31 de março de 2014

Carecas a abanar o capacete

 
 
Bastou um jantar com três carecas assumidos, para a conversa derrapar para a história do capacete que faz nascer novos cabelos.
É sabido, pelo menos cá no burgo, que a calvisse galopante dos jovens machos latinos preocupa sobremaneira os próprios e deixa, por analogia, toda a plateia de cabelos em pé.
O tema tornou-se recorrente e acho mesmo, que se antigamente os homens se juntavam para jogar PES ou Póker, agora se juntam para falar das últimas novidades do mercado farmacêutico no que concerne à perda de cabelo.
E tudo o que vem à rede é peixe. Se é para voltar a ter uma farta cabeleira, jasus! que até comprimidos para a próstata estão dispostos a tomar, mesmo que só tenham 35 anos.  Isso e uma panóplia de produtos, que passaram a morar na minha casa, só comparável ao corredor dos shampoos do Continente . 
Vejo-me assim envolvida na loucura dos carecas desde que descobrimos (eu e o homem lá de casa), que a sua farta floresta capilar, pela qual me apaixonei perdidamente, se transformou numa estepe árida e seca.
Quando o processo de luta contra a queda de cabelo começou, eu ainda tinha o meu avô vivo. O meu avô usava uma mezinha estranhíssima, dizia ele que era tiro e queda  crescimento certo dos cabelos em fuga. Juntava então, dentro de um frasquinho de vidro, água oxigenada e tintura de iodo. Todas as manhãs de segunda feira, besuntava a careca com aquela mistela cor de laranja fogo, e assim se passeava pela terra, com a maior das naturalidades.  Passou-se um certo tempo, e a realidade é que o meu avô que estava a ficar com umas entradas bastante visíveis, começou a ficar menos careca e via-se a olho nu o nascimento de novos cabelos. E era um grande orgulho para ele, e para nós, verificar o sucesso da sua própria invenção.
Só mais tarde, depois de uma consulta no dermatologista e de uma conversa informal com um amigo também afetado, é que descobrimos que o meu avô tomava um medicamento para a próstata, o famoso Próscar, e que na verdade era esse medicamento que lhe fazia nascer o cabelo. O meu avô não chegou a saber desta descoberta, e quando morreu, foi totalmente convencido de que tinha encontrado a pedra filosofal dos carecas.
A fase seguinte foi obviamente o Próscar. De todos os homens carecas que conheço, não há um único que não tenha tomado o medicamento. Acontece que os efeitos colaterais são imensos e a partir de um certo tempo, o tratamento deve ser descontinuado, e isso significa nova perda de cabelo. Depois desse produto, milhares de outros se seguiram, tudo perda de tempo e dinheiro.
Mas como tudo o que luz, é uma espécie de ouro, a cada dia que passa surgem novas técnicas para salvar os jovens machos da calvice certa, e de resto, o implante tem sido a escolha de uma franja já bastante significativa de rapazes calvos, que segundo consta, tem dado bastante resultado e feito muitos homens felizes.
Acontece que a cirurgia para o implante obriga a um recolhimento de mais de 2 semanas em casa, e claro está, obriga a rapar a cabeça, mas é sobretudo o preço, os cerca de 3 000,00€ que custa o tratamento, que afasta a maioria dos pretendentes. Talvez por isso, a procura por técnicas mais baratas continue insessante, e desta procura surgiu o extraordinário CAPACETE , que promete revolucionar a vida dos carecas.
Pois então.
Parece que o capacete permite aumentar o ciclo de produção de cabelos que naturalmente se perdem dos folículos, e que tendencialmente preguiçam para nascer novamente e acabam por nunca mais nascer. O capacete é caro, mas há hipóteses de se comprar a meias com os amigos  já que o tratamente é só de 6 meses.
Não existe em Portugal, mas nos EUA instalou-se a loucura. Parece que resulta mesmo.
Não sei se é dos carecas que elas gostam mais, mas eu gostava muito de ver o homem lá de casa parar de encher a dispensa com produtos que definitivamente não resultam, e deixar de o ver cada vez mais desanimado.
Bem sei que o desespero toma conta das cabeças pessoas e a partir de certa altura agarram-se a tudo, e o que não falta são pessoas a aproveitarem-se disso, mas às tantas Wy Not??

Podem ver o video aqui!
 

27 de março de 2014

Eu também quero ser...

ALPINISTA SOCIAL!
 

- Alpinista Social?
- Sim, e olha que é um grande investimento.
- Ai sim, então conta lá. Estou a precisar de up-grade na minha vida profissonal.
 
Começa bem. Não é dificil entrar no curso e a média de entrada é simples: 86–60-86.
86 na anca, 60 de QI, 86 de peito. Nem é precio estudar muito para passar nos pré-requisitos. Se conseguires conjugar a farta cabeleira a um curso de formação em unhas de gel ou extensões de cabelo, tens a parte mais dificil feita. Depois só precisas de treinar o passo em cima dos andarilhos de sola vermelha. Se conseguires fazer um evento inteiro sem te esbardalhares no chão, tens pelo menos o 1º semestre garantido.
A maior parte das aulas é ao ar livre. Alternas entre esplanadas, festas à beira rio e jardins de residências particulares. Neste aspeto o inverno é pior, já que o curso obriga a pouca roupa.
Só depois das cadeiras teóricas é que se passa para as aulas práticas indoor. Estas aulas são sobretudo dentro de bólides de grande celindrada, (que já não têm travão-de-mão para atrapalhar a matéria), ou em hotés de 7 estrelas (das normais) e três cabeças de alho estrelas  michelin.  
A especialização com mais saída é "Alpinismo Desportista", ou seja, jogadores da bola. Este nicho de mercado é de fácil angariação já que andam todos a apanhar... bolas. As vantagens em investir neste público alvo vão muito além da compensação monetária, já que os constantes estágios, treinos, viagens e reuniões para jogar PES, deixam-lhes pouco tempo para vidas familiares aborrecidas, e em compensação muito espaço de manobra para subires a outras montanhas. No final da especialização, o nome do titulo académico é 'Licenciatura em Maria-Chuteira'. Esta vertente de ensino dá também para trabalhar com os árbitros principais ou com os fiscais de linha, coisa que, se antigamente não valia um chavo, hoje em dia, até o apito é doirado.
Para a especialização em Treinadores, investe-se um bocadinho mais, mas sendo a recompensa final de alguma monta, estudar mais dois ou três meses é peaneurs
Também há especialização em Chefs de Cozinha. As aulas são todas naqueles hotéis lá de cima, sobretudo as práticas. O único senão é que o público alvo vive enfiado nas cozinhas e a grande maioria não vê 'as partes' à demasiado tempo, pelo que a vertente de ensino, ou é em Chefs de nova geração, tipo Avillez, ou então, se nos calha um pançudo, corremos o risco de ficarmos esborrachadas lá debaixo, como um alho no almofariz.
Decisão tomada ao nível da licenciatura, é só fazer a matrícula com um nome sonante.
Podes usar o nome original, mas não chega. Cinco é pouco, talvez uns quinze de enfiada dê mais elan. Sim, porque nestes casos o que interessa é fazer número e passar no mínimo 20 minutos a dizer o nome.  Na fase da 1ª entrevista com o desgraçado escolhido, ajuda bastante a passar o tempo.  Foge-se ao  desenvolvimento de outros temas, nomeadamente culturais, o que para o caso não interessa nada, e passa-se logo à acção. Agora, se os queres ver felizes, é levá-los a churrascos com amigos, onde jogam à bola descalços, a discotecas em Alcochete, ou a visitar 'standéres' de carros desportivos, logo é nisso que deves investir.
- Caramba! E quando é que me posso inscrever?
- O mercado de Inverno está fechado. Depois das competições mais importantes, tens mais chance de entrar. É nesta altura que eles voltam a casa e descobrem que as chuteiras que lá tinham, andavam a jogar noutros campeonatos... 
- Pois... e já agora, aquela lá em cima, na foto, não é uma cabra alpinista?
- É .... não é isso que são todas?

