31 de julho de 2015

EGOÍSTA 15 anos - Das coisas que a Uva lê



O preço é quase proibitivo.
60,00€ por 4 edições.
15,00€ é o preço de um bom livro. Uma jantarada com amigos numa tasca do Bairro Alto. Uma sessão de cinema para ver bonecos em 3D. O valor da taxa sobre os dispositivos digitais. O preço mensal do cartão de dados do meu tablet. Umas ameijoas à Bulhão Pato no restaurante O Modesto.
Poderia [a revista] ser um desperdício se não fosse absolutamente maravilhosa.
É nossa. É adolescente. É fotografia. É literatura. É artística e literáriamente cuidada, famosa e única.
Talvez por ser única lhe tenham chamado Egoísta.
Egoísta porque vive só para ela e só dela.
Egoísta  porque a exclusividade gera ciúme, e o orgulho é uma presunção apenas permitida aos melhores.
Reparem: é uma revista com 61 edições e 70 prémios, nacionais e internacionais. São mais as distinções concedidas, ganhas com mérito, do que as edições publicadas.
Um luxo.
Não publicita produtos; as margens não têm em pisca-pisca néon a nova versão do Audi A8 ou a Sara Sampaio de pernas abertas e boca sensual a lamber um sorvete.
É só imagem e letra. Artistas e escritores. Edição, Design e Produção.
E textos deliciosos escritos em folhas grossas.
Tudo o que basta para me fazer feliz.
A última edição celebra 15 anos e presenteia-me com um trabalho fotográfico de excelência de José Ð Almeida (que terei imenso gosto em partilhar numa das minhas rubricas favoritas) e ainda com 15 textos inéditos escritos pelas mãos de Inês Pedrosa, Gonçalo M. Tavares, ou Valter Hugo Mãe, sobre 15 personalidades, também elas de certa forma inéditas, egoístas,  que vogam entre Hélia Correia, Saramago, Pacheco Pereira, Manoel de Oliveira, João Botelho, Vasco Graça Moura, entre outros.
A capa, pois a capa, o ex-libris desta 'revista de culto', escolhida para celebrar o feito, não fica nada aquém de outras tantas que o Atelier 004, em conjunto com a Norprint, nos têm habituado.
Parabéns miúda!
 







  

30 de julho de 2015

É selvagem e é bem capaz de me levar à falência.

A Mequinha, pois claro.
O raio da gata, raios partam a gata, além de ser má como as cobras, é esperta que se farta.
Para ensinar a doida a beber água, e se bem vos lembreis foi o cabo dos trabalhos, e por achar que a bicha estava a morrer desidratada, resolvi abrir umas torneiras e dizer-lhe olha aqui Mequinha, a águinha, tão boaaa, anda cá, lambe aqui a águinha, ai que lindaaaaaa, que fresquinhaaaaa, bschhh, bschsss, anda cá, a dona dá, bschhh, bschsss.
A dona dá, uma merda! porque arranjei um problema gigante à pala desta gracinha.
Ora vede.

Fim de semana.
2 dias de ausência para tratar de assuntos relacionados com festas e praia e bicicleta, inadiáveis.
A gata ficou em casa porque a última vez que a meti na gateira e dentro do carro, fez um cocó na viagem para lá, um cocó que parecia a bosta de 4 vacas juntas, gritou horrores a viagem toda, hiper assanhada, julguei que morria de AVC tal era o desespero da bicha, e na viagem para cá fez um xixi ainda mais gigante, rebolou-se no xixi a viagem toda, encheu-me a carrinha de salpicos fedorentos de mijunça e ainda aleijou uma patinha na grade da portinhola.
E gritou desalmadamente a viagem toda, parecia que estavam a mata-la
Da próxima vez que forem só dois dias, ficas em casa que até vais de bonió.
Ficou.
O raio da gata, raios partam a gata, além de ser má como as cobras, conseguiu a proeza de abrir a misturadora da banheira.
Na água quente.
Quando cheguei a casa, um calor abrasador, mas o que é isto, que calor é este, meu Deus, está alguém a tomar banho na nossa casa, ai que temos uma pessoa na casa de banho, ai que horror, está alguém aqui em casa, e vai lá ver, ai não vás que pode ser alguém armado, cala-te que deve ser a tua mãe, vai lá tu ver que se calhar está nua, mas tu estás doido homem,  a minha mãe tem banheira em casa, e vai lá ver que é ela de certeza, só pode ser ela, e lá vou eu, pé ante pé, até ao WC, com a cabeça à razão de juros a pensar que raio estava a minha mãe a fazer na minha casa aquela hora e a tomar banho, e qual não é o meu espanto que quem está alegre e contente a ver jorrar água a ferver (talvez há dois dias, sabe-se lá - veremos as faturas do gás e da água) é a Sô Dona Mecas, envolta numa nuvem fumegante, tipo sauna, à espera da massagem linfática - ou lá que merda é aquela que agora fazem às gajas.

