27 de outubro de 2018

NÃO SEI SE VOLTO

6.30h - Alvorada!!
(Estudasses!)

7.50h - Corre para apanhar o 726 que passa às 8.00h e chega às 8.30h às Torres Mais Altas. Não te incomodes se viajares esborrachada contra o vidro e se uma pessoa ou outra tiver um odor mais esquisito. O ambiente agradece e correspondes às expetativas da mobilidade urbana cujos indicadores acusatórios informam que há cada vez mais gente a deslocar-se de carro para o trabalho.
(Estudasses!)
 
8.30h - Senta-te em frente ao PC e trabalha 8 horas de seguida com 17 países diferentes. Pergunta-te porque razão cada um deles tem uma minuta diferente para fazer o mesmo ato. Respira fundo. 17 vezes.

9.00h - É giro olhares pela janela do teu 10º andar, pousares os olhos ensonados no Eixo N_S e veres como seria se ainda vivesses no subúrbio e te deslocasses de carro para o trabalho. 
(Estudassem!)
 
12.30h - Olha com muita admiração para a tua nova marmita de vidro IKEA, que compraste especialmente para uma certa copa, e recrimina-te por não teres pensado que era essa %$&%#&$%%#  de vidro que irias carregar às costas durante o duplo percurso do 726. Durante toda a semana.

13h - Senta-te finalmente na copa e olha com muita atenção para as noticias (de futebol) que passam no LCD de indefinidas polegadas e contenta-te por trabalhares num escritório com 90% de homens. E é tão giro vê-los a lavar o tupperware da mãe com a água que aquecem na chaleira...

17.45h - Baza daí e corre para o 726 que ha-de chegar a uma hora que ainda te permita passar na Choupana e comprar um croissant com queijo a cair de quente. Devora-o enquanto desces a Avenida. O teu estômago não tarda a sossegar e poderás seguir em frente.

18.30h - Corre para a Faculdade e senta-te numa sala cheia de pessoas de todas as idades e olha em frente para o Professor. Contenta-te por ainda teres capacidade para passar slides ao caderno. Na tua própria língua. Alegra-te por poderes usar (FINALMENTE) uns ténis. Ninguém merece  correr em Stiletto hight heel. Nem os que nunca estudaram.

23.00h - Sai das aulas super contente porque te marcaram 18 frequências e 12 orais na mesma semana e acaba o teu dia (útil) com um ratinho maroto no estômago que já te roeu o croissant vai para mais de 4 horas. Caminha para casa com a tua marmita de vidro IKEA, os teus 10 códigos, a tua CRP, tudo às costas, e pensa como gostas de ter substituído definitivamente aquela mala de gaja, horrorosa, pendurada no mesmo ombro há mais de 30 anos, por uma mochila super in cheia de futuro e perspectivas.

23.15h - Chega a casa. Manda-te para o chão e falece. Verifica se a miúda já apagou a luz e se ainda tens o teu marido a viver contigo. Tens. Que alívio. Alguém te fez a marmita de amanhã.

24h - Zzzzzz Zzzzzz Zzzzzz

6.30h - Alvorada!


Tenho saudades vossas.
Tenho saudades de andar de metro e de chegar ao escritório em 10m.
Tenho saudades de não ter sono o dia todo.
Tenho saudades de jantar em casa. Beber um copo de vinho e deitar conversa fora.
Tenho saudades de não estar cansada como se tivesse 80 anos.
Tenho saudades de acordar às 8h.
Tenho saudades de ....


Não tenho saudades de nada, pah!
[Risos]
Estou feliz. Muito feliz.
Mas tenho sono.
Vou estudar. Tenho (mesmo) de estudar.
Não tinha saudades nenhumas de estudar.
 
Vou ter saudades vossas.
Um abraço.

30 de abril de 2018

AS RENDAS, OS TURISTAS E OS IDOSOS

... ou 'O Mostrengo' de Fernando Pessoa, como queiram.

Portugal, em tendo emergido das profundezas da decadência do 'mercado' de arrendamento, dizem que por conta da Lei de Cristas, vê-se agora paralisado num momento de absoluta cobardia.
Tal como o poema, que decerto ficou na memória de muitos, parece que os proprietários, agora sim, esperançosos de se verem ressarcidos dos investimentos imobiliários que fizeram lá nas calendas do finado XX, a uma família que calhou alugar-lhe a casa por 300 escudos, passa de bestial a besta e transforma-se agora numa espécie marinha qualquer, dessas muito monstras, que trazem na testa uma frase assim: "Sou um Povo que quer o mar que é teu".

Na minha humilde opinião, os proprietários não querem coisa alguma, nem tão pouco afogar os inquilinos que pagam dois tostões para navegar essas águas. O que querem é justiça, que, como se vê, tarda e é falha.

