens do sexo masculino que
matavam e eram assassinados em larga escala nos anos 80 e 90. Por tudo o que eu
lia e ouvia, era como se o software mental dessas pessoas estivesse sendo
reprogramado.
Uma nova coleção de
justificativas para os comportamentos sociais ganhava força e passava a fazer
sentido. Conceitos como "humildade" e "consciência", ideias
como "ninguém é melhor do que ninguém" e "faço parte do lado
certo de uma vida errada", que em alguma medida já eram valorizados na
cultura criminal, passaram a orientar comportamentos e a mudar as relações dentro
e fora das prisões. O poder de "conscientização" do PCC - aliado à
força bruta do grupo e ao domínio do mundo criminal paulista - ajuda a entender
essa transformação, que diminuiu conflitos e interrompeu ciclos de vingança nos
territórios mais violentos.
É muito difícil,
contudo, tratar desse assunto com as autoridades paulistas. A reação imediata é
quase sempre de indignação, como se a simples menção da "hipótese
PCC" fosse uma espécie de apologia ao crime ou propaganda da facção.
Ocorre que o trabalho
de outros pesquisadores, com metodologias diferentes, tem ajudado a reforçar
essa hipótese levantada por sociólogos e antropólogos. Em 2014, o economista
João Manoel Pinho de Mello, professor do Insper, e outros três coautores
divulgaram um estudo chamado "Pax Monopolista and Crime: The Case of the
Emergence of PCC in São Paulo" \Pax monopolista e crime: O caso do
surgimento do PCC em São Paulo].
Durante um debate em
meados do ano passado, no Insper, Pinho de Mello apresentou os resultados da
pesquisa. Defendeu o uso de métodos estatísticos para avaliar se as
"anedotas" - os diversos relatos do impacto da presença do PCC nas
áreas pobres das cidades paulistas - de fato correspondiam a uma relação
mensurável entre a presença do grupo em determinado local e a queda da
violência.
Assim, no artigo, os
autores usaram um modelo econométrico sofisticado para identificar como a
chegada do PCC em 520 favelas da capital paulista, num período de quase cinco
anos, resultou num impacto significativo na redução dos crimes violentos nessas
/egiões da cidade - ainda que o PCC não seja o único fator associado à
diminuição das taxas de homicídio. "É o que chamamos de Pax Monopolista.
Nossa hipótese é a de que a inexistência de concorrência no mercado de drogas
diminui a violência", explicou Pinho de Mello. "Em termos de
políticas públicas, essa descoberta é um incómodo. Considerando que a
descriminalização da venda de drogas não está em discussão, qual seria a
solução? Caberia apostar em um campeão nacional de drogas, que passasse a
dominar a venda do mercado para diminuir a violência?", questionou Pinho
de Mello de forma franca e desconcertante, baseando-se nas consequências
lógicas dos resultados que havia encontrado e sem juízo de valor - um
comportamento típico de muitos economistas.
Essa dimensão da
narcoeconomia, em que a competição pelo mercado ilegal produz violência, ajuda
a encontrar respostas para o processo de relativa pacificação por que passou
São Paulo. Também permite enxergar o movimento inverso: como o aumento da
disputa no restante do território nacional tem promovido o crescimento dos
casos de homicídio.
Nos últimos anos, o
mercado da cocaína no Brasil se tornou um ponto fora da curva em relação ao que
se passa no restante do mundo. Enquanto o consumo da droga vem registrando
quedas sucessivas em nações da Europa, nos Estados Unidos e no Canadá -
fenómeno que é acompanhado pela tendência de queda da produção na Colômbia -, o
mercado consumidor na América do Sul, puxado pelo Brasil, teve aumento de mais
de 50% entre 2010 e 2012, segundo as pesquisas feitas pelo Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). As estimativas apontam que cerca de
1,75% da população adulta brasileira é atualmente consumidora da droga, seja em
pó ou em pedra.
Os efeitos desse
aumento do consumo se fazem sentir sobretudo onde o mercado ainda está
"aberto", em disputa. O impacto foi pequeno no caso de São Paulo,
onde o PCC eliminou a concorrência, e também no Rio de Janeiro, onde pelo menos
até recentemente a disputa entre as grandes facções havia se tornado mais
difícil e custosa, com a ocupação de muitos territórios pelas Unidades de
Polícia Pacificadora. Entre 2004 e 2014, esses estados apresentaram as duas
maiores reduções nas taxas de homicídio, entre as 27 unidades da Federação.