Beeeeem, estava o chão a ferver, tudo fervia, o esquentador não sei como não explodiu, a gata além de ter feito esta terrível (e perigosa) bosta, ainda me veio morder as pernas, arranhar-me os braços (cheia de saudades, suponho) e agora estou para aqui a pensar se aquela coisa de ter a casa fria e tal, ai um gatinho é que era, não terá sido exatamente o que pedi.
Uma gata que me aquece a casa.
Literalmente.

29 de julho de 2015

Cachupa

Hoje, no DESblogue.

[...] E a nêga, sempre rebolando o nalguedo, suando em bica, distribuía com braços roliços de cozinheira as taças de doces, como quem distribuí as cartas do jogo.
Um lambedoiro.


Ver mais.

28 de julho de 2015

E depois há umas pessoas que fazem umas coisas...

muito engraças, muito bem feitas, baseadas em princípios muito antigos mas absolutamente atuais - como é o caso do [princípio] que foi seguido ao pé da letra pelo fotógrafo André Vicente Gonçalves -, que vão muito para além daquilo que a maioria das pessoas tem coragem de fazer, e no meu caso até de pensar. 
O André era uma pessoa entre tantas que percorria cabisbaixo o caminho para o trabalho.
Devo ter-me cruzado com ele algumas vezes na calçada matreira da vida que cobre as ruas da minha cidade.
Ele passou por mim, tropeçou numa janela e abriu-a.
Eu passei por ele, tropecei em mim mesma e bati com a testa.
Não cheguei a ver a janela.

Escolhe um emprego que realmente gostes e nunca terás um dia de trabalho na tua vida (Confúcio).

Nós, a grande fatia ativa, que nem a possibilidade de escolher um emprego temos, ficamos muito pensativos a olhar para este princípio ativo da felicidade do André, que o André segue e que o André partilha, e ficamos com a certeza que quem o segue é corajoso, com a certeza de que o princípio é verdadeiro, resulta muito bem, traz satisfação e (aqui e ali) são visíveis - depois de bem peneirados os dias -, bons e grandes flocos de felicidade.
As janelas. Os nossos olhos. A nossa alegria. Os dias novos que despertam. A esperança.
Todas as janelas são diferentes. Como nós.
E no entanto são todas janelas, cumprindo a mesmíssima função.
E se há janelas em toda a parte, porque teimamos nós em portas fechadas?

Não sou Confúcio mas arrisco num princípio.

Escolhe uma janela e mete-te dentro dela. A algum lado ela há de ir dar. 

BURANO
ALPES
VENICE
ALBUFEIRA
ÉVORA
MONTEMOR-O-NOVO
ERICEIRA
PORTO
   LISBOA

Outros trabalhos do artista aqui!