Não é natural que o congelamento das rendas - que é, em primeiríssima instância, o grande motor desta grande e putativa explosão -, seja agora novamente proposto para resolver a questão da selvajaria no arrendamento e no preço das casas.
Foi o congelamento das rendas que deixou os proprietários na falência, sem capacidade, deixando a propriedade sem obras por conta de uma lei totalmente injusta.
Oiço desde sempre histórias escabrosas de pessoas a passar sérias dificuldades e, no entanto, proprietárias de prédios inteiros no centro de Lisboa, com rendas congeladas nos 30 escudos.
 
As histórias que oiço agora, igualmente escabrosas, não o são tanto como as de antigamente. Os inquilinos que se 'apoderaram' das casas cujas rendas eram inferiores aos contratos com a MEO, puderam fazer uma vida muito mais desafogada do que os outros que se viram compelidos a comprar casas com recurso a hipotecas maiores que o Mostrengo do poeta, precisamente porque o mercado de arrendamento só servia para alguns, nomeadamente os que chegaram primeiro.
E agora que estas pessoas - os malvados e monstros proprietários das casas compradas com empréstimos à taxa Euribor - decidem finalmente arrendar, querem novamente cortar-lhes as pernas e controlar-lhes as rendas para nutrir um mercado habitacional à míngua desde o velhinho PER.

Eu acredito muito no Estado-Providência e quero crer que os iluminados do semicírculo não irão ("para controlar o mercado") colocar à disposição das novas 'carências habitacionais' os fogos que são de outras pessoas, ainda que devolutos. Se querem realmente ajudar, então disponibilizem o património do Estado, que criem subsídios para colmatar a subida das rendas a quem realmente precisa, que deixem de julgar o mercado do Alojamento Local como bode expiatório, quando na verdade esta cidade (e o país) têm crescido quase que apoiados no turismo que dorme nestes alojamentos. 

Uma lei sem contrapartidas que congela mais uma vez as rendas para proteger, por exemplo, quem tenha 65 anos e viva na casa há mais de 25, é uma lei altamente injusta para quem tem inquilinos dessa natureza.
Quais são as intenções do Estado? Transferir a sua responsabilidade, uma responsabilidade que está consagrada na Constituição como sendo do ESTADO, para os privados? Então são os privados o novo Estado-Providência da nova Lei de Bases da Habitação?

Sendo o Mostrengo uma personificação do Cabo das Tormentas, ou melhor, das forças naturais que tornavam tão ardilosa a sua travessia, é mais que sabido que para os que ousaram pensar numa atualização das rendas, ou pelo menos numa ajudinha na taxa liberatória (de 28% ) para colmatar 'qualquer coisinha', ainda não viu a força do Mostrengo Socialista, porquanto só agora é que percebeu que para recuperar o seu imobiliário das mãos das Helenas Rosetas da vida, vai ter mesmo de lutar como gente grande.

E quando isto rebentar tudo, o que gritará o povo?
El-Rei D. João Segundo!

IRS 2018

Oh yes I do!

29 de abril de 2018

SURPRISE!

Sim, ainda não vimos tudo.
Sim, tens razão. O essencial é invisível aos olhos.
O que importa aqui superiorizar é que o invisível aos olhos, essa arte de cada um [também em viver], aquilo que pensamos, aquilo que sentimos e aquilo que necessitamos de exteriorizar, não seja depois capaz de abrir [aquelas] feridas nos outros.
A arte nunca matou ninguém.
Já aquilo que é invisível aos olhos, de uma certa forma, pode ser realmente aquilo que não queremos de todo ver.
Há gente muito feia por dentro.
E isso vê-se por fora.











By: Monica Cook - https://www.monicacook.com

28 de abril de 2018

NA GRAMÁTICA [como na vida]


“Alguns nomes têm uma significação diferente se os encontrarmos no singular ou no plural.
O miolo, os miolos (cérebro); a ânsia, as ânsias (náuseas); o género, os géneros (alimentares, mercadorias); o ar, os ares (clima).”  ---  Maria Regina Rocha: Gramática de Português, Porto Editora.

Lembra-me muito o futebol, as claques e as Assembleias Gerais da Liga.
Individualmente são uns mocinhos de coro; na turba demoníaca e assarapantada, vivem em cavernas e lambem o próprio ranho.  

MUSICA PARA LER BLOGS

É como que percorrer as letras sobre o frémito das batitas.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum...
Não existe melhor no mundo do que uma música que faz um percurso infinito, dentro do mesmo coração.

Air - TwentyYears 
(Spotify needed)

Amour, Imagination, Rêve ('Amor, Imaginação e Sonho')
É assim que devemos ler blogs.