Em contrapartida, em
muitos outros lugares, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, as taxas de
homicídio se multiplicaram nesse mesmo período. Os aumentos foram liderados por
estados como Rio Grande do Norte (308%), Maranhão (209%), Ceará (166%), Sergipe
(107%), Pará (93%) e Amazonas (92%). Nos anos 80 e 90, essas mesmas unidades da
Federação estavam entre as menos violentas do país. O salto dos conflitos
nesses locais fez com que o Brasil passasse a registrar quase 60 mil mortes por
ano. Em números absolutos, somos hoje o lugar no mundo onde mais se morre por
homicídio.
Pelo menos no que diz
respeito à política de encarceramento massivo, contudo, as trajetórias dos
diversos estados brasileiros não foram divergentes. Pode-se dizer que o país
como um todo seguiu o exemplo paulista. Os 90 mil presos que havia no Brasil
nos anos 90 se multiplicaram quase por sete: atualmente já ultrapassamos a
marca de 620 mil detentos. O principal motivo de condenações nesse período foi
o tráfico de drogas, crime pelo qual respondiam 27% dos presos nos sistemas
penitenciários em 2014 - roubo, na segunda posição, foi o crime praticado por
21% dos presos.
Entre 2005 e 2014,
todos os estados brasileiros aumentaram sua população carcerária, produzindo
uma situação dramática em todas as unidades penitenciárias, com excesso de
gente e vagas insuficientes. A média brasileira, em 2012, era de 1,7 preso por
vaga. Em alguns casos, como Alagoas, alocavam-se 3,7 presos para cada vaga
disponível.
Além das celas superlotadas,
cresceu a atuação de esquadrões da morte em vários estados brasileiros, com o
apoio de uma parcela expressiva da população. As polícias, por sua vez,
passaram a agir como máquinas de guerra. O combate feroz contra o crime
(expresso no bordão popular "Bandido bom é bandido morto") tem dado o
norte de nossas políticas de segurança pública desde os anos 60. Não é difícil
entender por que indivíduos acuados, tratados como inimigos, terminam por
assumir essa condição e agir como tal. Os que ingressam e assumem a vida do
crime acabam virando algo parecido com homens-bomba, gente que prefere morrer
antes dos 25 anos de idade a ter de aceitar um destino de trabalhador pobre,
que de toda forma também tem grande possibilidade de ser assassinado e preso. Não
me parece simples coincidência que Bin Laden seja um apelido popular entre os
criminosos brasileiros, como se pode ler nos processos criminais, e que uma
facção chamada Okaida tenha surgido na Paraíba.
Nos últimos anos,
diversos grupos desse tipo se formaram no país inteiro. Quase todos tentavam
reproduzir, em alguma medida, o modelo do PCC. Havia aqueles que buscavam se
tornar aliados dos paulistas, e outros que passaram a se ver como seus rivais,
formando assim uma miríade de gangues envolvidas em disputas dentro e fora das
prisões. Grupos como o Bonde dos 40, no Maranhão, que protagonizou o conflito
que gerou a decapitação de três presos no Presídio de Pedrinhas, em 2013; a
Firma, em Alagoas; o Comando da Paz, na Bahia; os Guardiões do Estado, no Ceará;
o Bala na Cara, no Rio Grande do Sul. E também esse o caso da Família do Norte,
facção do Amazonas que se beneficia do acesso privilegiado à cocaína, vinda
pelos rios e florestas das divisas com o Peru e a Colômbia.
Os conflitos se
multiplicaram nos bairros mais pobres das cidades brasileiras, que testemunham
a expansão do mercado de crack e a explosão das taxas de homicídios. Nessas
irrupções de conflitos e mortes em locais que antes desconheciam tal nível de
violência, acabaram entrando em cena outros personagens, como a polícia, que se
tornou ainda mais violenta na guerra ao tráfico. Nos últimos cinco anos, a
Polícia Federal desarticulou grupos de extermínio integrados por policiais em
Alagoas, Rio Grande do Norte, Bahia, Paraíba, Ceará, Pará e Goiás.