27 de julho de 2015

Socorro!! Chamada a profissionais do pedal

Mais um passeio de bicicleta e o meu rabo desfazer-se-á em pequeninos pedacinhos de carne triturada, muito parecidos com os que costumo meter na bolonhesa.
No domingo devo ter feito uns 7 ou 8 km.
A forma física vai melhorando a cada passeio. Sinto mais força nas pernas, ando mais tempo sem descansar, faço o trajecto em menos tempo e tenho aproveitado as descidas para exercitar as pernas.
Desta vez levei uma mochila pequenina com uma garrafa de água [e o telemóvel], usei uma t-hirt branca micro-perfurada, meti carradas de protetor solar, mas ainda não usei o capacete.
Uma tremenda falta de caco porque a Lagoa de Albufeira no domingo parece um vespeiro de gente e a certa altura tive de me afastar das estradas principais não fosse um maluquinho qualquer abalroar-me e acabava-se logo ali a nova-aventura numa valeta cheia de caruma, beatas fumegantes, e pinhas bicudas.
Desta decisão impuseram-se outros caminhos. A Lagoa tem muito trilho de BTT e foi exatamente o que fui experimentar para fugir à fúria dos automobilistas.
Resultado: fiquei com as mãos num estado para lá de lastimoso. O punhos são demasiado rugosos e rijos e o trilho obrigou-me a levantar o rabo do selim e a fazer mais força de braços que o normal. Hoje a coisa está melhor mas ontem não consegui pegar na gata pelo rabo.
Umas luvas, calhando comprar umas luvas não seja assim tão má ideia.
Lá em cima falava-vos do meu pior inimigo a seguir ao IVA da restauração. O selim.
O meu selim intentou numa espécie de cruzada para me tramar o befe.
E tramou.
Experimentei outros calções mais largos e ainda fiz pior. A meio do caminho ponderei abandonar a bicicleta na beira da Lagoa e seguir o resto a pé, mas o que fiz foi molhar o rabo na água salgada, e chlap chlap chalp, lá continuei pela beirinha, mais fresquinha e mais devagar.
Preciso u-r-g-e-n-t-e-m-e-n-t-e de uns calções próprios.
Preciso de um capacete que não me faça transpirar, preciso de uma coisa que me agarre as mamas às costas como se fosse um homem, e preciso de umas luvas que me deixem as mãos capazes de continuar a escrever um blog.

E também preciso de umas meias ultra fortes para não acusarem (injustamente) o V. de violência doméstica.
 


Quem ajuda aqui a pobre Uva?
Dão-se alvíssaras.
Agradecida.

24 de julho de 2015

Estamos todos inundados de preconceitos


Hoje, no DESblogue.


Sobre o tema que a beautiful-blue desfolhou aqui, muito bem desfolhado [diga-se em abono da verdade], lembrei-me logo de uma cena muito estúpida, mas mesmo muito estúpida que presenciei há dias na Toys'R'us.
Um puto que ainda não devia ter 7 anos, usava, como quem usa um boné, um alargador preto em cada orelha.
Escusado será dizer que fiquei tão mal disposta que me saltaram as molas todas e fui mesmo obrigada a meter os olhos para dentro, ao mesmo tempo que tentava esconder um grande ponto de interrogação em neon pisca-pisca que nasceu no alto da minha cabeça.
Como é possível um Universo tão imensamente inteligente conspirar para juntar duas alminhas (os paizinhos) e fazê-las concordar ao mesmo tempo e na mesma criança - um filho, um filhinho tão pequenito -, em espetar com dois alargadores nas orelhas do pequeno?
Para onde se escoo a consciência de que ao fazerem-no numa criança tão pequena violaram (em toda a linha) o seu direito à liberdade sobre o seu corpo?
Fiquei a olhar para aquela mãe, que não usava brincos ou merdas definitivas que se vissem, e quase que lá fui tocar-lhe no braço para lhe perguntar se não tinha vergonha de sujeitar assim uma criança, tão pequena, a um alargador horrendo em cada orelha, e se ela teria gostado que a mãe lhe fizesse o mesmo em pequena, mas quem sabe numa bochecha ou mesmo no clitóris.
Mas, alvejada por algo invisível e no entanto de grande potência, recuei dois passos atrás, vi o sangue nas mãos e sedei o meu impulso de lhe fazer as perguntas.
O que me alvejou foi, descobri depois, uma coisa muito estúpida: o meu preconceito social.
O meu preconceito social e a minha repulsa não surgiram perante a imagem de uma criança de brincos pretos alargadores que lhe estilhaçaram as orelhas.

Não.

O meu preconceito atuou ferozmente aqui: não tenho o direito de chamar a atenção a uma mãe que decide colocar alargadores no seu filho de 6 anos, pelo simples facto de que é socialmente reprovável, e altamente perigoso, uma pessoa estranha apontar o dedo a uma mãe em plena via pública (ou privada) sobre a educação e o uso que ela entendeu fazer do seu filho.
O meu preconceito foi igualzinho ao preconceito que perpetuou (e perpetua], durante anos sem fim, aquilo que hoje é considerado um dos maiores flagelos familiares: entre marido e mulher não se mete a colher.

Nós, os outros, não podemos meter nada, mas elas, as mães, eles, os maridos, vão metendo tudo e fazendo tudo como se, e de alguma forma, fossem livres de usar os seus objetos-pessoas como e quando lhes dá na real gana.

