30 de setembro de 2016

A primeira vez

A primeira vez que a vi, fumava descontraída no jardim aquilo que me pareceu ser um ganza de erva. As calças rasgadas, talvez fruto de uma imposição da moda‎ - esse fenómeno tão absolutamente humanizante, tão socialmente agregador, e ao mesmo tempo tão humilhante e submisso - e o cabelo em desalinho, davam-lhe um ar de quem se descomprometeu dos afazeres pessoais há anos, como quem brinca com a vida, leve, vendo os dias passar.
Fitei-a com os melhores olhos que tinha. Um misto entre 'sei o que estás aqui a fazer e é na boa', e um 'fuma para aí à vontade que não sou eu que te vou julgar', e sentei-me ao lado dela.
Pedi desculpa, claro, por me sentar assim na roda de amigos que eram tudo menos meus, mas à falta de melhor oportunidade, e há falta de melhor que fazer, desenvencilhei-me com a tirada doméstica de 'gostava de fazer umas fotos do jardim, mas gosto mais do ângulo ao baixo'.
Não me engavetou de imediato. Deve ter pensado dar-me uma oportunidade e passou-me o charuto. Não quero, disse-lhe, fico mal disposta. Não insistiu. A minha oportunidade foi curta. À passagem de uma efusiva amiga, levantou-se de um pulo, e agarradas ao pescoço uma da outra, sumiram-se por entre as pessoas, fazendo um cagaçal dos diabos.

A segunda vez que a vi, umas boas semanas depois, apareceu-me rebuscada, demasiado pintada, vestindo uma vida alternativa, à porta do Rule of Law. Diria que o colar de contas, muito feio, que trazia pendurado ao pescoço, faziam dela toda, um ser muito pesado. Reconhecia-a de imediato. Inovadora, trazendo pessoalmente nos braços os filhos menores, bem criados, a sua mais esperançosa lista, as datas de um passado minúsculo mas convidativo.
Largou-me uma mão cheia de anéis e apertou-ma com força, à homem, como se quer entre mulheres.

- Bom dia! Peço desculpa incomodar. Posso entregar-lhe o meu CV? Acabei o curso de Direito e gostaria de saber se estão a contratar?
Dei uma olhada rápida ao papel sem saber o que fazer. Ali à porta, defronte de uma desconhecida-conhecida, fiquem sem as palavras e fugiram-me os trejeitos.
Fitei-a com os melhores olhos que tinha.
- Claro que sim. Espero responder-lhe em breve. Qual é a área de preferência?
- Fiscal!
Recebi-lhe o filho nas mãos, e pensei para comigo: são tão maravilhosamente polivalentes que assustam os que na sua comezinha vida só conseguem fazer uma vida de cada vez.
Prometem muito estas novas gerações.
Oiçam o que vos digo.

27 de setembro de 2016

DIVULGAÇÃO

5 OUT – abertura do novo edifício do MAAT Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia


ENTRADA LIVRE!!
https://www.maat.pt/pt/programas-e-eventos/5-out-abertura-do-novo-edificio-do-maat

É o momento alto do ano cultural de Lisboa, e é já no dia 05 de outubro que abre portas.
É uma aposta da Fundação EDP, que muito tem contribuído para a criação de tantos e arrojados projectos nas mais diversas áreas, lançando jovens artistas e promissores empreendedores na cena artística e empresarial do país.
Vale a pena visitar um edifício na vanguarda da arte contemporânea, da arquitetura e da tecnologia e disfrutar das maravilhosas vistas que nos lançam sobre o Tejo.
Pessoas, aproveitem. 
Há festa rija com performances, concertos e visitas guiadas.
Eu vou!
 

26 de setembro de 2016

5 anos depois ...

Guterres vence quinquagésima terceira (503º) votação na ONU


Guterres teve [desta vez] 15 votos a favor entre os 15 membros do Conselho de Segurança da ONU.
O homem está estafado mas há de lá chegar.
A próxima votação, que está agendada para um dia destes, não sei, pode ser a qualquer momento que eles adoram votações, promete decidir tudo, mas antes da decisão final, que não sabemos quando será, há uma outra votação, também ela de grande importância, para aferir se um Guterres de andarilho e todo tremeliques, já inscrito na Casa de Repouso 'Vi a ONU por um Canudo', onde passa 2 dias por semana para se ambientar à agitação, consegue ser o sucessor de Ban Ki-moon que terminou o seu segundo mandato no final do ano 2016, há precisamente 5 anos, topem bem este delírio, permanecendo o cargo em aberto à espera de novas e variadas votações, quiçá infinitas votações, até aparecer o homem (ou a gaja - que está muito na moda) que há de ficar com o cargo..
Aguardamos todos o desfecho desta votação.
Talvez dentro de 10 anos.
Quem sabe.

