14 de março de 2014

Mais um post sobre a co-adoção.


Eu fui sou Assistente Social.
Formei-me em 2001, em Serviço Social, no extinto ISSSL do Largo do Mitelo em Lisboa.
Acreditava, sinceramente, que poderia fazer alguma coisa pelos mais desprotegidos, palpitava-me que a minha personalidade interessada, criativa e altruísta, pudesse ser de alguma forma útil à sociedade civil, à sociedade nascida (por e no meio) de imensos e profundo problemas sociais.
Estudei a psicologia e a psicopatologia, interessei-me pelo direito da família, fui ao fundo das questões da toxicodependência, amarrei-me com laços aos idosos, estudei as políticas sociais e as formas de me servir delas em prol dos outros, criei associações juvenis para tirar os miúdos da rua e da prostituição, fiz parcerias com instituições de ensino profissional e de alfabetização de adultos, atendi no meu gabinte centenas de famílias pobres, desreguladas, famintas, analfabetas, sem eira nem beira. Sem chão. Quase ninguém sabe, destes que na maioria me lêm, o que é viver a vida toda sem o conforto de um horizonte, sem uma meta, sem um sentido de vida, por falta de oportunidades criadas muitas vezes pelos próprios progenitores. E mais, sem ter as ferramentas para conseguir alcançar o que quer que seja. Talvez saibam alguns profissionais, eu vou tendo uma ideia, mas nunca vivi isso por dentro, dentro do peito.
Muitas vezes, quando penso nesses tempos, procuro perceber o motivo pelo qual dão àqueles senhores o poder e a audácia de decidir o futuro de uma criança que por qualquer motivo de encontra decepado nos laços filiais. Aqueles que lá do alto da imensa soberba, nunca pisaram um bairro social, que nunca conheceram uma família destruída pela doença, pela heroína, pela prostituição ou pelo alcoolismo e que lança nas instituições milhares de crianças por ano, têm no fundo o nosso futuro na mão, um futuro barrento como o leito de um rio, que não sabendo para onde corre, vai às cegas por cima de qualquer folha.  
Podemos nós, seres sociais, inteligentes, cultos, com acesso diário à informação, permitir que um punhado de iluminados decida sobre o futuro das nossas crianças, baseados em crendices e preconceitos, moralismos esdrúxulos, enfiados dentro de fatos cinzentos atados com gravatas. Não, não podemos aceitar.
A co-adoção, que nem é nada de extraordinário, implicando somente a adoção pelo outro conjugue de um filho legítimo do seu companheiro, poderia abrir a porta a tantas, tantas crianças.
Mas não. Fecham tudo a sete chaves e deixam milhares de miúdos às escuras, espreitanto pelas janelas funestas dos lares e dos colégios adotivos, esperando anos sem fim por um pai e uma mãe que não os pariram.
Durante muito tempo, ainda ao serviço da profissão, visitei muitas famílias, muitas crianças institucionalizadas, fiz muitas denúncias à Comissão de Protecção de Menores, encaminhei muitas crianças para outras tantas instituições. A grande maioria dos casos, senão todos, eram filhos de pais-pedra, de pais-muro, de pais-ausência-negligência-maus tratos. De 'paizinhos' e 'mãezinhas'. 
Se somos unânimes quando dizemos que há tantos casais que nunca deveriam ser pais, que há tantas mães que nunca deveriam ser mães, porque não assumir definitivamnente o seu contrário e a vice versa do contrário? Quantos homens nasceram para mães, alguns, muitos, tão melhores que a mãe-mulher?   
Dizem eles, dementes, que uma criança criada por um casal de homosexuais copia e reproduz comportamentos, e que poderiam por isso ser crianças igualmente homosexuais. Eles não sabem o que dizem, pois que toda a vida houve e haverá gays, que tendo pais heterosexuais não lhes seguiram os passos. Eles acham que o amor de um ser humano por outro ser humano é ensinado pelos pais.
- Pedrinho, tu agora vais gostar da Mariazinha que é muito boa menina.
Áááááá, as criancinhas, as crueis criancinhas na escola, o que vão dizer do pobre menino que tem dois pais?  Nada. As crianças, ao contrário do que possam pensar, são imensamente mais sensíveis a crianças sem pais, ou pais-muro que as maltratam, do que a crianças com pais, ainda que do mesmo sexo.
Fico deveras arrasada com esta decisão, por esta cobardia generalizada de quem decide alegremente construir e pagar um edifício de 83 milhões (PJ)  para combater aquilo que no fundo anda a parir toda esta gente abandonada, marginal e marginalizada, e depois não tem dinheiro para levantar o Estado-Social, o Estado Providência, dar condições aos miúdos, ensinar-lhes as leis desta selva e prepará-los para o futuro, como ainda têm a infâmia de lhes tirar, assim por um preconceito asqueroso, a possibilidade de ser uma família, seja ela de duas mulheres, dois homens, cinco tios, quatro avós, ou oito primos em terceiro grau,  a dar-lhe aquilo que eles lhes tiram a cada dia que passa. DIGNIDADE e horizontes para sonhar.
Fico devastada com esta notícia e espero que o Parlamento, as oposições, sejam elas quais forem, não deixem cair esta questão e continuem a insitir nesta matéria até à exaustão. As crianças que hoje o Estado deixou no limbo e no vácuo da lei, aguardam, como sempre, nas janelas funestas.

8 comentários:

  1. De um absurdo impensável!

    Beijinhos Marianos, Uva! :)

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  2. Para ti também Maria. Gosto muito de te ver por aqui.

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    1. Obrigada! Sempre gostei de uvas, mesmo das passas! ;)

      * Só me lixa ter que provar que não sou um robot! eheheheh

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  3. É pá! Como é que é isso? Não me digas que tenho entraves desses aos comentários? Eu, uma Uva aberta, sem pele. Vou já tratar disso.

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  4. E aqui dizia-te que estava fartinha destes políticos-paneleiros-não-assumidos!

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  5. Admiro muito as assistentes sociais. Têm um trabalho muito dificil. Eu confesso que não conseguiria ser, não por ser melhor ou pior do que ninguém, mas não tenho arcaboiço psicológico para isso. Acho que se visse algumas estórias de perto não me conseguiria conter e ia às fuças a alguns pais. Quanto à co-adopção é tão triste haver crianças que têm quem lhes dê amor e carinho e sejam privadas disso por uma decisão de um mentecapto qualquer.

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