E é este o preconceito que mata, o preconceito-covardia.

Video YouTube: Rayan  de 10 anos colocando alargadores.

23 de julho de 2015

Da natureza, tão bonita, do meu avô

Em 1975, apaixonado, o meu avô emprestado construía na Lagoa de Albufeira uma casinha pequenina de madeira, uma cabana, um cunico, para fazer amor com a minha avó verdadeira, sem os olhares acusadores das gentes do bairro.
Mais tarde, ameaçado por um fiscal que lá aparecera à porta com o dono do terreno, resolveu comprar os dois lotes que afinal já ocupava, salvando assim a casinha, o amor, e muitos anos depois, toda uma família.
O meu avô era um homem muito astuto, e não se bastava com uma casinha qualquer no meio de um pinhal qualquer. Estou até a imaginá-lo a olhar para a Lagoa, cá do alto, perscrutando atento e decido, com o seu grande braço à volta da cintura pequena da minha avó, o sítio mais bonito para lhe oferecer.
E foi sem dúvida o mais bonito que lhe deixou.


Da minha varanda posso comprovar que a natureza é de certa forma aquilo que nos salva a todos, é efetivamente aquilo a que chamamos Deus, é o último reduto de todas as nossas esperanças.
O meu avô deixou-me, a mim, à minha avó, à minha filha, aos meus pais, ao V. e a todos os que nos visitam e que gostam de nós, um bocadinho dessa natureza, para sempre.
Por isso não entendo certas partilhas.
Por isso não entendo que filhos se degolem para vender apressadamente aquilo que lhes foi legado pelos seus pais.
A casinha no meio do nada, a grande propriedade, todas as memórias de infância, o suor e o esforço que dedicaram toda a vida para deixar um bocadinho deles inscrito na história da família, é, por assim dizer, vendido numa canastra.
Por isso já não tenho nada no meu Alentejo.
Por isso perdi o meu quintal, a minha árvore e o meu baloiço.
Mas enquanto a minha Lagoa for minha, e enquanto a minha varanda aguentar, o meu avô pode ter a certeza, absoluta, que o seu último reduto, o bocadinho de Deus que nos deixou, há-de ser naquele mesmo sítio onde outrora, laçou um amor pela cintura.

22 de julho de 2015

Da grande perda

A morte.
Essa grande filha da puta, sugadora da alegria, da esperança, da cor dos dias, das estações.
A morte.
Essa grande filha da puta que nos envolve e nos aperta, que nos desmonta e desconcerta, essa alarve que nos fixa num ponto negro parado, escuro, quando tudo à nossa volta gira, rodopia, ri, salta, vive e nós ali, presos na dor, na perplexidade de nós próprios quietos, cheio de braços que não abraçam, cheios de beijos que não beijam, cheios de amor sem objecto.
A perda total do objecto do amor e, ao mesmo tempo, do amor do objecto. A neurose e a psicose em confronto. O silêncio e o ruído. O amor e a fúria. O supremo da dor e a paraplegia do corpo.
A morte.
Essa grande filha da puta.
Hoje marejam-me os olhos por aquela mãe. Por aquele pai.
Hoje sou mãe com todas as minhas forças, hoje sou também aquela mãe e não quero ser, não quero ver, não sou capaz.
Sou incapaz.
Desculpem-me.
As palavras fundem-se no quente das lágrimas. As palavras são lágrimas.
As lágrimas são agora e para sempre, as minhas palavras.