FRUTA PODRE


No dia 22 de julho de 1946, lia-se na capa da Time “Portugal’s Salazar: Dean of Dictators”`*.
Faria hoje 128 anos se não tivesse caído de uma cadeira, tal como cai a fruta podre.
Salazar foi sal e azar.
Fascismo nunca mais!

* Salazar  proibiu a venda da revista durante os  seis anos seguintes, após ter recolhido todas as edições que ainda estavam por vender.

25 de abril de 2018

VAMOS FALAR DE LIBERDADE [e de barrigas short rent]

Amanhã vai a plebe comunista desfilar os cravos na lapela.
Gostava muito de ouvir uma pessoa qualquer, dessas que são entrevistadas pelos jornalixos de fim de semana, escalados para fazer a cobertura das manifestações e das maratonas, responder um coisinha mais original do que que 'estou aqui para celebrar a Liberdade'.
Gostava mesmo.
Gostava que alguém fosse capaz de dizer que estava ali para celebrar a Constituição de 1976, por ter sido o documento fundador da democracia.
Mas não. A maioria das pessoas nem sabe que o Movimento dos Capitães, os tais que salvaram a pátria, só se encanitaram com o Regime Salazarento por razões corporativas, daquelas que tão bem definem a nossa mole de cidadãos: a inveja; a inveja de ser possível aos oficiais milicianos a integração na vida militar mediante um mísero cursinho intensivo na Academia Militar, onde eles, os Capitães, tinham estudado durante anos. E pronto, foi isto, uma guerra de capoeira, uma assunção de superioridade entre os pré-Bolonha e os pós-Bolonha dos militares do Antigo Regime.
E amanhã lá vai a plebe comunista desfilar na Avenida de cravo na lapela.
Eu gostava que alguém se lembrasse de dizer para 'as televisões', que o CDS, esse farol da liberdade dos direitos e garantias do mofo e da naftalina, foi o único que em 1976 votou contra a Constituição, porque empreendeu não embarcar num texto que privilegiava o 'exercício do poder pelas classes trabalhadoras', mas que afinal estava ligado pelas veias ao um acordo com o MFA [Movimento das Forças Armadas] precisamente na defesa dessa classe trabalhadora.
Isto é extraordinário.
Enquanto andávamos todos a tentar lamber as feridas do PREC da esquerda radical, a tentar apanhar os cacos da maravilhosa 'renovação na continuidade' do não menos salazarento Marcelinho do Catano, sem que eclodisse uma guerra civil, como veio a acontecer em Angola e Moçambique, houve um alguém, desses que também desfilam de cravo na lapela na Avenida, que votou contra o documento fundador da democracia em Portugal, o mesmo que em 1982 criou o Tribunal Constitucional (TC),  exatamente o mesmo orgão que serviu de bengala ao CDS para travar a fundo nas barrigas de aluguer.

Vamos falar de Liberdade?

24 de abril de 2018

O LIXO DOS OUTROS II

Quando em 2014 resolvi escrever sobre o lixo dos outros, atirei, com ares de superioridade, um post para a cara de alguém que me pareceu realmente imundo.
A imundice é uma característica que se pega a certas pessoas, de tal modo que por vezes até pensamos que já nasceram assim, sujinhas, andrajosas, infernais.
O inferno são quase sempre os outros comparativamente ao céu que somos nós, os impolutos, os sistemáticos, os adaptados.
Mentira.
O inferno somos sempre nós, com as nossas nojices, os nosso microbiozinhos mentais incapazes de conviver com as bactérias dos outros, porque na nossa cabeça, este grande hospedeiro que é o mundo, é sempre pequeno demais para albergar a tanta porcaria que conseguimos produzir.
E se há coisa que conseguimos produzir, essa coisa é 'a porcaria'.

E o mais engraçado é que se formos muito bons nisto, também conseguimos deixar os outros feitos em merda.








Mandy Barker is an international award winning photographer whose work involving
marine plastic [http://mandy-barker.com]


 [O lixo dos outros I]

21 de abril de 2018

FELICIDADE INTERNA BRUTA [FIB]

Aposto os meus dentes da frente em como a maior parte dos meus leitores nunca ouviu falar nesta temática.
Felicidade Interna Bruta é um conceito maravilhoso, usado por pessoas de verdade, para definir o que é afinal importante desenvolver num país (local), para que a Humanidade (global) seja cada vez mais completa e satisfeita.
Surge no Butão em 1972 como resposta a críticas mesquinhas e desconstrutivas de países vizinhos, acusatórias de uma economia miseravelmente sustentável por parte dos butaneses.
O Butão, o país da felicidade e dono de um misticismo único e abrangente, decide reverter a critica e criar uma nova forma de definir 'economia sustentável'.
Qualquer país materialista, que identifica pessoas com números e que se preocupa unicamente com os aspectos quantitativos do resultado do trabalho de todos, é um país longe de ser prazeroso, pelo menos não tanto como são os países que descolam as pessoas de conceitos frios e materialistas como são os 'produtos'.
As pessoas não são produtos, os recursos não são humanos, o que interessa é desenvolver [e mensurar] os aspetos qualitativos de um determinado grupo, em vez de avaliar o que determinado grupo é capaz de produzir.