Aarticulação da rede
nacional do crime se tornou irreversível a partir de 2006, com a criação dos
presídios federais de Catanduvas, no Paraná, e de Campo Grande, em Mato Grosso
do Sul. Em 2009, foram inaugurados os presídios federais de Porto Velho, em Roraima,
e de Mossoró, no Rio Grande do Norte. O quinto presídio federal está em
construção em Brasília.
Assim como haviam
planejado as autoridades de São Paulo quando espalharam unidades pelo interior
paulista, a ideia da União era ajudar os estados e tentar isolar os presos
perigosos nos novos presídios. Num caso e no outro, essa política acabou se
mostrando contraproducente.
O promotor Augusto
Rossini foi diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do
Ministério da Justiça responsável pelas prisões, entre 2011 e 2014. Em um
capítulo do livro Execução Penal, Diferentes Perspectivas, a ser publicado
neste ano, Rossini faz a seguinte avaliação:
Ao chegar em uma das
quatro unidades, o preso amplia seu leque de conhecidos. De um momento para o outro,
seu campo de atuação passa de estadual para nacional. [...] O critério de
escolha de uma unidade específica é o da facção criminosa da qual supostamente
o preso faz parte: se um preso é do PCC em São Paulo, ficará na mesma unidade
onde estão presos do mesmo PCC, mas de Santa Catarina. Isso lamentavelmente
nacionaliza o crime organizado. Em verdade, nunca na história do país presos
dos mais distantes quadrantes foram unidos pelo próprio Estado. [.] Quando uma
liderança do Maranhão se encontraria com outra do Rio Grande do Sul? Quando uma
liderança de São Paulo se encontraria com outra do Mato Grosso? Há presos de
todos os cantos do país, todos eles ostentando excessiva periculosidade e
nefasta liderança em suas bases. O SPF[Sistema Penitenciário Federal] permite
que se encontrem e interajam, a despeito das 22 horas passadas em celas
individuais e apenas duas horas de banho de sol
Agora capaz de se
organizar dentro das cadeias em nível nacional, e de olho nos novos mercados da
droga, o PCC fez a partir de 2014 um movimento ousado - que acabou por
deflagrar a atual crise de segurança pública. Para consolidar sua posição no
mercado nacional, um "Salve" foi repassado por integrantes do grupo
em vários estados, determinando que cada participante da facção batizasse
outros dois novos membros. Em alguns casos, metas foram definidas, como chegar
a 600 batizados por unidade da Federação. Os critérios para os batismos foram
afrouxados - bastava a cada novo membro ter um único padrinho, em vez dos três
originalmente exigidos - e muitos passaram a ganhar o aval a distância, por
telefone, concedidos por integrantes de unidades em outros estados.
Ao longo de três anos,
o número de filiados ao partido do crime fora de São Paulo se multiplicou por
quase cinco, passando de 3 mil integrantes para os atuais 14 mil - uma
estrutura duas vezes maior do que aquela de que dispõe a facção dentro do seu
estado de origem. Tudo somado, são 21 mil membros em todo o pais. Essa intensa
ampliação no número de batizados é que desencadeou a atual tensão nos
presidios.
"Os batismos dos
novos membros começaram a aparecer nas escutas, e pudemos prever que haveria
problemas", me disse o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação
Especial de Repressão ao Crime Organizado, o Gaeco, do Ministério Público de
São Paulo. Gakiya atua em Presidente Prudente, onde estão presas as principais
lideranças paulistas do PCC. O movimento de ampliação das filiações feitas pelo
grupo também foi percebido pelo governo federal, que nos dois últimos anos
produziu relatórios com informações sobre o que se passava nos presidios
estaduais pelo pais.
A primeira reação
regional ao avanço do PCC foi identificada em Santa Catarina, em 2015, quando o
Primeiro Grupo Catarinense, o PGC, proibiu o batismo de novos membros da facção
paulista nas prisões que controlava. Os integrantes do PCC no estado tiveram
que ser isolados num único presidio.
A proibição também foi
determinada pelo Comando Vermelho de Mato Grosso. Apesar de o CV ter
nominalmente presença em vários estados, as facções regionais do grupo são
autónomas e não se submetem às ordens das lideranças fluminenses. Não faz muito
tempo o PCC mandou uma mensagem ao chefe do CV no Rio, Márcio dos Santos
Nepomuceno, o Marcinho VP, que se encontrava no Presidio Federal de Mossoró,
tratando da tensão nos estados. Receberam do lider fluminense a resposta de que
não havia como controlar as facções regionais que não respondiam a ele.