21 de julho de 2015

As coisas não são sempre más

Uma das minhas características mais vincadas não é a tristeza. Nunca foi.
A minha tristeza não mora cá; visita-me pontualmente quando alguém se arma em parvo comigo, ou quando eu me armo em parva com alguém, mas nunca vem para ficar. É como o nevoeiro que teima em estragar a manhã mas que sucumbe covardemente ao sol do meio dia.
Eu sei muito bem como meter a tristeza a andar para não andar com a tristeza.
E mais uma vez aquilo que aos olhos de muitos parece uma grande maçada, uma pena, ou uma grande ajuda, soube eu, aguçando o engenho, transformar em coisa boa.
A falta de um irmão ensinou-me a fazer muitas coisas sozinha, especialmente a falar sozinha.
Falo muito sozinha para espantar a tristeza.
Chega a ser cómico porque lá em casa somos 3 + 1, sendo que o outro sou outra vez eu.
Este outro eu é o meu irmão mais velho. Diz-me coisas engraçadas e às vezes também me faz chorar.
Tal e qual os irmãos quando se zangam ou quando brincam alegres a qualquer coisa parva.
A opinião dos outros é sempre uma terceira opinião e é apenas pedida quando eu e o meu mano mais velho encalham na indecisão.
Tenho feito grandes coisas na companhia de mim mesma. No fim de semana andava triste e fiz-lhe uma pergunta muito séria: o que farias se estivesses triste? Ora, se calhar dava uma volta na bicicleta que ainda não vendeste e sempre vias as ruas novas que andaram a arranjar.
Olha, és capaz de ter razão - respondi entusiasmada. Sempre gostaste de andar de bicicleta, e lembraste, dos grandes passeios que fazíamos por essas estradas de terra batida?
Lembro-me muito bem.
E por me lembrar tão bem é que desde que tirei a bicicleta do sótão nunca mais a larguei, e tenho dado, e parece incrível, passeios tão bons e tão especialmente (re)construtivos, que já comprámos uma segunda bicicleta (para a ML) e já tenho um boné (que nunca tive um boné nos dias da minha vida), uma t-shirt que dá para meter garrafas de água nas costas e um rabo bastante mais robusto.
Quem tem um irmão tem tudo.
Quem tem uma Lagoa de Albufeira não pode querer mais nada.










20 de julho de 2015

As coisas que a Uva descobre

Poderia dizer-vos inusitadamente mas estaria a mentir.
Tudo aquilo que descobri nestes dias de ausência, já há muito que foi inventado.
Está tudo nos livros, não é mistério nenhum.
Todos sabemos (e eu melhor que ninguém) que o trabalho pode mesmo matar-nos.
Não é literalmente, não é de repente aparecer o trabalho ataviado com um chapéu de cowboy e duas pistolas nas ancas e pum pum, dar-nos dois tiros certeiros, um na testa e outro no coração, e deixar-nos mortos, ou pior, no estertor da morte, dando voltas à cabeça furada, perguntando porquê eu?
Não é assim, mas pode ser igualmente violento.
Pode ser igualmente filho da puta.
A minha avó dizia-me muitas vezes que tudo o que é demais é moléstia e é exatamente assim que me sinto.
Molestada.
Sinto-me invadida, torturada, humilhada.
Sinto-me uma espécie de mulher batita, violentada, que a cada dia se sujeita a um destino que não lhe estava prometido, que a cada dia cumpre uma lição de vida, a paga das coisas que fez sem as querer fazer.  
É a paga por teres querido ser sempre a melhor.
É a paga por teres querido fazer sempre bem.
É a paga por vestires a tua e todas as camisolas que encontras espalhadas pelo chão, pisadas, enegrecidas, esquecidas. Vestes as camisolas que não são tuas. Carregas às costas as roupagens dos outros, assumindo a nudez de toda a gente.

Mas por agora chega.
Agora não quero mais.
Travão a fundo nisto de me matar a trabalhar carregada de roupa suja, que não é a minha.
Cada um que lave a sua roupa, que cosa os seu buracos, que alinhe os seus botões.
Afinal, e aos poucos, vai-se lavando umas peças, arrumando outras, engomando várias, e depois, quanto todo aquele monte nojento nos cai em cima, que cai, já não temos força para nos levantarmos, para nos arvorarmos.
E se for preciso ainda vão lá acalcar a montanha, para ver se lá põem mais um imundo trapinho.

17 de julho de 2015

Sem casas não há ruas (José Saramago)

Ontem, no DESblogue.

(Olá pessoas. Olá Uva. Cá estamos, sem rumo, mas caminhando.)


Ouvi dizer.
Sem casas não há caminhos.
É tudo terreno baldio.
Podemos até fazer um carreiro, uma vereda, um trilho, mas sem casas tudo se desvanece, tudo se confunde.
Não sei se estou no meio, se estou na margem, se estou no caminho certo, porque sem casas não há ruas, não há gente, não há nada.
E é neste preciso estado que me encontro, deprimida, num baixo relevo, sem comentários a aguardar moderação.
Ouvi dizer.
Sem gente não há verão, nem calor, nem procissão.
Mas és livre, oiço dizer.
A quem? Quem fala? Quem vê?
Não tenho casa, nem janelas.
Estou perdida.
No meio do nada.