Aposto os meus dentes da frente em como a maior parte dos meus leitores vive uma Felicidade Externa [muito] Bruta, que provoca uma Infelicidade Interna [ainda mais] Bruta.
Aposto mesmo todos os meus dentes em como muitos leitores pensam em si como produtos das condições adversas de uma Infelicidade Bruta e como Recurso Humano para a Felicidade Interna Total de outras pessoas vizinhas.

Confesso que toda a infelicidade que sinto é por efetivamente ainda ter os meus dentes todos.


16 de fevereiro de 2018

CAPE TOWN / CIDADE DO CABO [dos trabalhos]

Nem imaginam o que consegui hoje!!
Consegui comprar água. 6 litros ao certo.
Porque raio isso me faz feliz?

Aqui em Cape Town, estamos a passar por uma dura crise. Aquilo a que chamamos o "Day Zero" aproxima-se: no dia 16 de Abril, deixará de haver água. A primeira grande cidade no mundo.. que está a ficar sem água.

Desde o inicio deste mês apenas me é permitido gastar 50 litros de água por dia (equivalente a puxar o autoclismo 5 vezes). O meu banho não pode ultrapassar os 90 segundos. Esses 90 segundos contam a partir do momento em que abro a torneira (sim.. a água vem sempre fria ao inicio!) Carrego no autoclismo uma vez por dia. Ponho o balde debaixo do duche quando tomo banho para recolher água que pode ser usada para outros fins. Passo um guardanapo em cada prato depois de comer para retirar a maior parte da gordura para depois não gastar tanta água para os lavar. O banho do bebé da minha vizinha é feito num balde, não há lugar para brinquedos flutuarem à superfície. Gostava de ter mais umas plantas por casa, mas o meu namorado relembra-me "Aurélie, vais ter que gastar mais água para as manteres." Tento reutilizar a roupa que já usei mais vezes antes de a pôr para lavar.
Estes são alguns inconvenientes, que não considero ainda como uma grande problemática para seguir com a minha vida no dia a dia. É chato, é desconfortável, mas faz-se. O pior ainda está por chegar, faltam dois meses. Não haverá água a sair do duche, nao haverá água a sair da torneira para o copo e milhares de pessoas nesta cidade já não vão ter autoclismo para puxar.
Nos últimos meses, os cidadãos foram ainda mais alertados para pouparem água através de cartazes e comunicação pelas ruas, na TV, nas revistas, nos aeroportos, nos edifícios, nos elevadores, etc. E não é que 60% dos habitantes.. não aderiram e não se quiseram esforçar. Continuaram a gastar água na mesma. E de repente, quando estamos em cima do acontecimento, tudo entra em pânico. "Mas vamos mesmo ficar sem água? Então... e agora?!"
Estou neste momento a repensar, mais do que nunca, na inteligência do Homem e no seu egoísmo e na sua dificuldade em fazer pequenos sacrifícios no presente para poder haver um bom futuro (ou simplesmente.. um futuro!).
Os lineares dos supermercados estão vazios sem garrafas de água há mais de um mês. Começou a caça. E hoje, por acaso, encontrei 4 garrafas, deixadas para trás. E não é que sinto que já ganhei um pedacinho do meu dia, com uma coisa tão simples.
É difícil. 

É mesmo difícil eu idealizar que a água que vejo a sair de qualquer torneira todos os dias desde que nasci, em qualquer momento que quisesse, na quantidade que eu quisesse possa um dia acabar. Termos água a correr da torneira é um luxo e é errado acharmos que é algo de garantido. É uma lição que já me custou mais a aprender (e que continuo a aprender). Há que repensar no nosso consumo 🙂 Water is life.

E em Abril, quando deixar de haver água aqui? 

PRETO NO BRANCO

Eu sou negro, ele é negro, tu és um negro:

Lista negra
Dia negro
Magia negra
Câmbio negro
Vala negra
Mercado negro
Peste negra
Buraco negro
Ovelha negra
Humor negro
Nuvem negra
Passado negro
Futuro negro
Fome negra

Eu sou preto, ele é preto, tu és um preto:

Feijão preto
Carro preto
Café preto
Nota preta

Negro = necro = nekro = necro= sem energia de vida = corpo morto
Preto = Kem = essência do que é = da vida = origem = divindade

Aí têm.
A prova sobre a força das palavras - e de como facilmente podemos enganar-nos [tanto] na escolha das mesmas.

13 de fevereiro de 2018

QUERO UM CÃO!