Mulher que se preza,
ajoelha e reza,
Para ser a alpinista social.
 

25 de março de 2014

As uvas também prescrevem?

Sim, prescrevem. O que aconteceu ao Jardim Gonçalves comigo, repentina e irreversivelmente, pode facilmente ser comparado a um vulgar cheque careca, a um pneu careca ou mesmo a um homem careca.
Não que eu tenha ficado repentinamente com falta de pelo na venta, mas parece-me que estes exemplos, chegando a uma certa altura da vida, tal como eu cheguei por estes dias, me parecem de fácil comparação, ainda mais se for com a minha pessoa.
Senão vejamos:
Não passo de um cheque careca. No início todos me tomam à séria, creem mais na forma do números,  do que no conteúdo (da conta), e eu avanço com grande firmeza, cheia de números à direita, com umas oito ou nove casas decimais e um extenso de fazer cantar um galo. Assim de longe, e a olho nu, sou um cheque das arábias, do Dubai, mas se alguém se detém na perfeição da assinatura ou na rugosidade do papel, é certo como o destino: bato na trave e fico sem cobertura, e o chorudo cheque passa logo da validade.
Comparo-me também a um pneu careca, e tenho tirado interessantes ilações sobre este tema. Se por um lado sou uma rapariga rodada madura, com anos de experiência na estrada (da vida), basta aparecer a chuva ou ficar geada e é despiste na certa. 
Metam-me umas quantas horas em cima do tejadilho, especialmente depois do expediente, e ficam logo a perceber a fraqueza do motor. É como se me enrolassem umas correntes de neve à volta das pernas; fico estática no mesmo lugar, a derrapar e a fazer fumo. Aliás, fumo é o que mais me aparece por estes dias, já que fogo que é bom, nem vê-lo.   
E com tudo isto, cheguei a uma triste conclusão: até um homem careca tem mais nichos de mercado que eu, pois se formos pelo que o povo diz, é dos carecas  que elas gostam mais* e apesar de eu própria, ser bastante careca e nem sequer na zona axial me nascerem cabelos, era de uma tremenda injustiça querer comparar-me a um homem que teve, lá no passado, uma farta cabeleira. Comigo nunca aconteceu. Tive sempre (só) três cabelos com raízes, e ultimamente já só tenho as raízes.
Áhhh e tal, estás ótima, pareces a minha tia mais nova...o tanas, que
 eu bem sei que toda a gente ninguém vê a minha papada, e que ignoram os abanicos que me nasceram nos antebraços. Isto, já para não falar nos 3 (rios) riscos que ocupam toda a minha testa ou nos joanetes salientes que mais parecem um sexto dedo a fazer esquadria.
A verdade é esta, nua e requentada crua. 
Prescrevi!
Quem é que quer uma uva recauchutada? E quem é que se mete com uma mulher que se deita (a dormir ferrada) nas curvas?
E o pior nem é isso. O pior é saber que por esta altura, já não há recurso que me salve.
Nesse aspeto sinto-me um pouco melhor que o Jardim Gonçalves.
Ainda não cheguei a bagaço...
Mas já não deve faltar muito.
 
* duvido que sejam esses carecas que elas mais gostam, mas é preciso manter um certo nível....

23 de março de 2014

Penso, logo transmito: O carácter.

O carácter é para mim, de todas as características, aquela que mais salienta um ser humano da multidão.
Não existem pessoas sem caráter, o indivíduo sendo um todo de diversas partes, possui várias características que se juntam para compor o carácter geral.
Reconheço, no entanto, que as pessoas com características positivas, como por exemplo, a humildade mais vincada, uma preocupação maior com o outro, ou as que se colocam na dianteira da resolução apaziguadora de conflitos, são aquelas cujo carater mais se exacerba; em detrimento dos egoístas, invejosos e conflituosos, que são estigmatizadas e catalogadas como "sem carácter" ou mau carácter.
Para mim, o que caracteriza um ser humano quanto ao seu caratér, bom ou mau, fica aqui nesta minha conclusão:
 
É a forma como um individuo trata outro indivíduo, grupo ou instituição,
sabendo de antemão que este(s) não lhe vai trazer benefício algum, que melhor define o seu carácter .
 
Todo e qualquer ser humano que aja por oportunismo, egoísmo, inveja ou poder, compromete a parte mais importante do seu todo individual, inquinando o carácter irreversivelmente, já que as quatro características que atrás elenquei, são características não caducas, ou seja, são  perenes, que uma vez enraizadas no sujeito, só podem ser arrancadas à força...
... pela morte.

22 de março de 2014

Discurso (SNAS)

Pois é.
Há alturas na vida, em que uma Uva não pode voltar as costas à responsabilidade. Foi o que aconteceu hoje.
Fui convidada (com muito gosto) para escrever e proferir o discurso de abertura do novo SNAS (Sindicato Nacional dos Assistentes Sociais), que teve lugar em Oeiras, na presença de muitas personalidades, mas sobretudo da equipa que fez acontecer este ambicioso projeto, do qual muito me orgulho de fazer parte, muito embora já não esteja ao serviço da profissão. 
Deixo-vos o texto que escrevi para a ocasião, e que li (obviamente uma Uva Passa já não consegue decorar duas palavras seguidas, quanto mais duas folhas) e que todos ouviram embevecidos e com grande interesse.
Suponho que vocês também hão de querer ler, até para ver como se faz.. cof cof cof cof...
Foi assim:
Oeiras, 22 de março de 2014

Excelência, Senhor Presidente da Câmara Municipal de Oeiras,
Senhoras e Senhores,
Colegas e Amigos.