Quem me dera, agora, ser uma Uva Passa, onde tudo passa.
Mas sem casas não há ruas.
Ninguém passa, a não ser um tempo onde nada se constrói.
Nem casas, nem uvas, e nem nada.


Hoje não é o meu dia de escrever no Desblogue.
Foi ontem, acho.
Desculpem esta cobardia, este Desnorte, este Desmerecer.
Não fui capaz de construir nada para mim, não fui capaz de escrever nada para ninguém.
Não fui sequer capaz de escrever e tem graça.
Tem graça como é que um único filho da puta, nos destrói assim os caminhos.
Só por nos prender.
Em casa.
Mas isto passa.
Ai passa.







Metaphorical illustrations by Nick Sadek, from Illinois, U.S.
Nick Sadek is a dedicated and passionate illustrator and designer. He received both his B.F.A and M.F.A in illustration from the Savannah College of Art and Design in Savannah, Georgia. His illustrations have been recognized by groups like Applied Arts Magazine and The Society of Illustrators in Los Angeles. He currently lives and works in Downers Grove, Illinois.

11 de julho de 2015

Sou muita fina, eu.

Quanto vale uma Uva?
Vale muito dizem vocês, que sabem bem de que massa é feita esta Uva que vos escreve.
Mas o que vossemecês não sabem é que uma uva, uma única uva, assim em pingolim, graveto, pilim, vale qualquer coisa como 277,00€. Cada. 
Um único cacho de uvas rendeu 7 000,00€ em leilão. Não acreditais?
Pois conto-vos eu que um chef mandou pagar 277 euros por cada uva. 
Ahh bom.
Num leilão realizado no Japão, um cacho da casta Ruby Roman (a mais cara variedade de uvas de mesa do mundo) foi vendido por um milhão de ienes. São mais de 7000 euros por 26 bagos, o que dá um custo de 277,00€ por uva.
No leilão, o chef de cozinha bateu a concorrência ao oferecer um milhão de ienes, tendo explicado que recebeu ordens para arrematar o cacho a qualquer preço. 
A qualquer preço!!
A licitação esteve perto de duplicar o recorde do ano passado, quando um cacho foi vendido por cerca de 550 ienes. 
Parece um desperdício, mas é um investimento que pode compensar. 
Sobretudo se não for mijona.

Para o ano já sabeis onde me encontrar.
Fechada em casa, escondida dos japas!
Onde é que já se viu. 277,00€....
Miseráveis.

10 de julho de 2015

Branco Institucional

INSTITUIÇÃO:

Criação.
Fundação.
Estabelecimento.
Começo.
Surto.
Vinda.
Educação.
Invenção.
Obra.
Escola.
Doutrina.
Sistema.
Colónia.
Negócio.
Possessão.

O ser humano é um ser de instintos e pulsões, que nasce aberto para o mundo. 
É um ser de múltiplas e estranhas carências, e tem por isso uma necessidade crónica de instituições.
Não só tem a necessidade de pertença, como tem a necessidade de criação, isto é, a necessidade de fazer parte de uma instituição, que o acolhe, domina, concerta e possui, é na mesma proporção da necessidade de criar instituições para acolher, dominar, concertar e possuir.
As instituições tem como função estabilizar e orientar o agir humano, as ações humanas, os impulsos humanos, e logo, a Liberdade humana, sendo assim, e em última instância, é um mecanismo de substituição dos instintos e pulsões dos quais nos "libertamos". 
Neste muito lato sentido, as instituições proporcionam aos indivíduos a possibilidade de descarga das tensões não humanizadas, colocando-os numa espécie de sistema concertado, numa espécie de colónia formal, do tipo carreiro, possuídas e imbuídas pelas normas vigentes de uma qualquer ideologia política em voga por altura da sua passagem pelo mundo.
As instituições são o escopro e são a obra de toda a Humanidade.


Karolina Kurkova and Crystal Renn star in the story ‘Institutional White’, photographed by Steven Klein and styled by Ludivine Poiblanc for the March 2012 issue of Interview magazine.









 


9 de julho de 2015

E agora deixem-me ser uma mãe babada.