«Esta é uma época em que um filho é, acima de tudo, um objeto de consumo emocional. Os objectos de consumo servem necessidades, desejos ou impulsos do consumidor. Assim também os filhos. [...] Para desalento dos comerciantes, o mercado de bens de consumo ainda não é capaz de fornecer substitutos à altura.»

A frase, que excertei do livro 'Amor Líquido' de Zygmunt Bauman, era qualquer coisa de extraordinário, se extraordinárias não fossem todas as frases de Zygmunt Bauman.
Reparem bem no que ele argumenta: os filhos são bens de consumo que servem necessidades. É duríssimo.
Parto daqui para uma ideia em construção, sem certezas absolutas mas bastante desconfiada, de que certas pessoas - e não são tão poucas quanto isso - tendo necessidades diferentes e meios económicos diversos para satisfazer essas necessidades, podem estar a assumir o cabeçalato de uma corrente que pretende dar mais ânimo aos comerciantes e ao mercado, na descoberta de um substituto para a inquestionável sede de consumo emocional que todos temos, quase sem exceção, enquanto Humanidade.

Não é pouco comum conhecermos rapazes e raparigas completamente desligados da 'necessidade de ter filhos' ou ligados à ideia de que ter filhos é um investimento grande demais para o nível de risco que acarreta.
É uma resolução que a longo prazo elimina qualquer possibilidade de crescimento do mercado, visto que o mercado só se renova com a renovação da população, porquanto criamos serviços para pessoas de todas as idades e não só para adultos ou séniors.
O mercado tende, claro, a responder a estas novas formas de vida (ou escolhas de vida) controlando o consumidor através de auxiliares emocionais, sobretudo para os indivíduos que escolheram não procriar ou que têm resistência em fazê-lo.
O que quero dizer é que o mercado está a fazer uma grande pressão na sociedade e encontra-se neste momento a regular o impulso do consumidor através de diversas leis e regras, que nos impõem os animais como pessoas.
Duríssimo.

Vejamos: está completamente fora de questão [mas há exceções, que isto não é ciência é humanidades] um casal sem filhos não ter um cão, ou outro animal de estimação, para suprir a necessidade emocional que carrega (também em diferentes níveis) nos seus genes.
Deriva também desta premissa o facto de, como espécie, não sermos capazes de usar para sempre os recursos animais para nos alimentarmos, e vai daí, o Senhor Mercado regula para que haja consciência ambiental que promova a alimentação vegetarina ou mesmo vegan.
O Senhor Mercado sabe que nem todas as pessoas poderão ter filhos num futuro que está muito próximo e regula no sentido de substituir essa enorme fonte de desespero social.

Acredito muito que em breve - apesar de haver uma larga franja da população que se insurgirá contra isso, sobredeterminada por uma visão que é já arcaica [julgo eu] de que os animais de estimação devem ocupar um espaço totalmente diferenciado da restante população - o facto de se entrar num restaurante e dar de caras com uma matilha de cães que por ali deambulam à procura dos restos dos vários comensais presentes, será qualquer coisa de muitíssimo comum, passando depois para o muitíssimo normal, e depois para o completamente indiferente.

Assim sendo, não vale a pena discutir mais nada sobre isto, pois que não há nenhuma forma nem vontade, por parte do Senhor Mercado, em parar aquilo que ele encontrou como sendo a única maneira de suprir as necessidades emocionais das pessoas, ao mesmo tempo que determina pela regulação quais são essas necessidades.

Nem contra nem a favor, sou antes uma mera espectadora da evolução da espécie [também animal]. 

12 de fevereiro de 2018

P[ÓDIOS]

Sou uma Uva Passa, mas não sou assim tão velha, e por não ser assim tão velha é que tenho invulgar lembrança de coisas que grande parte das pessoas já se esqueceram.
Tendemos todos para a bulimia nervosa aplicada à informação cibernética, porquanto nos saciamos das polémicas virtuais tão vorazmente, que só vomitando tudo cá para fora é que conseguimos assimilar mais qualquer coisa de novo.
Na maior parte dos casos não há efetivamente nada de novo. São sempre as mesmas coisas, o longo bocejo da repetição, a mesquinhice, as inseguranças de quem se vê no pódio demasiadas vezes - por coisa nenhuma, os arrufos sacrossantos do clickbait levados ao exponente máximo da humilhação pessoal, os recadinhos de bastidores, o veneno e a displicência pela inteligência dos outros.
É triste, sobretudo porque os verdadeiros pódios da vida são concretizações pessoais e individuais e são, atrevo-me a dizer, conseguimentos íntimos que se bastam por si só e não carecem nem de aplausos e nem de dentadas em medalhas.
Tenho grande respeito por quem sobe aos pódios a pulso, lembrando sempre a velhinha expressão do self made Human, pessoas que são ao mesmo tempo brilhantes e humildes, que partilham os méritos e guardam para si as falhas [também dos outros].
Por ser uma Uva Passa, mas não ser assim tão velha, é que me lembro que em 1995 - quando renhidamente se votavam os Óscares de Hollywood - o filme «Forest Gump» e o ator Tom Hanks arrecadaram, respetivamente, melhor filme e melhor ator.
Foi realmente invejável a quantidade de fãs que o filme e o ator vieram a ter, impulsionados pela grande industria carneirófila que papa tudo o que é 'hit' do momento.
Nessa mesma competição estava o filme «Condenados de Shawshank», com Morgan Freeman no principal papel, que [é incrédulo!] não ganhou absolutamente nada.
A verdade é que a história é cruel para quem ocupa falsos pódios.
«Condenados de Shawshank» é atualmente um dos títulos mais vendidos no mercado de DVD e Blu-ray, ultrapassando em muitos milhares de milhões de cópias vendidas, o vencedor insofismável da competição de '95.