Quero agradecer antes de mais, a presença e o empenho de todos aqueles que aqui estão hoje, bem com àqueles, que não podendo estar, imprimiram a este ambicioso projecto um importante cunho e uma identidade que espero vá muito além daquilo que são as nossas expectativas.
Estamos aqui hoje, para a inauguração da sede deste que é o novo Sindicato dos Assistentes Sociais, o SNAS, do qual muito me orgulho de fazer parte e do qual espero longa vida e frutuosos resultados, tanto para a classe que aqui é representada, como para a comunidade alvo da intervenção destes profissionais, que sentindo-se protegidos por este novo órgão, que os defende e os apoia nas diferentes esferas do seu desenvolvimento e crescimento profissional, melhor os prepara para enfrentar a difícil fase que todos sabemos atravessar, resultando deste apoio, uma melhor e mais proveitosa intervenção na sociedade dos quais os Assistentes Sociais são um importante e indispensável ator.
O SNAS nasce, quando um movimento de profissionais, que em virtude da extinção do antigo Sindicato que viu a actividade de quase 60 anos extinguir-se por dificuldades de sustentação e outras que no final ditaram o seu termo, percebeu que a inexistência de um órgão defensor dos direitos e deveres da classe profissional, se agigantava de forma desordeira no terreno, e nas oportunidades de trabalho, criando competição sem fundamento entre classes profissionais díspares na sua acção, a usurpação da entidade profissional dos Assistentes Sociais por profissões de ideologia meramente técnica e de rasgo principalmente formativo, ou ainda, tendo a clara percepção da degradação das condições do trabalho, de remuneração, contratuais e éticas, que a crise veio impor sobremaneira a todas as classes profissionais, sobretudo às classe ditas de intervenção social. Entendeu por isso este movimento de profissionais, fundar o Sindicato Nacional dos Assistentes Sociais, o que veio a acontecer em 22 de Maio de 2013, com a publicação na mesma data, dos Estatutos no Boletim do Trabalho e do Emprego.
Este novo projecto, que ambiciona não só a regulação da profissão, a resolução de conflitos laborais e a formação dos profissionais nas diversas áreas em que atua, está também interessado em acabar com anos de desunião e afastamento dos Assistentes Sociais nos assuntos da sua área comum de trabalho, apelando por todos e quaisquer meios que lhe estiverem ao alcance, para uma maior participação e união de todos.
Este espaço, juntamente com a página do Facebook, o futuro site, e outros meios de comunicação, servirão para unir e dar força a uma profissão com mais de 100 anos em Portugal e que apoia um número indeterminado de famílias, indivíduos, organizações e outros grupos sociais, com manifesto crescimento territorial.
Espero que este início que aqui presenciamos hoje, e que pode parecer um pequeno passo para o novo SNAS, seja um grande passo para todos os Assistentes Sociais em acção ou em formação, e que seja sobretudo uma forma de manter viva a paixão que a todos aqui nos trouxe, independentemente das profissões e papeis que desempenham agora na sociedade civil. As pessoas.
Quero pois agradecer este apoio, esta oportunidade e este espaço, a todos os presentes, nomeadamente, ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Sr. Dr. Paulo Vistas, ao Senhor Vice Presidente da Câmara Municipal de Oeiras Carlos Morgado, à Senhora Vereadora do pelouro da Acção Social, Senhora Professora Doutora Marlene Rodrigues, a todo o executivo da Câmara Municipal, e ainda à Senhora Dra. Ana Marques, Assistente Social, por todo o empenho e dedicação que imprimiu a este projeto.
Agradeço ainda à Comissão Instaladora do SNAS, com especial relevância ao Sr. Dr. Luís Matias, Assistente Social, a quem muito agradeço o convite para estar aqui hoje e que me convidou para fazer parte deste projeto.

A todos, muito obrigada.
Por: A Uva Passa
Assistente Social e Membro da Comissão Instaladora do SNAS

FOI LINDO!


21 de março de 2014

A SUPER SECRETÁRIA!

Pergunta de partida: O que faz uma licenciada, pós-graduada, letrada, sobredotada e altamente focada, numa 6ª feira de trabalho?

Pois é Uva, se calha ao teu pai (que andou a pagar-te os estudos até lhe caírem os dentes) saber o que andas a fazer com a tua vida profissional, dava-lhe uma síncope, mas uma síncope de jeito, daquelas que não se curam com sais de fruto, daquelas valentes, que dão direito a um longo internamento na casinha amarela.
Sim, porque ele pensa que tu és uma grande senhora doutora das secretárias, que tu és aquela que passa nos corredores, altiva, esguia, enfiada numa camisa branca e saia preta travada, olhando tudo e todos através dos teus óculos pretos de massa, debitando ordens para os gabinetes, apoiada numa pasta azul com logotipo. Ele pensa que tu és A secretária da grande Administração, do Conselho e do Consórcio, de Portugal e da Ibéria, e que a Administração é um grande grupo de intelectuais de gabarito, todos de grande inteligência e saber, milionários excêntricos das capas da Forbes. Ele pensa que tua Sociedade é o píncaro das Sociedades, um exemplo imaculado do fisco, onde a faturação mensal anda ali na roda dos milhões de milhar, e onde tu, como grande governanta do grupo, debitas para a geral, o teu sensato conhecimento e enorme experiência... apesar da tenra idade.
Ele pensa que és também tu, quem decide sobre as operações da bolsa, onde a tua empresa joga balúrdios e ganha balúrdios, sem sequer saber o que é uma ação, porque tu sabes tudo isso e muito mais. Sim, Uva, o teu pobre pai, pensa que tu  tens a teus pés todo um secretariado, e ainda o departamento inteiro dos contabilistas, economistas, engenheiros, arquitetos e até a cozinheira do restaurante do Avilez, e tens também a teu exclusivo cargo, obviamente, todo um grupo de rececionistas e estafetas e senhoras da limpeza, e que controlas a grande frota automóvel, que conta com mais e 100 viaturas, algumas de grande cilindrada, e que és tu quem faz sozinha em reuniões secretas, as parcerias com as gasolineiras, que diariamente te imploram a compra do seu produto.
O teu pai, Uva, pensa que tu és dona e senhora de todo um harém de Administradores, COE, CEO, COO, CEE, CFC, CFF, SIS, BIS,  e outros senhores de bigode,  que a teus pés se ajoelham e imploram a cada passo, a tua considerada atenção. Sim, ele pensa que tu dominas, porque tu és a grande assessora, o braço direito, o esquerdo, a perna e o pé, e sem ti nada se faz porque tu deténs em exclusivo as chaves de todos os departamentos, controlas os salários, as faltas e as doenças, conheces de todos e de cada um, os problemas sociais, pessoais e sexuais, e sabes das contas na Suíça, no Dubai, nas Ilhas Caimão, e algumas no BCP, sobretudo os créditos para a compra da Bimby, e que também sabes, ó se sabes, o que fazem ao fim do dia, depois de reuniões e mais reuniões onde tu és o grande apoio moral e administrativo, e onde ninguém consegue articular uma palavra sem que tu entres triunfal, com os chás, cafés ou laranjadas que mandaste preparar a uma funcionária dessas que te veneram, mas que tu chicoteias diariamente nas nádegas, para que ande mais depressa com as infusões.
Sim, ele pensa que tu és um grande farol (e altura não te falta) e que todos te pedem douta opinião. Ele pensa até, na loucura da confiança cega que tem em ti, que a tua licenciatura em pobres, fez com que aprendesses tudo sobre dar à luz, e que fizeste inclusive o parto a alguns deles, e que sem ti, a maioria nem sequer tinha nascido.
E como nada se faz sem a tua autorização, e se há um dia em que Tu não estás, como é por exemplo o dia de hoje, então aí é: ALTO E PÁRA TUDO!
- Uva, onde estás agora que não te vejo a cirandar no escritório? Com certeza que a tratar de um assunto de suma importância para a Grande-Sociedade... 
- Nop. Estou sentada numa cozinha gelada, sozinha, sem ninguém, a ouvir uma grande aspirador sugar areia.
- Aspirador? Sugar areia? Mas estás a fazer alguma vistoria à grande sala do Conselho de Administração? Estás no controle da toda uma equipa técnica, a preparar tudo e tudo, antes da entrada dos grandes mestres do Rule of Law?
- Não. Estou a tomar conta do limpa chaminés... dou apoio para que ao ligar-se um esquentador alguém não tome banho de água fria...
- Mas o que é isso grande Uva? A fazer trabalho indiferenciado? Tu uma alma tão iluminada?
- É a multidisciplinaridade da necessidade... de uma licenciada, pós-graduada, letrada, sobredotada e altamente focada, em manter a sua existência no maravilhoso mundo do mercado de trabalho.
Eu faço tudo, pai, de cima dos meus saltos altos...