ML tem 8 anos. 
Faz os 9 no finalzinho de novembro.
Sim, é escorpião e também tem o rabo alçado.
Pensava eu, até ontem, que a menina era uma espécie de intelectual, muito inteligente, perspicaz, que valorizava muito mais o recolhimento do lar mãe vamos para a nossa casinha?, para ler, para estudar, para fazer incontáveis construções Lego, desenhos, estruturas e esquemas de dança, ao invés de ser uma menina-rapaz, como eu, que aprendi a nadar antes de aprender a andar, que aprendi a fazer a roda, o flic e a espargata antes de aprender a ler, e que voava nuns patins de 4 rodas como se me tivessem nascido umas asas nas costas e coisas parvas na cabeça. 
ML nunca se interessou por ginástica, por natação, por corrida, por ténis, por nada que a obrigasse a mexer o rabo, além do absolutamente necessário para se levantar da cama.
Mas a ML é também um bocadinho minha. Começada e não acabada.
É uma rapariguinha que desponta a cada dia para a novidade da vida.

Nisa 07.2015

Parabéns meu amor.
A mamã fica muito contente que tenhas finalmente aprendido a andar de bicicleta.
E que sintas na tua carinha o vento da liberdade e da alegria de teres conquistado este difícil mas muito prazeroso obstáculo. Foste muito valente.
Agora podemos pedalar em frente, em todos os terrenos, desbravando os caminhos, ora sem pernas, ora sem mãos, ora sem dentes.
A mamã vai ensinar-te que tudo o que conquistamos também faz doer às vezes, mas é tão bom.
Tão bom como ver-te crescer.
E tu estás tão crescida.

Os bloggers e os outros


Os bloggers são seres extraordinários.
Diz a minha querida Palmier, que todos os bloggers são extremamente invejados.
Claro que são, pois como não haviam de ser se tudo o que dizem é lei, se tudo o que postam se transforma eu ouro, em riqueza, em status.
Olhem para mim, riquíssima.
Os bloggers vieram ao mundo para mostrar o caminho, para dar vida e alegria às vidas amofinadas dos outros, tristes coitados, incultos, cegos e tesos, que nada saberiam, de nada quereriam saber se bloggers extraordinárias não vogassem pela savana, quais leões alfa, lançando para o ar o esguicho supremo da territorialidade, da inteligência e da superioridade física. Ámen!
Desconfio mesmo que o próprio Moisés era um blogger-in-progress, desses que arrastam multidões e salvam os povos das terríveis trevas, da absoluta miséria, da completa infelicidade.
De Moisés descendem as melhores bloggers da atualidade, das sandálias de Moisés descendem os melhores sapatos da atualidade, do manto de Moisés descendem as melhores toalhas de praia da atualidade, do sovaco de Moisés descende o melhor perfume da atualidade, das unhacas de Moisés descendem os melhores vernizes e unhas de gel da atualidade e da barba de Moisés descendem todos os pêlos da atualidade, combatidos com as mais rigorosas técnicas depilatórias com descontos do além, das melhores esteticistas da atualidade. Ámen!
Tudo descende, especialmente os bloggers-que-também-são-apresentadores, desse grande homem que foi Moisés. O grande libertador.
Foi Moisés que disse: amamentai agora e sempre e até à hora dos putos irem para a primária, porque eu também amamentei. Ámen!
Escondei-vos atrás de um fato-banho-saca-de-batata, ou então comam já esta mistela tão boa que eu adooooooroooooo e que também consumo vai para dois anos. Amén.
Riam-se das minhas piadas nojentas, mas absolutamente irónicas, e sigam-me cegamente no Twiter, Facebook e Instangram, porque eu só digo absolutas alarvidades, mas sou humorista. Amén.
Os bloggers são seres superlativos, extraordinários, maravilhosos e perfeitos. E apresentadores.
Foi Moisés que o disse, e o que ele diz é lei, e a lei é para se cumprir, que ´só o que eu digo faz sentido, só o que eu uso é permitido e só o que eu digo pode ser ouvido'.
Moisés é o pai da blogosfera, Moisés é o pai da comunicação social, Moisés é o pai da religião, Moisés é o pai do medo, é a política, a ignorância e a submissão.

Moisés é uma superlativa, extraordinária, maravilhosa e perfeita... fraude. Ámen.

O meu pai não é Moisés.
Eu sou filha da Liberdade, do livre arbítrio e da desconfiança.
Ámen.

Muito bem Bad!

Muito bem.
E olha que eu até gosto do João Quadros.