Eu confio, e espero, que todas as pessoas que assistem em primeira, segunda ou última fila os "conseguimentos" dos outros, saibam ver, e avaliar, com grande rigor, se quem ocupa atualmente certos pódios é verdadeiramente merecedor dos mesmos.
Não só por uma questão de justiça! mas para que depois não lhe venha a história dizer, na sua irremediável soberba, que passaram grande parte das suas vidas a ver o filme errado.

A Abraham Lincon é atribuída a frase:
«Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo.»

6 de fevereiro de 2018

[DES]INSPIRAÇÃO

Tenho visto milhares de fotografias. Algumas delas estão aqui, neste blog, sobretudo numa fase em que o negrume da desinspiração ainda não tinha tomado conta de mim.
Tomar conta de mim é até ultrajante dizer-se, porquanto 'tomar conta' é o total oposto daquilo que me aconteceu.
Sobre isto [da desinspiração] posso dizer qualquer coisa como: uma pessoa, mesmo uma super-pessoa, não pode/consegue dissociar-se [pelo menos durante muito tempo] do seu 'eu' bio-psico-labor-social. Quando alguma destas coisas falha, tudo periga.
No meu caso, o labor - que isolo numa categoria diferente do social, por ser tão importante para mim - foi o culpado, foi por culpa dele, e também por ele, que perdi o interesse.
Fui desinspirada por falta de amor ao trabalho.
Acontece muito no amor, esta sensação de desinteresse. A pessoa ama muito mas encontra-se desinteressada de amar, a pessoa ama muito mas não se encontra inspirada para amar.
Não é desamor, é desinspiração.
Vejo muito a arte, e também a escrita e a leitura, como um amor e uma inspiração. Nunca deixei de amar os livros, mas não me sinto inspirada para os ler. Compro-os e tenho-os aos montes por toda a casa, mas tê-los é uma coisa e lê-los é outra completamente diferente.
Acredito muito que a mesma coisa que se apaga nos artistas, a desinspiração, também se apaga nas pessoas que gostam muito de arte.

Andei muito apagada, mas tenho vindo a reacender, ainda que intermitentemente, a vontade de trazer mais humanidade para a minha vida.
Nessa senda de trazer a arte para todos, que parece ser a minha, para sempre, tenho encontrado novamente bons livros, bons blogs, e bons artistas.
Sem querer - e porque me desvinculei de uma série de fontes onde dava de beber à minha sede - tive a sorte de encontrar uma fotografia que me chamou a atenção.

Parto destas a preto e branco, de grande inspiração, para aquilo que espero possa ser ser uma vida cheia de cores.

ARTUR PASTOR [1922-1999]
Um artista.