20 de março de 2014

TRABALHAR PARA AQUECER?

 
Senti hoje uma urgência em falar-vos disto. Disto de perder a vida  a trabalhar, ganhando a vida, sem nada receber. Falo de reconhecimento e de mérito. É sobretudo disso que falo, mais do que remuneração pecuniária. Falo do desamor pelo produto do labor. 

Na sociedade como na vida, o objetivo de todos é satisfazer os seus interesses, desenvolvendo uma atividade profissional, que sendo bem sucedida, nos permitirá alcançar o prémio: ganhar dinheiro, alcançar reconhecimento social, ter poder. É com este desenvolvimento, ou se quiserem, com a finalidade deste propósito, que a vida gratifica os que nela intervêm trabalhando. Na procura da satisfação dos seus interesses, que incluem o reconhecimento doutrem, normalmente o agente soberano, mestre ou patrão,   as pessoas experimentam a expetativa, a esperança, o desejo e a vontade de se superarem e de serem, pelo seu trabalho, reconhecidos. É um esforço enorme, este que todos investem na sua vida profissional. E é por isso, por este trabalho que desenvolvemos tão afincadamente, como eu desenvolvo o meu, que a atribuição de prémios e reconhecimento de méritos se torna central, às vezes até esquizofrénico. Sem isto nada se concretiza na nossa cabeça. É como se andássemos infinitamente à roda de um poço, dando à nora, e de lá não saísse pinga de água. É como se o poço fosse somente um poço sem fundo, infinito de trabalho não reconhecido.
Hoje, ao acordar, a pregunta bailou-me na cabeça, tão logo, tão de repente, profunda e visceral.
Como se abrisse os olhos e de tudo, não conhecesse nada. Os cheiros, o quarto, a criança-homem que crio ao meu lado todas as noites, alimentando-lhe os sonhos, no sono.
São os ciclos, pensei. Chegaram. Na madrugada já se ouviam, e mesmo longe do mar, ouvi-os no marulhar das ondas, na praia ainda deserta.
É preciso ouvir os ciclos, é preciso escolher o caminho.
Já nada será como então, pelo menos na minha cabeça entendo assim, porque mérito e prémio, crime e castigo são a face e o verso de uma mesma medalha. Se eu não pequei, e se nada fiz para merecer este castigo, porque continuo ali com a cabeça enterrada na areia?
A pergunta que me surgiu de manhã,  foi uma pergunta de vício, de quem permanece muito tempo na mesma, sem mudar, mas que sente no peito algo diferente, já que os ciclos chegaram.
Então, em contraciclo com esta rotineira inércia intelectual, que me assola e que continuamente me faz questionar algo ridículo como:
- O que tenho de mudar para que tudo fique na mesma?
Eu respondo perguntando, hoje, na chegada dos ciclos e (finalmente) da primavera:
- O que tenho de fazer para que tudo mude?

Morrer de sede à volta de um poço, não é, nunca foi, e nunca há de ser, a minha praia. Assim continue ela deserta de inércia.
Mudemos então, de vida.
Ao trabalho!

(Há anos que sinto os ciclos, têm normalmente uma cadência de 3 anos, às vezes menos um pouco. São para mim avassaladores, e implicam sempre grandes mudanças na vida, sobretudo profissionais.)


 

15 de março de 2014

Está um sol lindo, tudo cheira a primavera. É sábado...

- E tu Uva, o que vês da tua janela?
Vejo o aparelho de ar condicionado e os mamarrachos do costume.

- E fazes o quê, fechada no escritório num dia como este?
Faço contas, contas, contas, contas, contas e mais contas, de um lindo e elegante condomínio de Lisboa, com 5 mui ilustres e soberbos condóminos, cujo administrador se desentendeu com a máquina calculadora.... em 2009.

"Depois de bem ajustado o preço, devemos sempre trabalhar por amor à arte."

14 de março de 2014

Mais um post sobre a co-adoção.


Eu fui sou Assistente Social.
Formei-me em 2001, em Serviço Social, no extinto ISSSL do Largo do Mitelo em Lisboa.
Acreditava, sinceramente, que poderia fazer alguma coisa pelos mais desprotegidos, palpitava-me que a minha personalidade interessada, criativa e altruísta, pudesse ser de alguma forma útil à sociedade civil, à sociedade nascida (por e no meio) de imensos e profundo problemas sociais.
Estudei a psicologia e a psicopatologia, interessei-me pelo direito da família, fui ao fundo das questões da toxicodependência, amarrei-me com laços aos idosos, estudei as políticas sociais e as formas de me servir delas em prol dos outros, criei associações juvenis para tirar os miúdos da rua e da prostituição, fiz parcerias com instituições de ensino profissional e de alfabetização de adultos, atendi no meu gabinte centenas de famílias pobres, desreguladas, famintas, analfabetas, sem eira nem beira. Sem chão. Quase ninguém sabe, destes que na maioria me lêm, o que é viver a vida toda sem o conforto de um horizonte, sem uma meta, sem um sentido de vida, por falta de oportunidades criadas muitas vezes pelos próprios progenitores. E mais, sem ter as ferramentas para conseguir alcançar o que quer que seja. Talvez saibam alguns profissionais, eu vou tendo uma ideia, mas nunca vivi isso por dentro, dentro do peito.
Muitas vezes, quando penso nesses tempos, procuro perceber o motivo pelo qual dão àqueles senhores o poder e a audácia de decidir o futuro de uma criança que por qualquer motivo de encontra decepado nos laços filiais. Aqueles que lá do alto da imensa soberba, nunca pisaram um bairro social, que nunca conheceram uma família destruída pela doença, pela heroína, pela prostituição ou pelo alcoolismo e que lança nas instituições milhares de crianças por ano, têm no fundo o nosso futuro na mão, um futuro barrento como o leito de um rio, que não sabendo para onde corre, vai às cegas por cima de qualquer folha.  
Podemos nós, seres sociais, inteligentes, cultos, com acesso diário à informação, permitir que um punhado de iluminados decida sobre o futuro das nossas crianças, baseados em crendices e preconceitos, moralismos esdrúxulos, enfiados dentro de fatos cinzentos atados com gravatas. Não, não podemos aceitar.
A co-adoção, que nem é nada de extraordinário, implicando somente a adoção pelo outro conjugue de um filho legítimo do seu companheiro, poderia abrir a porta a tantas, tantas crianças.
Mas não. Fecham tudo a sete chaves e deixam milhares de miúdos às escuras, espreitanto pelas janelas funestas dos lares e dos colégios adotivos, esperando anos sem fim por um pai e uma mãe que não os pariram.
Durante muito tempo, ainda ao serviço da profissão, visitei muitas famílias, muitas crianças institucionalizadas, fiz muitas denúncias à Comissão de Protecção de Menores, encaminhei muitas crianças para outras tantas instituições. A grande maioria dos casos, senão todos, eram filhos de pais-pedra, de pais-muro, de pais-ausência-negligência-maus tratos. De 'paizinhos' e 'mãezinhas'. 
Se somos unânimes quando dizemos que há tantos casais que nunca deveriam ser pais, que há tantas mães que nunca deveriam ser mães, porque não assumir definitivamnente o seu contrário e a vice versa do contrário? Quantos homens nasceram para mães, alguns, muitos, tão melhores que a mãe-mulher?   
Dizem eles, dementes, que uma criança criada por um casal de homosexuais copia e reproduz comportamentos, e que poderiam por isso ser crianças igualmente homosexuais. Eles não sabem o que dizem, pois que toda a vida houve e haverá gays, que tendo pais heterosexuais não lhes seguiram os passos. Eles acham que o amor de um ser humano por outro ser humano é ensinado pelos pais.
- Pedrinho, tu agora vais gostar da Mariazinha que é muito boa menina.
Áááááá, as criancinhas, as crueis criancinhas na escola, o que vão dizer do pobre menino que tem dois pais?  Nada. As crianças, ao contrário do que possam pensar, são imensamente mais sensíveis a crianças sem pais, ou pais-muro que as maltratam, do que a crianças com pais, ainda que do mesmo sexo.
Fico deveras arrasada com esta decisão, por esta cobardia generalizada de quem decide alegremente construir e pagar um edifício de 83 milhões (PJ)  para combater aquilo que no fundo anda a parir toda esta gente abandonada, marginal e marginalizada, e depois não tem dinheiro para levantar o Estado-Social, o Estado Providência, dar condições aos miúdos, ensinar-lhes as leis desta selva e prepará-los para o futuro, como ainda têm a infâmia de lhes tirar, assim por um preconceito asqueroso, a possibilidade de ser uma família, seja ela de duas mulheres, dois homens, cinco tios, quatro avós, ou oito primos em terceiro grau,  a dar-lhe aquilo que eles lhes tiram a cada dia que passa. DIGNIDADE e horizontes para sonhar.
Fico devastada com esta notícia e espero que o Parlamento, as oposições, sejam elas quais forem, não deixem cair esta questão e continuem a insitir nesta matéria até à exaustão. As crianças que hoje o Estado deixou no limbo e no vácuo da lei, aguardam, como sempre, nas janelas funestas.