Também a decisão sobre a recolha de lixo na cidade de Lisboa vai pelo mesmo caminho, estando-se já a assistir a uma situação caótica na zona de atracagem dos navios, que por acumulação de garrafas de minis e latas de sardinhas, têm de largar os passageiros no Bugio.

Aguardemos.
Com serenidade.

Comprei mais um livro


A imagem simples e bondosa do escritor Mário de Carvalho faz-me lembrar um artesão, um oleiro, um trabalhador do campo, azafamado com a criação, com a rega, com as tarefas mundanas e caprichosas da lavoura.
Não sei porquê, mas vejo-lhe nos olhos uma certa humildade, um aqui me tens, uma total ausência de jactância, de convencimento, tão próxima de certos artistas que se sabem artistas.
É só um dois meus escritores diletos. Foi através dele que consegui chegar com melhores cores depois da travessia no deserto, aquando do início da minha viagem literária, em que não sabia exactamente o que ler, o que ler primeiro, como fazer para saber que tipo de escrita se encaixava no meu perfil de leitora.
Ele não sabe mas, acho-o demasiado bom para a sua imagem, e no entanto, sinto-me totalmente enluvada por tantas das sua obras.
Há livros cujas histórias se esquecem. Esses são os livros insuficientes, julgo eu; e depois há os livros que por mais anos que passem jamais os conseguimos esquecer porque as imagens que ficaram são tão fortes que passam a fazer parte das nossas memórias falsas, como se fossem verdadeiras. 'O Varandim' é uma dessas memórias, como se eu própria lá estivesse, assistindo lá do alto ao espetáculo da morte.
O ensaio que lançou para os principiantes na escrita de ficção [Quem disser o contrário é porque tem razão], é um livro brutal, magnificamente bem escrito, cheio de palavras lindas e sedutoras, que todos deveriam ler. Todos os que escrevem e todos os que gostam de ler. É uma escola.
A minha última compra foi aquele que o próprio Mário de Carvalho diz ser o seu melhor livro. E eu sei que quando um homem do campo me oferece um belo tomate ou uma bela alface, foi porque escolheu o melhor.
Não duvido dos homens do campo, e ainda menos dos homens das letras.
 

24 de setembro de 2016

Dos Estudos

O ano passado deixei de beber leite. Depois do estudo lançado pelo Dr. David Ludwig, médico em Harvard, resolvi afastar para sempre o consumo de leite. Antes vivia apavorada com o facto de não beber 3 copos de leite por dia, julgando que se me desmoronavam os ossos, mas afinal não. O leite foi banido e desde a semana passada que o queijo também se finou. Parece impossível, mas é verdade. Um estudo da Univ. da Califórnia atribui ao queijo as mesmas consequências nocivas das drogas duras. Credo! Não tenho nada a ver com drogas duras, e resolvi comer só o queijo Filadélfia, em creme. Mas outro estudo veio dizer que queijo é queijo, mesmo de países diferentes, e que se engolires uma bolota rija de cocaína, em vez de a consumires em pó, estás a dar-lhe à mesma forte e feio.

Foi mais ou menos por essa altura que deixei de comer bolotas. Um estudo recente indica grandes perigos na ingestão desse fruto. Ora a bolota nasce dos sobreiros alentejanos, o que provoca uma digestão muito lenta. Ora eu já faço mal a digestão, se ficar ainda mais lenta sou capaz de ter problemas com atrasos. Logo eu, que sou tão pontual. Resolvi então deixar os frutos secos e comer só azeitonas. Fiz mal. Um estudo divulgado há dias refere que comer azeitonas faz pior que beber cerveja. São especialmente engordativas e distendem a zona abdominal Ora eu que bebia cerveja à cadência de duas por dia, desconhecia este estudo e acabei logo com isto.

Menos mal, pensei eu, se beber um vinho tinto mal não fará, até porque há semanas vinha um um estudo numa revista conceituada que dizia: um copo de vinho tinto ao deitar emagrece e melhora a agilidade sexual. Infelizmente foi sol de pouca dura, um estudo preliminar afirma que o vinho tinto está todo martelado, e uma brigada da ASAE limpou tudo das prateleiras. Ainda bem que temos a ASAE senão estávamos todos internados, ligados ao soro.