5 de fevereiro de 2018

TECNOLOGIA AVANÇADA

Ando desde a instalação do sistema 1.0 da criança, a fazer-lhe instalações.
Sou muito boa a instalar matérias no disco rígido, tanto é que a criança ainda não acusou nenhum erro fatal no sistema operativo e tem, parece-me, aprendido qualquer coisita neste infinito processo que é a evolução tecnológica.
Quando a criança chegou à fase da instalação do sistema 5.0, avisaram-me que havia ali um programita que não estava a correr como devia no sistema e estava a dar um erro desconhecido.
[Talvez um vírus?]
Eu, que não gosto nada de erros desconhecidos e, na iminência de um ataque de nervos bastante conhecido - por não conseguir resolver a intempestiva situação através dos meus ecléticos conhecimentos tecnológicos - resolvi-me por uma actualização do software, coisa que me custa atualmente uma bela centena de euros por mês (pago em suaves prestações para não ser tão duro aqui para a main board), fiz o que faço normalmente quando a coisa dá erros, desliguei e voltei a ligar e, fiquei na expetativa que o erro ficasse quieto lá no mundo dos erros desconhecidos e não me voltasse dar cabo do servidor.
Tem corrido tudo 'muito' bem desde que fiz esta actualização de software, mas quer dizer, ainda há erros, que os há, mas são já quase todos conhecidos, pelo que os técnicos informáticos que contratei para virem cá correr um anti-vírus no sistema operativo (afinal era um vírus que atacava a parte numérica do disco rígido), têm dado conta da situação, para grande alívio meu e de todo o departamento informático.
[A parte numérica é um vírus.]
Apesar desta tecnologia avançada, e deste grande investimento informático, a verdade é que atualmente - e já com o sistema 6.0 a trabalhar com 32 gigas de RAM  - continuo nesta senda absolutamente bizarra de ser eu, quase que aposto, a transferir a maior parte dos outros dados para o sistema operativo, quando a verdade verdadinha é que o disco rígido em questão passa mais de 8 horas numa loja de reparações e actualizações, com técnicos muito mais especializados que eu em transferência de dados e anti-vírus.
Eu não sei - e tenho verdadeiras dúvidas - se aquando da instalação do sistema 7.0, e já não falta tudo, eu não perderei todas as minhas capacidades tecnológicas para a inserção de dados neste sistema operativo - pelo menos dos programas que eu ainda domino -, e depois ainda tenho de contratar mais técnicos e adquirir mais hardware - quem sabe se não me mudo definitivamente para Silicon Valley - para não rebentar de vez com o sistema.



Resumindo:
Estou em azul.
Passei os dois últimos fins-de-semana a inserir dados no disco rígido da minha criança, depois de ter estado duas semanas a inserir dados no disco rígido (muito duro) do meu patrão.
Quando é que as crianças, isto é, quando é que os sistemas operativos infantis conseguirão funcionar de forma independente, para que o servidor familiar possa fazer outro tipo de ligações, nomeadamente ligações à placa de som, à placa gráfica e à placa de internet, pelo menos no âmbito das redes sociais, aqui à mother board?
Fica a questão.
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(Estamos a quantos meses do verão?)

2 de fevereiro de 2018

DA EVANGELIZAÇÃO [em blogs]

Disseram-me que as pessoas que lêem blogs precisam muito de conselhos em geral.
Inseguras e sensíveis, as pessoas que lêem blogs são afinal pessoas que não conseguem dar um passo na vida sem um conselho superlativo de um blogger qualquer.
Estas necessidades mexem muito comigo.
[Risos]

Cuidei sempre muito das necessidades das pessoas sensíveis, e cheguei a especializar-me nisso.
Passei muitas noites sem dormir, teimei e sismei numa forma qualquer de ajudar a suprir estas necessidades absolutas, e cheguei a uma simples conclusão: as pessoas precisam muito de ser evangelizadas, ainda que renunciem à religião, ainda que sejam de uma turma completamente ateia.
As pessoas precisam dos blogs como do pão para a boca, que é o mesmo que dizer, como da hóstia para a boca.
[Risos]
  
Por isso decidi -  também eu - tornar-me evangelizadora de leitores de blogs e passar para uma esfera metafísica muito ao nível de jogadores de futebol galácticos, que vendem detergentes da loiça para combater a caspa.
Este é o meu objectivo principal. Evangelizar. 
Porque todos sabemos que o melhor negócio é o da fé.
[Risos]

E porque tenho fé, vou deixar aqui às sextas feiras, véspera dos dois dias menos interessantes [em blogs] da semana - porque os blogs também têm de descansar -, os meus melhores sermões comerciais, para que as pessoas não se vejam totalmente perdidas durante dois dias seguidos, sem saber o que fazer das vidas.
[Risos] 

Posto isto, a minha evangelização de hoje é: comprem um pedacinho de tempo para usarem no vosso fim de semana.
Mas não comprem um pedacinho de tempo qualquer, comprem um pedacinho de «tempo de qualidade».
Eu sei que é muito difícil encontrar nos blogs quem venda «tempo de qualidade». O tempo está caro, e na maioria das vezes, quando o encontramos, não sabemos o que fazer com ele, e depois é o que se vê, os leitores que não se dedicam a comprar «tempo de qualidade» acabam por comprar uma «falta de tempo» qualquer, para gastar em coisas de merda.
[Risos]

Salmo I para a compra de «tempo de qualidade»:

Comprem um bom chá.
Um bom chá não vem em saquetas. Chá em saquetas é para aquelas pessoas que só compram «falta de tempo» e nós já sabemos - oh se sabemos - o que compramos quando não temos tempo.
Há blogs em saquetas.
[Risos]

Comprem 150g de Rooibos. Comprem um pedacinho de chá que vem com um pedacinho vida. Quando bebemos um Rooibos não bebemos «falta de tempo». Quando bebemos um Rooibos bebemos o único alimento fornecedor de aspalatina e um dos dois únicos alimentos fornecedores de notofagina. Percam tempo para saber que coisas são estas e ganhem tempo de qualidade.
[O Rooibos faz-me rir]



Salmo II para a compra de «tempo de qualidade»:

Comprem um livro mesmo bom.
Os livros bons não se vendem nas livrarias e nem se anunciam em blogs cuja finalidade é vender livros. Os  livros bons só são muito bons porque são escritos por pessoas com tempo e que bebem Rooibos.
Os livros bons não nos fazem perder tempo de qualidade, fazem-nos pensar com qualidade.