Sim, sim. Eu amanhã também trabalho...


13 de março de 2014

Vacas pelo mundo

Ê tenho duas vacas.
Atã e gostas mais da branca ou da preta?
Ê cá gosto mais da branca.
Atã e da preta?
Da preta tamém...

CORPORAÇÃO ALENTEJANA

 
SOCIALISMO
 Tu tens duas vacas.

Dás uma ao teu vizinho.
 
COMUNISMO
  Tu tens duas vacas.

 O Estado fica com as duas, e dá-te algum leite.

 FASCISMO
 Tu tens duas vacas.
  O Estado fica com as duas, e vende-te o leite.

 NAZISMO
 Tu tens duas vacas.
  O Estado fica com as duas, e mata-te de seguida.

 BUROCRATISMO
 Tu tens duas vacas.
O Estado tira-te as duas, mata uma, tira o leite da outra, e deita o leite fora.

  CAPITALISMO TRADICIONAL
 Tu tens duas vacas.
Vendes uma das vacas e compras um boi.
O rebanho multiplica-se e a tua economia cresce.
Vendes tudo e reformas-te com os rendimentos.

SURREALISMO
 Tu tens duas girafas.
O Estado obriga-te a teres lições de armónica.

 CORPORAÇÃO AMERICANA
 Tu tens duas vacas.
Vendes uma e obrigas a outra a produzir o mesmo leite de quatro.
Mais tarde contratas um consultor para analizar o motivo da vaca ter falecido.

 CORPORAÇÃO GREGA
Tu tens duas vacas.
Pedes um crédito gigante ao banco para construir um monte de celeiros, comprar máquinas de ordenha, unidades de produção de queijo, máquinas frigoríficas, terreno para plantação de feno.
Continuas a ter as duas vacas.

 CORPORAÇÃO FRANCESA
Tu tens duas vacas.F
Fazes greve, organizas uma grande manifestação, bloqueias as estradas,
porque tu queres é ter três vacas.

 CORPORAÇÃO JAPONESA
Tu tens duas vacas.
Redesenhas a genética da vaca para que a vaca tenho menos 30 vezes o seu tamanho e produza mais vinte vezes o leite.
Crias uma banda desenha da vaca inteligente chamada  Cowkimona e vendes o boneco pelo mundo inteiro.

 CORPORAÇÃO ITALIANA
Tu tens duas vacas.
Mas tu não sabes onde elas estão.
Então decides ir almoçar uma pizza.

CORPORAÇÃO SUÍÇA
Tu tens 5 000 vacas.
Nenhuma delas é tua.
Cobras impostos aos donos das vacas para as teres armazenadas.

CORPORAÇÃO CHINESA
Tu tens duas vacas.
Tens 300 pessoas a ordenhar as vacas.
Clamas que tens pleno emprego e alta produtividade bovina.
Prendes a jornalista que denunciou a real situação.

 CORPORAÇÃO INDIANA
Tu tens duas vacas.
Veneras-as.

 CORPORAÇÃO INGLESA
Tu tens duas vacas.
São as duas loucas.

 CORPORAÇÃO IRAQUIANA
Toda a gente pensa que tu tens montes de vacas.
Tu dizes-lhes que não tens nenhuma.
Ninguém acredita em ti e por isso bombardeiam o teu país.
Tu continuas sem vacas, mas pelo menos passas a ter uma democracia.

 CORPORAÇÃO AUSTRALIANA
Tu tens duas vacas.
O negócio parece ir muito bem.
Fechas o escritório e vais beber umas cervejas para celebrar.



E é com esta última corporação que me identifico mais, sobretudo na parte de beber cervejas.
 

É como comer e coçar...

Ir ao médico é só começar.
Hoje, depois de colocar o trabalho do escritório em dia, porque faltei ontem para ir médico pela quinquagesima vez, estive a fazer contas à vida e fiz uma retrospetiva das novas doenças que angariei na última consulta de rotina, 10 anos depois de me terem surrupiado o médico de família para a reforma, e me terem atribuido uma estrangeira que pinta as pontas do cabelo de roxo e as unhas de verde.
Meus caros leitores, a coisa está pior que uma barata, ou seja, está preta.
Em primeiro lugar estou merdosamente infetada, (e não passo o termo, porque é mesmo assim) com uma FDP de uma batéria, que ao invés de viver nos meus intestinos, como é normal nas outras da sua espécie, resolveu emigrar, qual Fernando Tordo das bactérias, do meu aparelho excretor, vulgo intestinos, para a minha bexiga, para ali estender a toalha da praia, abrir uma sagres mini e refastelar-se no bem bom. Obviamente que enquanto a asquerosa se bronzeia, eu não faço mais nada que é ficar agarrada à sanita a fazer chichi às prestações, coisa que o Fernando Tordo também deve estar a fazer, mas com o bilhete de avião para o Brasil.
Em segundo lugar, tenho 80 kg de colestrol nas veias, acabadinhos de chegar das Américas. Não sei porquê, mas alguma coisa ouviram para virem disparados de NY, a cidade dos obesos, para se instalarem justo nas minhas graínhas. Suspeito da bactéria, que fartinha de mergulhos solitários no mijo da Uva, convidou o colestrol para uma visita ao seu novo SPA particular, por terras lusas.
Mas estes miseráveis emigrantes não vieram sozinhos. Trouxeram as plaquetas. As plaquetas são os animais de estimação do colestrol, e como a estadia era por tempo indeterminado, não conseguiram que ninguém ficasse a tomar conta dos animais.
Dá-se o caso de serem mais de 400 por ml de sangue. Podiam ser duas ou três plaquetas cadelas, mas não, são milhares, e está-se mesmo a ver quem é que leva com o cocó desta bicharada toda.
Entretanto, e como dizia logo ao início, isto das doenças é só começar, e como não conheço nenhum médico que não sofra da esquizofrenia da prescrição, tá-se mesmo a ver o que aconteceu. Eles querem é prescrever. Não importa se o doente tem o figado aos pedaços, se tem nauseas ou vista turva, desde que comprem 3 caixas de antibióticos por dia, façam 300 exames às mamas ou à vagina num consultório "conhecido", e ainda nos peçam para encher a bexiga como um balão pronto a explodir, para depois andarem com uma merda de sonda a carregar para baixo, só para ver se nos mijamos pernas abaixo.
Depois desta visita de rotina, descubro que além de estar cheia de não-presta, também estava cheia de dinheiro, por isso a médica decidiu que eu podia gastar um rio, para tratar das maleitas todas e toca de prescrever tudo o que é o mais caro do infame mercado das farmacêuticas.
Pois bem, aqui a Uva, desesperada, e já a pensar em mudar toda uma vida profissional e pessoal para a casa de banho, onde tem passado a maior parte dos dias, foi comprar os medicamentos prescritos, decidida a acabar com os imigrantes ilegais todos de uma só vez, como fez a Suiça.
Eis senão quando, a Uva descobre que é alérgica a uma porcaria chamada Penincilina, que um médico inventou para desalojar os imigrantes ilegais, como faz a malta do SEF, e assim que engole aquilo vomita tudo, o antibiótico, o dinheiro, a cura e tudo e tudo.
Então é assim: a Uva está doente e é alérgica ao tratamento (fuck them all!).
Pensou em contratar uns capangas à paisana para ver se se conseguia livrar da estrangeirada toda, mas especialmente da batéria que é a cabecilha do gangue.
Não tendo conseguido, pede ajuda à blogosfera e pergunta:
Está aí alguém com uma bexiga a mais para a troca? É que a minha está estragada....
É que nem me digam nada.