Bem sei que devemos ter muita atenção aos estudos que lançam, caso contrário podemos morrer de repente, sem saber bem porquê. Eu costumava beber uma água das pedras quando a digestão era lenta, isto na altura em que comia bolotas, mas um estudo veio afirmar que o gás sobe à cabeça e pode reduzir a massa cinzenta. Fiquei logo agoniada, devo ter perdido 5/4 da minha massa quando ainda bebia cerveja, e pensei: vou beber um chá de camomila para me acalmar - mas não pude. Um estudo de um médico muito conhecido veiculou que beber chá era o mesmo que beber leite.

Andava eu cheia de fome quando li um estudo que dizia que a melhor coisa que se podia fazer para matar a fome era comer ovos. Desde então tenho comido ovos de manhã à noite. Não sei se é de não comer queijo, não beber leite, não comer bolotas, nem beber vinho, mas ando sempre esganada.
Qual não foi o meu espanto quando um estudo veio desdizer completamente esta teoria, e afinal os ovos são um veneno. Vejam bem.. os ovos!

Resolvi passar no pingo doce para ver se avistava alguma coisa para trincar, mas a minha vizinha veio logo ter comigo para me falar do estudo novo sobre os enlatados. Parece que tudo o que vem em latas mata, mas mata a sério. As pessoas que comem enlatados ainda ficam piores do as que bebem vinho tinto, que afinal de contas têm um soro misturado que faz pessimamente mal. Parece que o soro dos hospitais também está contaminado. Houve até um estudo que recomendou acabar com os hospitais.

E por falar em hospitais, tenho ido a umas consultas para controlar a fome. Um estudo diz que o melhor para controlar os distúrbios alimentares é consultar os médicos da especialidade, e foi o que fiz. Numa das vezes esperei tantas horas pelo médico da especialidade que quando dei conta estava há 3 semanas no hospital sem comer. Tinha tanta sede que nem reparei que a máquina me devolveu uma coca cola em vez duma água mineral. Salvou-me a senhora enfermeira, benzadeus, que me disse ter lido um estudo que dizia que em 55 latas de coca cola, 50 tinham ratos mortos lá dentro.

Não sabia já o que fazer, cheia de sede, a cantina do hospital fechada, quando me lembrei que dentro da mala tinha uma lata de sardinhas que tinha comprado no pingo doce antes de ler o estudo sobre os enlatados.

Não queiram acreditar no que vi.
  


23 de setembro de 2016

40 anos e um assalto

'Na vida tudo passa', e o meu header que o diga, ali pespegado, inerte, mostrando-se numa fotografia com mais de 500 anos.
Não voltei a Paris, não voltei aquele peso, ou mesmo aquela vida.
Mais valia trocar a célebre frase por qualquer coisa como 'Na vida tudo acontece antes dos 40', e depois fechava isto, despedia-me com um breve aceno de mão, dobrava os cantos da boca para cima e desaparecia tão misteriosamente como apareci.

A vida das pessoas é muito engraçada, mas a minha dava um blog.
Foi este motivo, essencialmente este e não outro, que me convenceu a escrever um blog. Antes dos 40 tudo nos acontece, é para isso que estamos formatados, a carreira, os filhos, as plásticas.
Mas se bem sei, e muita gente me conta, é agora que a vida começa.
Comecemos então pelo melhor.
No meu primeiro post de quarentona, nada pode ser menos do que isto: um estrondo!
Fui assaltada!

Não que me tomassem de assalto todos os anos que já passei, loucos, como se repentinamente fossem miúdos incontroláveis, aos saltos em cima das minhas costas, pesando-me, despenteando-me, aborrecendo-me.
Não.
Foi um assalto muito sério.
Entraram mesmo por mim adentro, e assaltaram-me a casa.

Nunca tinha sido assaltada assim, quer dizer, não assim desta maneira tão intima - a única maneira que existe, na verdade. Entraram pela janela do meu quarto, uma janelinha miserável com 40 anos, tantos como os meus, e tomaram de assalto a Casa dos Pinheiros, revolvendo a minha vida de dentro para fora, soltando os quadros das paredes, deixando os artistas todos tortos, as camisas de dormir num desassossego, os colchões com o inverno virado para cima, quando ainda estamos num tempo tão quente. Não percebo. Tudo lhes foi particularmente risível, penso eu. Imagino que pegaram nas nossas intimidades e com elas dançaram na sala. Experimentaram biquínis velhos, camisas de quadrados de grandes golas, sapatos bicudos desirmanados. Depois saíram pela porta, tiveram todo o tempo do mundo, e dançaram na varanda assim vestidos, rindo e pulando, gozando de mim. Os pulhas! Acercaram-se das nossas coisas e levaram-nas como se lhes pertencessem. Burros. Não sabem que deixaram ficar o melhor. A minha Lagoa e a minha vida, que apesar de tudo se consegui esconder nos fundilhos das gavetas.