Disseram-me que as pessoas que lêem blogs precisam muito de conselhos em geral.
Se os bons conselhos fossem bons não se vendiam.
Os bons conselhos são melhores que o negócio da fé.
Os bons blogs são infusões, não são chá.
[Risos]

1 de fevereiro de 2018

DA MUDANÇA

Até que ponto poderá o curso da história mudar a natureza da condição humana?

Ouvi esta pergunta vezes sem conta a teóricos e futuristas, a filósofos e escritores, a cientistas e historiadores e, em todos eles, radicou a certeza, quase absoluta, de que não, que não é all about changes, que esta coisa de sermos humanos, a condição humana ou o que nos torna humanos, é afinal passarmos pela história, repetida vezes sem fim [Nietzsche], e no entanto, permanecermos iguais.
As mudanças que se operam no 'curso da história', que não é senão a mudança em si, poderão ou não mudar, alterar ou tornar diferente a condição humana, isto é, aquilo que nos faz humanos?
As pessoas operam mudanças mas as pessoas não mudam.
Esta é a convicção da grande maioria.
Esta era a minha convicção.

Encontrei, algures no meu caminho, pessoas de grande coragem. Pessoas de coragem porque seguindo um curso de história pessoal de grandes e duras batalhas, ficaram fiéis à natureza humana.
Nunca mudaram.
Não posso dizer que foi com prazer que acompanhei esta gente, tornada amarga. A natureza humana é forjada também na convicção de que as pessoas não mudam e, quando alguém entende ser leal à sua natureza, sem que intente operar mudanças no caminho, então essa pessoa não está a ser humana, porque em todo e qualquer caso, em toda e qualquer espécie, em toda e qualquer época, foi a mudança, a nossa mudança enquanto humanos, que nos fez chegar onde efectivamente chegámos.

Acontece que é muito difícil acompanhar estáticos [também nas convicções]. Os estáticos, que entendem que as mesmas técnicas levam sempre aos mesmos resultados, convencidos que o sucesso que obtiveram de uma certa maneira será replicado ad eternum, podem fazer perigar, e vou mais longe, podem mesmo conseguir parar toda uma instituição, acaso ocupem uma posição de superior hierarquia. Fiéis a uma natureza reprodutiva de símio, vão caminhando sempre na mesma linha, usando sempre os mesmos mecanismos, chegando sempre aos mesmo lugares, aos lugares ocupados pelos 'não-humanos', os imutáveis, quando todos sabemos que o que devemos ser é pós-humanos, humanos extraordinários, humanos superlativos, humanos diferentes, mudados.

Não posso dizer que é com prazer que acompanho esta gente, tornada amarga, avessa à mudança.
Os grandes homens, os grandes senhores, os incontestados, os constantes, tantas vezes incapazes de caminhar nos seus pés de barro, por caminhos trôpegos de mudanças.

Eu percebo que a maioria dos pensadores corrobore da ideia de que a humanidade nasceu com as características que hoje detém, e que essas características foram sempre iguais. Necessidades humanas (conforto, amor, paz, alegria...) não mudam, dizem eles, e que não é pela mudança que somos mais ou menos humanos. Eu digo que as necessidades mudam a cada instante, decretam-se, ainda que as necessidades principais possam manter-se inalterados. Mas lá porque as bases se mantêm não quer dizer que tudo o resto não mude.
As pessoas devem [não só] mudar naturalmente, como devem fazer um esforço de mudança, sob pena de se verem sozinhas na sua estaticidade.

O futuro só será suportável se desenvolvermos cada vez mais as características humanas [Sobrinho Simões], e ao contrário do que é a opinião geral, acho que as mudanças [nas pessoas, nas relações entre pessoas, nos países e nas relações entre países] são absolutamente visíveis e demonstram que há um aumento da expetativa de melhoramento das necessidades básicas (conforto, amor, paz, alegria), e que por isso nos vamos tornando cada vez mais humanos e cada vez mais humanitários.

Eu quero mudança.
Eu sou cada vez mais humana.
Eu gosto muito de estátuas mas é nos museus.

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Obrigatório ver: http://www.rtp.pt/play/p4286/e328635/2077-10-segundos-para-o-futuro