 
 

10 de março de 2014

Não há nada mais duro que ser órfão do tempo...


Hoje almocei um grande prato de almondegas.
No meio da multidão, que se ajeita numa mesa de 8 lugares, era a única alminha que tinha uma refeição completa de carne, arroz, salada, pão e fruta, confecionada em casa, no domingo, para a ocasião do almoço de 2ª feira.
Fui a última a chegar. Abri a minha marmita, devidamente acondicionada em tuperware, retirei um prato do armário, aqueci a refeição no micro-ondas e coloquei, como faria se estivesse em casa, os talheres, um copo com água e um guardanapo. À minha volta, oito pares de olhos fitam-me, as usual, com ar de quem almoça com o último homem de Neandertal.
É foi assim que subitamente me senti. O tempo passou inexoravelmente por mim, e chego à triste conclusão que não sendo deste tempo, fiquei orfã dele. Perdi o tempo, o meu tempo, no pardacento dos dias.
Os comensais, rapazes e raparigas do seu tempo, não se preocupam no preceito da refeição, e comem diretamente do tuperware umas sanduiches com duas ou três folhas de alface mirrada, umas fatias de pizza fria ou um iogurte de cereais.
Que lhes interessa agora pilotar o fogão ao domingo?
Que lhes interessa a marmita completa e trabalhosa, se têm pizzas saborosamente frias e sanduiches que matam uma fome mirrada por cigarros e bolachas?
Às pessoas do seu tempo, tudo é permitido.
É como se pudéssemos dizer: aos jovens e aos borrachos, põe-lhes Deus o tempo por baixo.

Lagoa de Albufeira, sois linda quando o sol se põe.

"O sol é a minha crença,
Nem que eu morra aqui queimado,
Mesmo assim não me recompensa,
Dos frios que tenho rapado."
In: Frase soltas do meu pai.
 
As imagens são do meu amigo Dany!
 
 
 







 

9 de março de 2014

Somos 13 e somos tantos!

Somos 13, caramba!
Somos muitos, somos tantos.
Aos meus treze seguidores eu prometo:
Ser (sempre) a melhor uva-passa da vossa vida inteira!


Obrigada por estarem aqui (em baixo), firmes e hirtos nesta SELFIE maravilhosa!!!!



Ficámos todos ótimos!!!!
Obrigados à produção.



7 de março de 2014

O PENSAMENTO VOA E AS PALAVRAS VÃO A PÉ...

Amo-te.
Lembrei-me agora e quis dizer-te já.
Não posso esperar mais, pois o meu pensamento voa e ponho já os pés ao caminho.
Tenho pouco tempo para as palavras, e mesmo aquelas que te digo, sempre na pressa dos dias, não são sobre amar.
Amo-te.
Não quero só pensar que te amo, porque o pensamento voa e as palavras que não te digo, e as que digo pensando, leva-os o vento.
Quero dizer-te assim, e quero dizer-te agora. Com palavras como pedras. Com palavras de verdade. Estas que te escrevo.
A vida corre. O tempo é pouco. Posso não ter tempo para te dizer depois, pois que o tempo já passou e não te disse. Ou disse?
Assim, escrevo.
Escrevo com a calma de quem caminha, escrevo sem que me interrompas com beijos, com abraços, com queixumes. Escrevo porque ninguém nos ouve.   
Amo-te.
Não te entristeças se não te digo, na pressa dos dias.
As palavras vão sempre a pé.
Mas acabam por chegar.
Amo-te. Já te tinha dito?


O meu post n.º 100 é dedicado ao meu amor.
Foi ele que me ensinou que escrevendo perduro.

6 de março de 2014

O Carnaval da Uva Passa.

E tu Uva, foste mascarada de quê?
Eu mascarei-me de infeção urinária e fiz um ótimo carnaval dos hospitais.

5 de março de 2014

E um ovo na barriga?


bebe na barriga.jpg
Querido DEUS, meu grande amigo: Tu que foste imenso em tantas coisas e perfeito em quase todas, caramba, nisto do parto natural, podias ter-te esforçado um pouco mais, não?
Por exemplo, aquele método do ovo, não seria bem melhor para nós, humanos?
Por o ovo, chocar o ovo, e depois, com calma, sem pressas, sem barulhos, sem dores e sem correrias, aparecia a criancinha, espreguiçando-se...
Era mesmo necessário nascermos com aquela parafernália toda?
Realy?
Da próxima, hum? pode ser?

Save by the (bell) smell.....

