É impressionante a quantidade de coisas que se fazem profissionalmente sem pensar na perfeição. A fórmula que está estabelecida no trabalho que se faz para os outros é uma fórmula muito aquém daquilo que sabemos realmente fazer. Sujeitamos continuamente as nossas tarefas à mediocridade, supondo que o outro não precisa de mais, ou que se basta com o mal menor. Ninguém parece ter aprendido que aquilo que se faz assim-assim tem um preço muito elevado, e que num futuro muito próximo, ou mesmo no presente, os principais prejudicados são exatamente aqueles que o fazem dessa forma, porque mais cedo ou mais tarde terão de se confrontar com aquilo que fizeram.
Se passei o que passei, foi por não ter sabido fazer as analogias certas, como as de igualar a minha profissão - e as tarefas que desenvolvo-, à ciência exata da medicina, à perfeição de uma operação ao coração. Foi por não conseguir perceber a tempo que, quando faço algo para o outro, o que me paga um trabalho, o que me confia uma tarefa, devo fazê-lo como se fosse para mim.
Em todas as situações laborais se podem encontrar analogias perfeitas para aquilo que fazemos mais-ou-menos-assim-assim, precisamente por não considerarmos que estamos a fazê-las para nós próprios.
A maioria das pessoas não consegue alcançar que aquele cirurgião que lhe salvou a perna da amputação, não pôde em circunstancia alguma, tratá-lo mais-ou-menos-assim-assim, quando se encontrava debruçado sobre a mesa de operações. Não pode estudar mais ou menos quando fazia o seu curso, observá-lo mais ou menos quando tentava perceber o problema, ou desinfectar-se assim-assim. Opera aquela perna como se fosse a sua e salva-a.
Não é natural encontrar tanta gente a trabalhar mais-ou-menos-assim-assim. A displicência, a desresponsabilização do trabalhador no seu local de trabalho é o que mina as relações entre colegas, e o que mina os resultados da empresa. O quero lá saber que isto não é meu, mesmo que o 'isto' seja verificar se não estará a comprar demasiado descafeínado para a quantidade que na realidade se consome, é estar a diminuir a sua importância naquela tarefa e a abrir caminho para que outros, mais interessados, se possam apoderar dela.
Comprar um ror de caixas de descafeínado que não se consomem no prazo da validade, é um disparate que nunca faria na sua própria casa, mas ainda assim fá-lo no seu emprego, porque não observou que as sobras das encomendas anteriores supriam as necessidades para mais dois meses, e gastou o dinheiro porque não era seu, ou porque não observou que aquela perna estava infetada, e deixou-a morrer, porque a perna não era sua.
Porque razão dividem as pessoas a vida privada da vida profissional?
Tudo o que se passa no nosso trabalho deve ter o nosso cunho pessoal, e esse cunho pessoal é tão somente fazer as coisas com o mesmo esmero como se as fizéssemos para nós.
Não é possível operar mais ou menos uma perna, ou deixar a ligação dos ossos mais-ou-menos-assim-assim. Poderemos pensar que abrir uma carcaça para lhe meter uma fatia de fiambre, quando estamos atrás de um balcão de pastelaria, não é o mesmo que abrir um coração para lhe meter um bypass quando estamos atrás de uma mesa de cirurgia, mas é.
Em última análise tudo o que fazemos no nosso trabalho, de uma forma ou de outra, servirá para salvar uma vida, um emprego, uma família. Não é possível salvar assim-assim.
Quando as pessoas que trabalham se aperceberem que ser bom, dignificar o seu emprego e a sua profissão, é tomar como suas todas as necessidades e excessos daquilo que faz para os outros, então sim, diria que a situação das falências ficaria 50% resolvida e que as relações no trabalham serviriam para salvar muita gente.