Foram uns ladrões famintos. A festa dos 40 anos, que se realizava no dia seguinte, levava mais comida que o meu próprio casamento. Para não falar na bebida. Levaram tudo. Quilos de febras, de piano, de chouriços, de queijos, de manteigas, atum, azeite, farinha, café. 2 frigoríficos vazios, uma porta arrombada e duas máquinas de cortar a relva desaparecidas.
Que engraçado. Não me levaram a televisão das telenovelas. Foi um grande alívio, pelo menos para aqueles artistas, que são sempre tão mal tratados.

Tirando as decisões dos outros que nos afetam - e por isso pouco ou nada podemos fazer com elas - são as nossas decisões que acabam por nos tramar.
Por acaso a decisão de levar as bicicletas para Lisboa no fim de semana anterior não me tramou.
Teria sido um golpe duríssimo, daqueles que nos dão pelas costas, à traição. Como se uma pessoa que gostamos muito fosse falar mal de nós a uma outra. Aquilo é irreparável. Ficar sem as bicicletas teria sido mais ou menos isso. Mas em pior.

Foi um assalto limpinho. Desarrumaram-me a casa toda, é certo, mas deixaram a máquina do café, o microondas, e o meu barco novo que estava meio cheio na casa de baixo. A mesma sorte não logrou a secção da higiene, porque levaram o nosso esquentador, as toalhas do WC e muita roupa de cama.
Desarrumados e pobres, coitados, ao menos isso, que o assalto que me fizeram possa ter minimizado os estragos que a vida lhes fez.

'Na vida tudo passa', diz o meu header, ali pespegado, inerte, mostrando-se numa fotografia minha com mais de 500 anos.
Talvez. Talvez me passe esta sensação de espanto, de perplexidade, igual à relva que recebeu despenteada os convidados, igual à que fiz quando entrei na minha casa virada ao contrário.
Que quererão de mim, estes desconhecidos invasores?
Que querem de nós, se não temos nada?

É importante reter este solavanco da vida.
No dia dos meus anos ninguém me foi roubado. Todos os amigos estiveram presentes e foi uma grande alegria tê-los comigo.
Sou uma quarentona mais pobre, mas sou infinitamente mais rica.
E no final tudo isto vai passar.
Porque na vida tudo passa.
Até a Uva Passa.

9 de setembro de 2016

Da organização

Tenho uma certa forma de me organizar no mundo.
Não gosto de acordar tarde, detesto quando me deixam os toalheiros todos enrodilhados no varão, tenho fobia ao caixote do lixo cheio, é imprescindível que os ovos estejam na prateleira do frigorifico e não na caixa de papelão, e não saio de casa sem ter as camas feitas e as almofadas do sofá lisinhas como a minha barriga.
Nos blogs é exatamente a mesma coisa.
Gosto de ler primeiro os mais madrugadores, depois os cómicos, e só à tarde é que me arrasto pelos de poesia, sempre muito tensa e muito pequenina por ser absolutamente analfabeta no ponto mais a norte da literatura.

Ontem verifiquei que o Dúvidas estava na minha última posição, a Anabela Mota Ribeiro logo antes, depois a Gaffe, a Alexandra que não escreve há séculos ali nos meios e, que raio, uma organização que não foi escolhida por mim, uma descriminação feita pela plataforma Blogger que muito me aborreceu.

Em tempos o Blogger levou uma corrida em osso porque se empenhou em acabar com as maminhas ao léu, mesmo as das estátuas, e agora isto?
Então agora, já depois de velha, mas não tão velha que não possa decidir o que quero ver primeiro na minha lista, quem decide decidir das minhas leituras é o Blogger?
Não me lixem.
Eu já tenho a barrisa lisa. Não sei se já tinha dito.