De modo geral, a
reação ao PCC só foi possível porque novos grupos regionais - inspirados no modelo
paulista - já vinham sendo montados dentro das prisões. Em 2006, reunidos num
presidio federal, os traficantes Gelson Lima Carnaúba, o Mano G, e José Roberto
Fernandes Barbosa, o Pertuba, dois traficantes do Amazonas, se encontraram e
combinaram de se associar para formar a Família do Norte, com o objetivo de
fazer frente ao PCC e ao Comando Vermelho. Mais tarde o grupo amazonense se
aliaria ao CV. Nesse meio tempo, Mano G conseguiu fugir da prisão. Quando foi
recapturado em 2015 passou um mês em Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, e ali
ajudou a organizar o Sindicato RN, que deflagrou a disputa com o PCC em Natal.
Era questão de tempo
até que essas tensões encontrassem a oportunidade - uma rebelião, por exemplo -
para se transformar em conflito aberto. Foi o que aconteceu em outubro do ano
passado, em Boa Vista. Durante uma sublevação, integrantes do PCC decidiram
retaliar membros da principal facção rival no presidio, o Comando Vermelho. Dez
pessoas foram mortas.
Depois do massacre, o
Primeiro Comando da Capital emitiu um "Salve Geral", interceptado
pelas autoridades, em que buscava explicar aos seus batizados os motivos da
cisão e da desforra. Faziam referência, em primeiro lugar, aos desentendimentos
que se acumulavam com o CV:
A cerca de três anos
buscamos um dialogo com a liderança do CV nos estados, sempre visando a Paz e a
União do Crime no Brasil e o que recebemos em troca, foi irmão nosso esfaqueado
e Rondônia e nada ocorreu, ato de talaricagem [quando um preso conquista a
mulher de outro preso] por parte de um integrante do CVRR [Comando Vermelho de
Roraima] e nenhum retorno, pai de um irmão nosso morto no Maranhão e nem uma
manifestação da liderança do CV em prol a resolver tais fatos.
Depois se queixavam
das alianças feitas entre seus oponentes:
Como se não bastasse,
[os integrantes do CV] se aliaram a inimigos nossos que agiram de tal covardia
como o PGC [Primeiro Grupo Catarinense] que matou uma cunhada e sua prima por
ser parentes de PCC, matarão 1 menina de 14 anos só por que fechava com nós. A
mesma aliança se estendeu pra facção Sindicato RN que num gesto de querer
mostrar força matarão uma senhora evangélica e tetraplégica [...]. Agora
chegaram ao extremo de andarem armados de facas em pátios de visita no Acre e
no estado de Roraima.
E assim justificavam
os homicidios cometidos:
Acreditamos que o
crime do paiz não é cego e consegue enxergar com clareza o que realmente é
desrespeito com familiares e quem deu ponta pé inicialpra essa guerra sangrenta
que se iniciou. Pra nos do PCCsempre foi mais viável a Paz, mais como nunca
tivemos esse retorno por parte dos integrantes do CV que sempre agiram de
ousadia nos desrespeitando e desafiando, acabamos chegando a esse embate, que
gerou esse monte de morte [...].
Com as mortes na
rebelião em Boa Vista, em outubro, a primeira peça do dominó tinha caído,
desequilibrando as demais. A segunda peça caiu em janeiro, em Manaus,
derrubando duas outras nos dias que se seguiram.
Neste momento,
enquanto escrevo, é impossível prever os desdobramentos das disputas entre as
facções, interligadas nacionalmente e excitadas pela distribuição, por meio dos
celulares dentro das prisões, das imagens dos assassinatos cruéis e quase
rituais do início do ano. Assim como acontecera comigo, quando recebi no
litoral paulistano as imagens das rebeliões no Norte e no Nordeste, a crise
pareceu pegar o país de surpresa. Na verdade, ela apenas joga luz sobre um
problema que durante muito tempo tentamos fingir que não existia.
BRUNO PAES MANSO
Bruno Paes Manso é
jornalista e pesquisador no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de
São Paulo
Uau... muito muito obrigada pela partilha.
ResponderEliminarA ler coisas assim não é de admirar que escreva tão bem.
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