12 de novembro de 2016

MAIS-OU-MENOS-ASSIM-ASSIM

É impressionante a quantidade de coisas que se fazem profissionalmente sem pensar na perfeição. A fórmula que está estabelecida no trabalho que se faz para os outros é uma fórmula muito aquém daquilo que sabemos realmente fazer. Sujeitamos continuamente as nossas tarefas à mediocridade, supondo que o outro não precisa de mais, ou que se basta com o mal menor. Ninguém parece ter aprendido que aquilo que se faz assim-assim tem um preço muito elevado, e que num futuro muito próximo, ou mesmo no presente, os principais prejudicados são exatamente aqueles que o fazem dessa forma, porque mais cedo ou mais tarde terão de se confrontar com aquilo que fizeram.
Se passei o que passei, foi por não ter sabido fazer as analogias certas, como as de igualar a minha profissão - e as tarefas que desenvolvo-, à ciência exata da medicina, à perfeição de uma operação ao coração. Foi por não conseguir perceber a tempo que, quando faço algo para o outro, o que me paga um trabalho, o que me confia uma tarefa, devo fazê-lo como se fosse para mim.
Em todas as situações laborais se podem encontrar analogias perfeitas para aquilo que fazemos mais-ou-menos-assim-assim, precisamente por não considerarmos que estamos a fazê-las para nós próprios.
A maioria das pessoas não consegue alcançar que aquele cirurgião que lhe salvou a perna da amputação, não pôde em circunstancia alguma, tratá-lo mais-ou-menos-assim-assim, quando se encontrava debruçado sobre a mesa de operações. Não pode estudar mais ou menos quando fazia o seu curso, observá-lo mais ou menos quando tentava perceber o problema, ou desinfectar-se assim-assim. Opera aquela perna como se fosse a sua e salva-a.
Não é natural encontrar tanta gente a trabalhar mais-ou-menos-assim-assim. A displicência, a desresponsabilização do trabalhador no seu local de trabalho é o que mina as relações entre colegas, e o que mina os resultados da empresa. O quero lá saber que isto não é meu, mesmo que o 'isto' seja verificar se não estará a comprar demasiado descafeínado para a quantidade que na realidade se consome, é estar a diminuir a sua importância naquela tarefa e a abrir caminho para que outros, mais interessados, se possam apoderar dela.
Comprar um ror de caixas de descafeínado que não se consomem no prazo da validade, é um disparate que nunca faria na sua própria casa, mas ainda assim fá-lo no seu emprego, porque não observou que as sobras das encomendas anteriores supriam as necessidades para mais dois meses, e gastou o dinheiro porque não era seu, ou porque não observou que aquela perna estava infetada, e deixou-a morrer, porque a perna não era sua.
Porque razão dividem as pessoas a vida privada da vida profissional?
Tudo o que se passa no nosso trabalho deve ter o nosso cunho pessoal, e esse cunho pessoal é tão somente fazer as coisas com o mesmo esmero como se as fizéssemos para nós.
Não é possível operar mais ou menos uma perna, ou deixar a ligação dos ossos mais-ou-menos-assim-assim. Poderemos pensar que abrir uma carcaça para lhe meter uma fatia de fiambre, quando estamos atrás de um balcão de pastelaria, não é o mesmo que abrir um coração para lhe meter um bypass quando estamos atrás de uma mesa de cirurgia, mas é.
Em última análise tudo o que fazemos no nosso trabalho, de uma forma ou de outra, servirá para salvar uma vida, um emprego, uma família. Não é possível salvar assim-assim.
Quando as pessoas que trabalham se aperceberem que ser bom, dignificar o seu emprego e a sua profissão, é tomar como suas todas as necessidades e excessos daquilo que faz para os outros, então sim, diria que a situação das falências ficaria 50% resolvida e que as relações no trabalham serviriam para salvar muita gente.

2 comentários:

  1. Há clientes que não merecem o nosso melhor mas apenas o nosso suficiente. Aqueles que alertamos há anos, a quem enviamos memorandos com a papa toda feita, relatórios em PDF assinado, em HTML para colocarem na intranet, com introduções e anexos que explicam toda a metodologia seguida, que destacam as correcções urgentes para segurança das pessoas, que indicam a legislação que não está a ser cumprida e as respectivas consequências, que, enfim, ficam na prateleira, na deles e na do regulador. Bem, no regulador devem acabar na lareira.
    Para essa gente vai o mínimo essencial porque não merecem mais.

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  2. Uva, não sei se há muita gente a trabalhar mais ou menos assim assim.

    Separar a vida privada da vida profissional não tem de estar associado à falta de cunho pessoal no que fazemos, a displicência e a impossibilidade de no trabalho zelarmos das coisas como nos pertencessem.
    Para além disso, para se ser um bom trabalhador não é condição necessária gostar daquele trabalho e até gostar de trabalhar.
    Não há nada de impeditivo em fazer bem algo que não se gosta, assim como zelar de forma igual como se fizesse parte dos nossos pertences.

    Vejo mais vantagens do que desvantagens nessa separação do pessoal do profissional, daí optar por ela.



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