23 de setembro de 2016

40 anos e um assalto

'Na vida tudo passa', e o meu header que o diga, ali pespegado, inerte, mostrando-se numa fotografia com mais de 500 anos.
Não voltei a Paris, não voltei aquele peso, ou mesmo aquela vida.
Mais valia trocar a célebre frase por qualquer coisa como 'Na vida tudo acontece antes dos 40', e depois fechava isto, despedia-me com um breve aceno de mão, dobrava os cantos da boca para cima e desaparecia tão misteriosamente como apareci.

A vida das pessoas é muito engraçada, mas a minha dava um blog.
Foi este motivo, essencialmente este e não outro, que me convenceu a escrever um blog. Antes dos 40 tudo nos acontece, é para isso que estamos formatados, a carreira, os filhos, as plásticas.
Mas se bem sei, e muita gente me conta, é agora que a vida começa.
Comecemos então pelo melhor.
No meu primeiro post de quarentona, nada pode ser menos do que isto: um estrondo!
Fui assaltada!

Não que me tomassem de assalto todos os anos que já passei, loucos, como se repentinamente fossem miúdos incontroláveis, aos saltos em cima das minhas costas, pesando-me, despenteando-me, aborrecendo-me.
Não.
Foi um assalto muito sério.
Entraram mesmo por mim adentro, e assaltaram-me a casa.

Nunca tinha sido assaltada assim, quer dizer, não assim desta maneira tão intima - a única maneira que existe, na verdade. Entraram pela janela do meu quarto, uma janelinha miserável com 40 anos, tantos como os meus, e tomaram de assalto a Casa dos Pinheiros, revolvendo a minha vida de dentro para fora, soltando os quadros das paredes, deixando os artistas todos tortos, as camisas de dormir num desassossego, os colchões com o inverno virado para cima, quando ainda estamos num tempo tão quente. Não percebo. Tudo lhes foi particularmente risível, penso eu. Imagino que pegaram nas nossas intimidades e com elas dançaram na sala. Experimentaram biquínis velhos, camisas de quadrados de grandes golas, sapatos bicudos desirmanados. Depois saíram pela porta, tiveram todo o tempo do mundo, e dançaram na varanda assim vestidos, rindo e pulando, gozando de mim. Os pulhas! Acercaram-se das nossas coisas e levaram-nas como se lhes pertencessem. Burros. Não sabem que deixaram ficar o melhor. A minha Lagoa e a minha vida, que apesar de tudo se consegui esconder nos fundilhos das gavetas.

Foram uns ladrões famintos. A festa dos 40 anos, que se realizava no dia seguinte, levava mais comida que o meu próprio casamento. Para não falar na bebida. Levaram tudo. Quilos de febras, de piano, de chouriços, de queijos, de manteigas, atum, azeite, farinha, café. 2 frigoríficos vazios, uma porta arrombada e duas máquinas de cortar a relva desaparecidas.
Que engraçado. Não me levaram a televisão das telenovelas. Foi um grande alívio, pelo menos para aqueles artistas, que são sempre tão mal tratados.

Tirando as decisões dos outros que nos afetam - e por isso pouco ou nada podemos fazer com elas - são as nossas decisões que acabam por nos tramar.
Por acaso a decisão de levar as bicicletas para Lisboa no fim de semana anterior não me tramou.
Teria sido um golpe duríssimo, daqueles que nos dão pelas costas, à traição. Como se uma pessoa que gostamos muito fosse falar mal de nós a uma outra. Aquilo é irreparável. Ficar sem as bicicletas teria sido mais ou menos isso. Mas em pior.

Foi um assalto limpinho. Desarrumaram-me a casa toda, é certo, mas deixaram a máquina do café, o microondas, e o meu barco novo que estava meio cheio na casa de baixo. A mesma sorte não logrou a secção da higiene, porque levaram o nosso esquentador, as toalhas do WC e muita roupa de cama.
Desarrumados e pobres, coitados, ao menos isso, que o assalto que me fizeram possa ter minimizado os estragos que a vida lhes fez.

'Na vida tudo passa', diz o meu header, ali pespegado, inerte, mostrando-se numa fotografia minha com mais de 500 anos.
Talvez. Talvez me passe esta sensação de espanto, de perplexidade, igual à relva que recebeu despenteada os convidados, igual à que fiz quando entrei na minha casa virada ao contrário.
Que quererão de mim, estes desconhecidos invasores?
Que querem de nós, se não temos nada?

É importante reter este solavanco da vida.
No dia dos meus anos ninguém me foi roubado. Todos os amigos estiveram presentes e foi uma grande alegria tê-los comigo.
Sou uma quarentona mais pobre, mas sou infinitamente mais rica.
E no final tudo isto vai passar.
Porque na vida tudo passa.
Até a Uva Passa.

16 comentários:

  1. Ou estás infinitamente mais rica. Tudo se reconstrói, menos a vida em sentido estricto.
    Parabéns, mulher. Agora é que vais ver o que é bom.

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    1. Ai vou? Pois estou aqui bastante curiosa para saber afinal como é. Até agora: só despesas!

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  2. Lamento essa devassa. Porém, a tua atitude positiva faz-me sorrir!
    Parabéns, Uvinha! Que os "entas" te tragam muita felicidade!

    Beijos :)

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    1. Obrigada Maria. Apesar dos estragos a festa foi muito boa!

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  3. Pior que a parte material, é a invasão das nossas vidas, é saber que gente sem escrúpulos nos remexeu algo que deveria ser só nosso. Mas o que realmente importa é que a festa se fez e que continuas a celebrar :) Muitos parabéns, um beijo do teu tamanho, tu que és enorme...

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    1. O pior foram as minis. Levaram as minis todas e pronto, foi uma devassa.

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    2. Ahahah isso realmente não se faz. Tinham deixado um pack pelo menos!

      Parabéns atrasados. Beijocas

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  4. Olha, parabéns para ti, quarentinha

    :)

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  5. Não começou bem, mas rapidamente melhorou, não lhe levaram o espírito que é o que mais interessa, parabéns!

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    1. Melhorou bastante, especialmente quando trouxeram mais vinho e mais cerveja. A partir daí já nem sabia de que terra era, quanto mais quem tinham sido os ladrões!

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  6. Tudo passa. Se não passar a coisa, passamos-lhe nós por cima.

    Parabéns, isso sim :)

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    1. Parabéns aqui à quarentona. (Já me deram menos 20... no final da festa)

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  7. 40 anos? isso é lá idade para temer. já os carrego com mais uns tantos, há uns tantos anos, e estou a aguentar-me bem. quanto aos ladrões...essa devassa, é muito inquietante, mas não se fala mais nisso, que tu já disseste tudo.
    parabéns, Uva.

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  8. meros objectos facilmente substituíveis... Parabéns :) pelo aniversário e pela atitude! Que contes muitos e bons :)

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  9. Parabéns pelo aniversário. 40? Uma flor da idade. :)

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