9.30h - Encontro marcado com a máquina de esborrachar mamas.
Mais um dia de exames médicos e consultas, desta vez num centro radiodiagnóstico da grande urbe odivelense. Antevejo horas de espera.
Tento entrar. A porta não abre. Empurro com força. A porta não abre. Dou três passos atrás para ver o letreiro. Estou desconfiada de ter chegado cedo demais. Não cheguei. Abriu às 8h. 
De repente uma cabeça grisalha espreita pela frincha: ó desculpe, nem reparei que estava a impedir a entrada. Entre por favor.
Entro a custo já que a porta não abre totalmente. Ok, percebi a coisa. Ao todo estavam umas 15 utentes em frente à receção, todas juntinhas na zona da porta. Está frio lá fora, pensei, se calhar é para se aquecerem.
Como não tenho frio, tiro a senha e dirijo-me para a zona das cadeiras. Têm a televisão no Goucha e um monte de revistas HOLAs, em cima de uma mesa. Ninguém sentado. Tá visto que não sabem ler espanhol.
Chegam mais 2 senhoras e ali ficam, atrás das outras.
Desconfio que há algo de errado comigo. Sou a única que está sentada. As restantes utentes, tudo com as mamas esborrachadas (sem ser da máquina), continuavam de pé.. em frente à porta.
De repente um ó da casa! ouve-se lá fora. A última alminha da fila vira-se a custo e encolhe-se para abrir a porta e conseguir dar passagem ao senhor do saco.
O senhor do saco, que não quer saber de ajuntamentos com mulheres desconhecidas, esgueira-se e vai colocar-se do outro lado do balcão, passando à frente de toda a gente.
Abre o saco, e espreita. Parece-me  orgulhoso do seu conteúdo. As senhoras olham curiosas.
Perco o meu campo de visão e estico o pescoço. Tofina! Um frasco de Tofina cheio de mijo, ergue-se por cima do balcão.
Menina, já aqui tenho o xixi. É de agora. Sim, sim, mas meta isso dentro do saco, por favor. Mas ó menina, isto está limpinho, quer ver? Zás! Infelizmente foi com força de mais. O frasco da Tofina parte-se mesmo em cima do balcão.
Subitamente, como se um banal xixi se transformasse num enxame de vespas, as pessoas que ali se encontravam, correram todas ao mesmo tempo para a zona das cadeiras, agarrando-se como puderam às revistas espanholas. A receção ficou vazia.
Eu, que ali estava desde o início sozinha, fui obrigada a levantar-me para dar lugar às senhoras.
No balcão, o homem e as meninas da receção debatem-se com o frasco que continua vertendo um xixi fumegante para cima da papelada.
Eu, que não tenho especial nojice pelos xixis das outras pessoas, aproveito para ir até ao balcão para ver se era finalmente atendida.
Que porcaria menina, que porcaria.
Olhe passe já para dentro que fica já despachada.
Fui atendida em três tempos...


Xixi... what else?

4 de março de 2014

A TERRIVEL HISTÓRIA DO CÃO

 


