30 de abril de 2018

AS RENDAS, OS TURISTAS E OS IDOSOS

... ou 'O Mostrengo' de Fernando Pessoa, como queiram.

Portugal, em tendo emergido das profundezas da decadência do 'mercado' de arrendamento, dizem que por conta da Lei de Cristas, vê-se agora paralisado num momento de absoluta cobardia.
Tal como o poema, que decerto ficou na memória de muitos, parece que os proprietários, agora sim, esperançosos de se verem ressarcidos dos investimentos imobiliários que fizeram lá nas calendas do finado XX, a uma família que calhou alugar-lhe a casa por 300 escudos, passa de bestial a besta e transforma-se agora numa espécie marinha qualquer, dessas muito monstras, que trazem na testa uma frase assim: "Sou um Povo que quer o mar que é teu".

Na minha humilde opinião, os proprietários não querem coisa alguma, nem tão pouco afogar os inquilinos que pagam dois tostões para navegar essas águas. O que querem é justiça, que, como se vê, tarda e é falha.

Não é natural que o congelamento das rendas - que é, em primeiríssima instância, o grande motor desta grande e putativa explosão -, seja agora novamente proposto para resolver a questão da selvajaria no arrendamento e no preço das casas.
Foi o congelamento das rendas que deixou os proprietários na falência, sem capacidade, deixando a propriedade sem obras por conta de uma lei totalmente injusta.
Oiço desde sempre histórias escabrosas de pessoas a passar sérias dificuldades e, no entanto, proprietárias de prédios inteiros no centro de Lisboa, com rendas congeladas nos 30 escudos.
 
As histórias que oiço agora, igualmente escabrosas, não o são tanto como as de antigamente. Os inquilinos que se 'apoderaram' das casas cujas rendas eram inferiores aos contratos com a MEO, puderam fazer uma vida muito mais desafogada do que os outros que se viram compelidos a comprar casas com recurso a hipotecas maiores que o Mostrengo do poeta, precisamente porque o mercado de arrendamento só servia para alguns, nomeadamente os que chegaram primeiro.
E agora que estas pessoas - os malvados e monstros proprietários das casas compradas com empréstimos à taxa Euribor - decidem finalmente arrendar, querem novamente cortar-lhes as pernas e controlar-lhes as rendas para nutrir um mercado habitacional à míngua desde o velhinho PER.

Eu acredito muito no Estado-Providência e quero crer que os iluminados do semicírculo não irão ("para controlar o mercado") colocar à disposição das novas 'carências habitacionais' os fogos que são de outras pessoas, ainda que devolutos. Se querem realmente ajudar, então disponibilizem o património do Estado, que criem subsídios para colmatar a subida das rendas a quem realmente precisa, que deixem de julgar o mercado do Alojamento Local como bode expiatório, quando na verdade esta cidade (e o país) têm crescido quase que apoiados no turismo que dorme nestes alojamentos. 

Uma lei sem contrapartidas que congela mais uma vez as rendas para proteger, por exemplo, quem tenha 65 anos e viva na casa há mais de 25, é uma lei altamente injusta para quem tem inquilinos dessa natureza.
Quais são as intenções do Estado? Transferir a sua responsabilidade, uma responsabilidade que está consagrada na Constituição como sendo do ESTADO, para os privados? Então são os privados o novo Estado-Providência da nova Lei de Bases da Habitação?

Sendo o Mostrengo uma personificação do Cabo das Tormentas, ou melhor, das forças naturais que tornavam tão ardilosa a sua travessia, é mais que sabido que para os que ousaram pensar numa atualização das rendas, ou pelo menos numa ajudinha na taxa liberatória (de 28% ) para colmatar 'qualquer coisinha', ainda não viu a força do Mostrengo Socialista, porquanto só agora é que percebeu que para recuperar o seu imobiliário das mãos das Helenas Rosetas da vida, vai ter mesmo de lutar como gente grande.

E quando isto rebentar tudo, o que gritará o povo?
El-Rei D. João Segundo!

5 comentários:

  1. Eis uma reflexão com sentido! Parabéns e obrigada por a partilhares.
    Infelizmente não é tudo culpa do alojamento local, até porque na verdade muito poucos portugueses querem ou vivem nos locais onde o "turismo" dá de comer ao avanço do país (em percentagem, deve ser muito inferior à que mora em arredores).
    O que me choca e que é provavelmente o real problema do "arrendamento" é o facto de não haver casas acessíveis a arrendar a um cidadão médio, em lugar nenhum (nem nas periferias!). É que quem tem um ordenado mínimo ou à volta disso, nunca na vida pode alugar um T0 ou T1 por 500€ e muito menos tem possibilidade de pedir dinheiro ao banco para comprar (que também está completamente desajustado à realidade portuguesa). Isto é muitissimo diferente do que se trata quanto ao congelamento de rendas e imposição de medidas a particulares que só são da responsabilidade do Estado, tal como escreves.
    Bjs*

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  2. Uva! De regresso!
    Abraço!

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  3. percebo bem o que diz. rendas baratas, ao preço da chuva, anos e anos, sem dar hipótese de fazer obras, para anos depois, ser ameaçado de obras coercivas.

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  4. do melhor que tenho lido sobre o assunto, parabéns!

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