8 de setembro de 2016

E depois há umas pessoas que fazem umas coisas

... com crianças, que vai muito além daquilo que eu consigo fazer com as letras.
E porque a vida é linda mas implacável, e porque eu sou sinistra e intragável, acrescento: há diversas maneiras de se ganhar dinheiro expondo crianças quase nuas em blogs.
E não precisa de ser imoral.

http://www.zenaholloway.com/blog/
Zena Holloway











A imoralidade pregando a moral


Em 2015, um comprador que desejou manter o anonimato, comprou este [Amedeo] Modigliani por 158,3 milhões de euros na conhecida Christie's de Manhattan.
O escândalo não foi tão grande como o de 1918, quando o exibiram pela primeira em Paris.
"Reclining Nude", que parece ter nascido para causar escândalo atrás de escândalo, surge agora numa perspectiva diferente, mas que abala os cânones de uma certa 'moralidade imoral'.
É perfeita, a ironia daquela que está prestes a ser considerada a fotografia do ano.
A imoralidade pregando a moral.

O que é imoral? 

O preço do óleo sobre a tela, o anonimato do comprador, a cidade de Manhattan, Paris em 1918, raparigas de cabeças cobertas observando raparigas nuas, raparigas nuas em frente de artistas, artistas que olham raparigas nuas, a arte do artista, o conceito de arte, a arte?

Se te identificaste com uma ou mais das supra justificações, não és imoral.
És um invejoso.
E quem inveja não medra.
E quem não medra não vive.

7 de setembro de 2016

As piruetas que o sono dá

Não percebo nada de insónias.
Tenho falta de dinheiro, de paciência, tenho até falta de cabelo, mas de sono não tenho.
Sei, porque em terra de cegos quem tem sono olho é rei, que apenas podemos confiar um problema de sono a uma pessoa. À Teresa Paiva.

Foi neste enquadramento que recebi no meu gabinete uma superior que vinha muito preocupada com os seus problemas de sono. Há anos que andava a comprimidos para dormir, e apesar de dormir, e dormir uma média de 6 horas por dia, tantas quantas lhe durava o efeito, se sentia-se cansada, dorida, sem explosão de vida, sem ignição matinal.

Disse-me, à queima roupa, que os resultados dos testes de sono tinham revelado algo de novo, algo que era necessário perceber, e que, resumindo, tinham concluído que o comportamento do seu cérebro a dormir era muito similar ao estado do seu cérebro acordado, e que isso, em curtas e leigas palavras, indicava que apesar de adormecer todas as noites, estava na realidade 'acordada'.

Isto deixou-me num estado muito estranho de desassossego.
É certo que a Teresa Paiva, a médica que a segue, irá estudar a melhor forma de a colocar verdadeiramente a dormir; ninguém melhor que ela sabe como fazê-lo, há formas de reeducar o sono, de conspirar com sucesso contra a insónia, de combater os demónios que lutam e se debatem noites inteiras, tudo para nos manter acordados.

Depois perguntei ao meu intelecto, estupidamente irónico, num apanágio que por vezes me irrita, a quem devemos entregar aqueles casos em que se vê perfeitamente que a pessoa está acordada, mas que sabemos, sem sombra de dúvida, que ela anda a completamente a dormir...

6 de setembro de 2016

O regresso ... e o êxtase!

Estaria aqui a pensar para os meus botões, se os tivesse, que ao contrário de muitos saudosistas que por aí proliferam, não tenho saudades de nada, nisto dos blogs.
Constato, chego agora a esta conclusão, que na minha visão do futuro, as pessoas que têm saudades do passado nisto dos blogs, não têm futuro.

De cada vez que oiço dizer aos saudosistas as saudades que têm deste ou daquele registo, nesta ou naquela pessoa, lembro-me sempre dos bons artistas, que mudaram de registo e se foram desta para pior, no cenário artístico. Não há complacências para quem muda, mas Deus ajuda, e isto é cómico, dada a ironia.
Os artistas que somos, eu e outros como eu, que partilham em blogs, têm, a certa altura, uma absoluta vontade - e necessidade - de mudar de registo, de falar alto, de se envolver numa luta, ou na disputa por algo que acreditam valer a pena, não deixando de ser [por isto] eles próprios, genuínos e interessantes.
Pelo que sei ainda não nos é possível trocar de alma, a não ser depois de mortos.

Ora o êxtase é que nenhum bloguer que partilha diferentes registos de si próprio está morto.
Nada se perde, tudo se transforma.
Quanto a mim, e a esta esdrúxula visão de futuro, morre a cada dia quem não viaja nos delírios dos outros.
Preferia que me fuzilassem contra uma parede.
Ficaria muito mais satisfeita.