O PRIMEIRO dia do ano amanheceu abafado e solarengo. Chovera quase toda a noite e o frio tinha amainado. Naquela manhã, Marta, tinha chegado exaurida e sem forças, quase que escondida de si mesma. Assim que estacionou em frente do portão da casa, soltou o cão que dormitava na bagageira. Com dificuldade e ainda trôpega, percorreu o caminho que dava acesso à casa, mas eram as questões da sua consciência, que se misturavam-se num turbilhão como água e areia nas ondas da rebentação, que lhe fustigavam de peso os ombros.  Tinha sido a noite mais macabra e surreal de que tinha memória, e sentia uma compulsão quase animal de gritar, de desabafar e de se livrar daquela imensa culpa.
Seguida pelo seu enorme cão no estreito e curto caminho por entre os pinheiros mansos, parou ao avistar a Lagoa ao fundo, e inspirou profundamente. Pelo menos o seu refúgio estava como sempre estivera, calmo e apaziguador, e era só disso que precisava naquele momento.
Assim que chegou a casa lançou-se sobre a cama e tapou a cabeça com a almofada. Sentiu o corpo descomprimir de um cansaço que era só mental. Tapou-se e adormeceu. O cão seguiu-lhe o exemplo. Escolheu o tapete preferido, deu três voltas sobre o corpo e aconchegou a cabeça sobre as patas.
Marta, que dormia há poucas horas um sono leve e agitado, acordou com passos desconhecidos na varanda. Alguém descia agora as escadas que davam acesso ao rés-do-chão da casa, onde estava. Abriu os olhos e sentiu fome. O cão tinha desaparecido do quarto, mas logo o ouviu patinhar em direção à porta.
- Marta? Marta? Estás aí? É a Inês!
- Sim, vou já Inês! Dá-me dois minutos.
 Sentou-se na cama e ajeitou o cabelo no elástico. Estava vestida e tinha ainda os ténis calçados.
- Que estupidez dormir assim vestida. Disse para si.
- Vens abrir a porta ou queres que volte mais logo? São 3 da tarde, miúda. É dia de Ano Novo, não queres lanchar?
Marta fechou os olhos com força e apertou a cabeça com as mãos. Levantou-se, ajeitou a roupa e dirigiu-se para a porta onde o cão aguardava silencioso, mas vigilante. Fazendo um esforço imenso para se manter de pé, encostou o ombro à parede e abriu a porta pesada.
- Olá Inês. Desculpa fazer-te esperar, estou péssima.
- Eh, como tu estás. A festa foi rija, hã? E a Teresa, ficou por lá, não? Não vi ali o carro dela.
Inês, uma miúda pequena de cabelos ruivos eriçados, entrou na casa com o seu grande à vontade e foi encostar-se ao fogão de lenha. Puxou o cigarro electrónico do bolso das calças e olhou para o cão que a fitava curioso. Reparou no pelo sujo e no focinho cheio de lama seca e disse, franzindo o cenho:
- É pá, o teu cão está cá num estado... Andaram a fazer todo-o-terreno ou a desenterrar mortos? 
- Tive de vir para casa por causa do cão. Mas senta-te, faço-te um café, queres? Preciso de um para mim, urgentemente.
Já as canecas do café fumegavam, quando Inês decidiu por fim dar inicio à conversa:
- Então conta lá. Perdi alguma coisa de especial ou foi mais uma festa cheia de bêbados e música estridente? Que raio miúda, não consegues ir a uma festa sem ficares nesse estado? 
O cão, um dobermann juvenil mas portentoso, deitou-se aos pés de Marta e rosnava brincalhão, mordendo e abanando uma espécie de boneco, já todo esfanicado e inundado de baba.
- Quando o Ricardo nos convidou - continuou Marta -  eu disse-lhe que não podia ir e deixar o cão aqui em casa sozinho. Já sabes como ele é, parte-me tudo, roí-me as mobílias. Calhando, se o deixasse aqui, quando voltasse já nem a carpete tinha. 
- Levaste o cão?
- Teve de ser. O Ricardo também insistiu. Disse-me que podia prendê-lo num dos quartos da casa, que não haveria problemas. A casa é enorme, como sabes.
- Sim, mas afinal o que é que se passou? Parece que levaram os dois uma tareia...
Marta, que ficara subitamente séria e afetada, agarrou nas mãos da amiga e disse:
- Preciso que guardes este segredo Inês. Caso contrário vou ter problemas. Eu e este menino.
Marta prosseguiu contando, que logo que chegou à festa, e depois de ter agarrado o cão na trela, foi abraçar o seu amigo Ricardo que a esperava muito animado na entrada do portão, com uma cerveja na mão.
- Sempre trouxeste a fera?
- Teve de ser. Ninguém me fica com ele. Está gigante. Será que ele pode ficar um bocadinho solto? Está farto de estar preso. Ainda não fomos a casa. Vim direta de Lisboa.
- Se ele não foge, tudo bem. Se quiseres podemos metê-lo já num dos quartos…
- Não, ele não sai da minha beira, é cachorro ainda.
Marta, que entretanto tinha soltado o cão da trela, soltou-se ela mesma, como que descomprimindo da viagem e roubou a cerveja que Ricardo trazia na mão. Olhou para dentro do quintal e exclamou:
- Ui, Ui! Isto hoje promete! Temos casa cheia!
Marta que ainda não tinha conseguido entrar no quintal para cumprimentar os amigos, ouviu ao longe os  latidos furiosos do cão. Levantou a cabeça para espreitar e reparou que do outro lado do murete estava o Senhor Zé. Andava no meio da horta remexendo a terra com um cajado, cabisbaixo, e a D.ª Mena, sentada na soleira da porta com os olhos perdidos nas nuvens, folheava uma revista. O cão ladrava muito alto, brincalhão, com as patas em cima do murete que dava acesso à casa.
- Lembras-te do Senhor Zé e da D.ª Mena, Inês?
- Claro! Não são os vizinhos do Ricardo? Os velhotes da casa ao lado?
- Sim, os vizinhos. Já não me lembrava deles. O cão assim que os viu ficou eufórico. Os animais têm cá uma memória.
- Suponho que não deixaste o cão muito tempo solto. Logo ele, que adora saltar para cima das pessoas. Já sei, pediste ao Senhor Zé para te ficar com ele? Aquele Ricardo faz o que quer dos velhotes. Então e desta vez, também lá andaram na festa a dançar o paso doble? Grande dupla! 
- Isso teria sido muito pior... Pedi à Teresa para prender o cão. Às tantas fui dar com ele agarrado às rodas da bicicleta do Rui Pedro, a roê-las. Só fez disparates Inês, juro-te que nunca mais o levo.
E olhando irritada para o cão, gritou-lhe: ouviste cão? Tu és mau! Tu comes as coisas das pessoas!
O cão, completamente alheio à irritação da rapariga, abocanhou o que restava do boneco, dirigiu-se para a porta da rua e desapareceu.
- A noite estava animadíssima. O Rui Pedro encontrou um baú cheio de coisas antigas de carnaval dentro do quarto da avó do Ricardo. Fizeram um assalto ao baú e a partir de certa altura já andava tudo mascarado. 
- Ai sim? Mas se foi tudo tão divertido por que carga de água estás com essa cara de enterro? Perguntou Inês, bebendo mais um golo de café.
- Pois, o problema foi depois,  quando o meu cão apareceu à entrada do portão...
 - O teu cão? Mas a Teresa não o prendeu?
- Ela prendeu, coitada, mas ele fugiu para a rua. Estava a dormir no quarto das máscaras. Assim que o Rui Pedro abriu a porta, esgueirou-se. Apareceu-me todo sujo no portão da casa, com aquilo na boca. 
- Não me digas que andou a esfrangalhar algum casaco?
- Não, não era um casaco, Inês. Era um caniche branco, cheio de terra, preso entre os dentes!
- Que horror! Um caniche? E estava morto?
- Morto.
Marta contou a Inês, que quando Ricardo se apercebeu da situação, desatou a correr em direção ao cão, e que foi com dificuldade que consegui resgatar o caniche morto dos dentes afiados do dobermann.
- É o cão dos meus vizinhos, pah! Ò Marta segura lá no teu cão, caramba! É o caniche do Senhor Zé.
Naquela altura já toda a gente se encontrava de roda do acontecimento, e por todo o lado se ouviam exclamações de incredulidade. 
Ricardo, que apesar de estar bastante atordoado pelos exageros da noite, ou então por isso mesmo, voltou-se para uma Marta boquiaberta e disse:
- Marta, não vale a pena ficares nesse estado. Vamos meter o cão outra vez no quintal do meu vizinho.
- No quintal? Mas tu estás louco?
Marta estava tão incrédula que nem conseguia raciocinar direito. Já o seu cão, alheio à esquizofrenia colectiva, dava saltos, tentando em vão resgatar novamente o caniche das mãos do adolescente.
Ricardo, subitamente lúcido, engendrou e liderou um macabro plano, e sem mais demoras, saiu do meio do grupo e dirigiu-se para dentro de casa.
- Teresa! Marta! Ajudem-me. Tragam umas toalhas velhas. Vamos dar banho ao cão!
O clima era de alcoólica consternação. Olhavam uns para os outros sem saber muito bem o que pensar. Todavia, a turbe adolescente, foi-se desinteressando da história, e pouco tempo depois já a maior parte tinha dispersado como se nada tivesse acontecido. A festa continuou rija e animada e Marta, livrando-se atabalhoadamente das perguntas, subiu as escadas que davam acesso ao 1º andar, e quando se apercebeu do que estava a acontecer, já o caniche estava dentro da banheira. Sem preciosismos ou especiais cuidados, Marta, que estava estática à porta da casa de banho, viu Teresa e Ricardo lavarem o pequeno caniche. Depois de o secarem com o secador de cabelo, enrolaram o pobre bicho numa toalha branca, e desaparecerem nas escadas em direção à rua.
Não passaram nem 2 minutos e já Ricardo saltava o murete e colocava com grande destreza o pobre caniche dentro da casota que o Sr. Zé tinha no quintal.
 Inês mexia-se nervosa no sofá. Já não sabia que posição  adotar e olhava para a sua amiga Marta como se olhasse para um allien. Decidiu-se por mais umas baforadas e disse com numa voz empolgada:
- Ai Marta, que história mais macabra. Afinal eu sempre tinha razão. Andaram mesmo a desenterrar mortos!
Mas Marta, interrompendo a tirada de mau gosto, falou-lhe então da sua decisão de pernoitar por lá. Aquela hora já ninguém estava em condições de conduzir, muito menos ela. Tinha prendido o cão dentro do carro, e por ali se enrolou de qualquer maneira num sofá. Quando acordou já o sol tinha nascido.
- E agora, Marta? Tás a pensar fazer o quê? Por esta altura já o Senhor Zé foi dar com o cão, morto...
- Qual quê. Quando acordei e assim que assomei a cabeça à porta da rua, ouviu logo vozes no quintal do lado.
Marta levantou-se e começou a andar de um lado para outro.
Com a voz ainda embargada, contou a Inês como o momento seguinte tinha sido macabro. Do outro lado da rede, enquanto vários familiares discutiam o que parecia ser um grande mistério, D.ª Mena chorava agarrada à casota do cão.
A Marta, não lhe bastava o seu cão ter morto um pobre caniche à dentada, como ainda tinha de encarar toda a família do pobre animal. Esperava furtar-se a esse momento, mas o Senhor Zé viu-a.
- Bom dia menina Marta.
- Bom dia Sr. Zé. Então o que é que aconteceu?
Marta, antevendo a desgraça alheia, agarrou-se ao murete e preparou-se para o embate.
- Sabe lá o que aconteceu. Hoje de manhã a minha mulher encontrou o nosso cãozinho morto na casota. O cãozinho morreu ontem e decidimos enterrá-lo aqui mesmo no quintal. E apontando para o chão onde estava o cão enterrado, disse:
- Vê ali menina? Tudo remexido?
Marta, lívida e a suar em bica, acenava com a cabeça de boca aberta.
- Inexplicavelmente, - continuava o Sr. Zé - hoje de manhã o cão estava novamente lavado e limpo dentro da casota. Limpinho, limpinho. Olhe, acabadinho de tomar banho, veja bem! A minha mulher está inconsolável e já só fala em bruxaria. Como é que isto é possível? Não é possível!
Marta olhou para o buraco remexido e não conseguira articular uma única palavra. O cão desenterrara o pobre caniche e o pior é que Marta não sabia como havia de resolver a questão, e era óbvio que contar ali o sucedido, só iria piorar a situação. Iriam julgar que eram todos loucos.
O dia tinha amanhecido abafado e solarengo. Chovera quase toda a noite e o frio tinha amainado.
Marta, sentada na sua varanda, olhava a Lagoa ao fundo.
Quantos anos se tinham passado desde aquela noite. 20 anos? Talvez fosse altura de contar a alguém. Talvez o Senhor Zé pudesse finalmente saber a verdade.
Na sua vida passaram-se coisas inexplicáveis, muitas delas roçando até a fantasia, e aquela noite, aquela esdrúxula noite, era sem dúvida uma delas.