20 de julho de 2015

As coisas que a Uva descobre

Poderia dizer-vos inusitadamente mas estaria a mentir.
Tudo aquilo que descobri nestes dias de ausência, já há muito que foi inventado.
Está tudo nos livros, não é mistério nenhum.
Todos sabemos (e eu melhor que ninguém) que o trabalho pode mesmo matar-nos.
Não é literalmente, não é de repente aparecer o trabalho ataviado com um chapéu de cowboy e duas pistolas nas ancas e pum pum, dar-nos dois tiros certeiros, um na testa e outro no coração, e deixar-nos mortos, ou pior, no estertor da morte, dando voltas à cabeça furada, perguntando porquê eu?
Não é assim, mas pode ser igualmente violento.
Pode ser igualmente filho da puta.
A minha avó dizia-me muitas vezes que tudo o que é demais é moléstia e é exatamente assim que me sinto.
Molestada.
Sinto-me invadida, torturada, humilhada.
Sinto-me uma espécie de mulher batita, violentada, que a cada dia se sujeita a um destino que não lhe estava prometido, que a cada dia cumpre uma lição de vida, a paga das coisas que fez sem as querer fazer.  
É a paga por teres querido ser sempre a melhor.
É a paga por teres querido fazer sempre bem.
É a paga por vestires a tua e todas as camisolas que encontras espalhadas pelo chão, pisadas, enegrecidas, esquecidas. Vestes as camisolas que não são tuas. Carregas às costas as roupagens dos outros, assumindo a nudez de toda a gente.

Mas por agora chega.
Agora não quero mais.
Travão a fundo nisto de me matar a trabalhar carregada de roupa suja, que não é a minha.
Cada um que lave a sua roupa, que cosa os seu buracos, que alinhe os seus botões.
Afinal, e aos poucos, vai-se lavando umas peças, arrumando outras, engomando várias, e depois, quanto todo aquele monte nojento nos cai em cima, que cai, já não temos força para nos levantarmos, para nos arvorarmos.
E se for preciso ainda vão lá acalcar a montanha, para ver se lá põem mais um imundo trapinho.

7 comentários:

  1. Não sei se te ajudo, mas certas situações são um verdadeiro abre-olhos para quem as passa. Por muito que uma pessoa faça, haverá sempre alguém que colhe os louros e ainda te deixa numa situação pior, se puder. Aconteceu-me. Um abraço virtual cheio de força para ti.

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  2. Uva, hoje sinto-me exactamente como tu. Expressaste tão bem o que sinto que só me apetece dar-te um beijinho.

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  3. Há momentos em que vemos tudo com maior clarividência e, das duas uma, ou fingimos estar cegos, ou reagimos.

    Um beijo, Uvinha. :)

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  4. Querida Uva Passa,
    Não sei se bastará esse basta. Aliás, não creio que baste. Acordar um dia e pensar que vai deixar de se importar como tem importado estará ao nível de alterar, mais do que um hábito, uma forma de estar que é uma maneira de ser. Criar distâncias e desligar do trabalho quando está em família parece-me ser de valor. Agora, deixar de querer "fazer bem sem olhar a quem" será indesejável e, no seu caso, quero crer, impossível. Do que lhe leio, diria que nunca deixará de vestir a camisola daqueles que, em consciência, entender que precisam de ajuda. Apesar disto, não desvalorizo a frustração de quem não recebe o reconhecimento devido. De facto, há coisas que não se pagam, mas agradecem-se.
    Arvore-se em boa.
    Um beijo,
    Outro Ente.

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  5. Vale um texto pela ambiguidade, pelas diferentes leituras permitidas...

    Razão tinha a sua avó, e não só... quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele... e é confrangedor passar o dia a lavar roupa suja...

    Moral: fique firme, não fuja

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  6. Há conclusões que à força de bordoadas daqui e dali se vão tirando, a questão é que há coisas que nos estão na massa do sangue e por mais conclusões, por mais lições e por mais bastas, acabam sempre por voltar a acontecer. Espero que não seja o caso. Beijinho Uva

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  7. Espero q n sejas desta mm raça (miserável) q eu. Mas sabes o q é pior...falo, reclamo, indigno-me, farto-me, mas depois, qd dou por mim, acabo a vestir a pu** da camisola outra vez :( há quem diga q é o brio profissional. Eu digo só q sou parva...

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