22 de novembro de 2017

A VACARIA

Gostava muito de saber em que pé estamos relativamente à evolução do sistema e método educativo.
A Escola tem ou não acompanhado o salto tecnológico e as novas competências intelectuais e de informação que têm hoje todos os nossos estudantes?
A Escola é ou não, numa base diária, ultrapassada pelos acontecimentos?
Não necessito de ir muito mais longe para perceber que a temática é tão simples como querer agarrar o vento com as mãos.

Em Portugal dão-se passinhos muito pequeninos na estrada da atualização dos programas escolares, na actualização dos conhecimentos (formação de professores), na organização e manutenção do espaço escolar, na perda de poder e autonomia do corpo docente, e desses passos, muitos são para trás - se pensarmos por exemplo na forma como um professor é hoje tratado (e desmerecido), tanto por parte dos seus alunos, como por parte dos pais e da Tutela.
A minha pergunta surgiu para tentar perceber se as alterações no ensino devem ser futuristas, tecnológicas, inovadoras, e velozes como computadores, ou devem manter-se em lume brando, cumprindo metas curriculares impostas por leis obsoletas, transmitindo os saberes como há 150 anos, e deixando alunos e pais à beira de um ataque de nervos?

Ouvia no outro dia, com muita atenção, a Diretora de Turma da minha filha.
Dizia ela que o ensino é (e deve ser) lento, que o saber deve escorrer lentamente para a grande taça da sabedoria e ficar lá, a marinar e a crescer, como o coalho do queijo.
Dizia ela que a Escola não deve ser uma leitaria onde as vacas comem palha de um lado e são espremidas do outro, constantemente, sem que o leite sirva para mais nada senão para consumo imediato, para o consumo líquido.
Há que deixar poisar o leite para fazer o queijo. O saber deve ganhar substância.
Não deixa de ser interessante a metáfora das vacas a comer palha e a produzir o mesmo leite de sempre.
Sempre o mesmo método.
Sempre a mesma palha.
Sempre o mesmo queijo.

Mas... e as vacas? Já alguém parou para pensar nas vacas?

Deixo aqui um belíssimo trabalho do youtuber Prince Ea.
Vale muito a pena ver.





21 de novembro de 2017

DIAS PERFEITOS

Quando os dias são perfeitos, ninguém se lembra dos santos.
Nunca fui santa, não gosto de pessoas santas, nem de bonecos com o mesmo nome.
Se somos humanos, sejamos antes de tudo fiéis à nossa natureza, que isso sim é ter na alma a chama imensa.
Amai-vos uns aos outros, como se os outros fossem vós próprios.
Se não conseguirem amar, nada temeis. Há dias menos perfeitos.

20 de novembro de 2017

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Ontem, numa pequena hamburgueria da cidade, juntei-me a dez miúdas que já não via há mais de 14 anos.
Hoje já não faz sentido dizer-se que não vemos pessoas há mais de 14 anos. Na verdade vemo-las todos os dias, fugazmente, nos murais das redes sociais; vemos as fotografias do casamento, a lua de mel nas Caraíbas, o nascimento do primeiro filho, enfim, são-nos tão próximas como se morassem aqui ao nosso lado e connosco partilhassem a vida.
E de repente, quando todas ocuparam os seus lugares à mesa, fisicamente próximas, pareceu-me que não tinha passado um único dia.
E já ninguém tinha histórias novas para contar, os sentimentos e as emoções do reencontro, que se fazem sobretudo de novidades, tinham sido reveladas algures num post de facebook, e à parte das recordações do passado que todas vivenciámos em conjunto, velhinhas e muito gastas, a verdade é que o reencontro não teve o impacto de outros tempos.
E depois fiquei a pensar nas tristes palavras da Júlia Pinheiro no Alta Definição: "cheguei a uma fase em que já conheci toda a gente que tinha para conhecer", e fico a pensar que se isso for verdade, então a vida é um beco sem saída, onde somos obrigados a voltar para trás, para as mesmas pessoas de sempre, com as histórias todas contadas.


18 de novembro de 2017

AS COISAS DOS OUTROS

"O tempo dele
Do bacalhau. Há muito que o deixei de comer em restaurantes. Os maus fazem-no mal, os arrepenicados usam o fresco. Sim, já quase não há seca natural, o de cura amarelo é muito caro, vamos ao vulgar de Lineu:
1) A compra.
Seja onde for, o bicho deve ser como um velho beirão : seco, rijo e feio. Dobre o rabo: quanto mais resistir, melhor é o gadídeo. Os pequenos não interessam a ninguém.
2) A demolha. É o processo vital. Todos os erros começam aqui.
Separe as peças ( lombos, asas e rabo) e lave-as do primeiro sal. Depois a 1ª demolha em água fria consiste em três mudas em sessenta minutos. A seguir, frigorífico e mais três demolhas em 24 horas. O processo deve ser rápido e frio. Isto não é sexo, é bacalhau.
A peças grossas por cima, as magras por baixo, como é óbvio.
Antes de terminar, namore com o bicho. Tire uns fiapos crus e prove. O seu gosto pessoal do salgado é que manda. Eu gosto dele bravo.
3) Se para bolos, pataniscas, à Brás e à Gomes de Sá deve ser usado cru, como qualquer alfabetizado sabe, para outras vitualhas ( a bem dizer, poucas) impõe-se o tratamento térmico. Nunca cozer. Nunca cozer. Nunca cozer.
O peixe já foi salgado e seco. Precisa tanto de cozer como o Benfica precisa do Eliseu. Pôr água ao lume e quando ferver desligar. Enfiar lá a posta, tapar e esperar entre 20 a 30 minutos ( consoante a grossura da coisa).
Se quiser o céu, encha uma panelinha de barro com azeite, um dente de alho e um ramo de carqueja. Enfie o nosso amigo lá dentro e dê-lhe duas horas em forno baixíssimo ( 60º) ."

Um bem haja ao Filipe Nunes Vicente, que escreve estas (e outras) delícias no seu blog MÁ CONSCIÊNCIA.

17 de novembro de 2017

A MANHÃ

Estou viva. Que sorte.
Ainda ontem me emocionei com o simples facto de estarmos todos vivos e de saúde, vivendo a nossa vida calmamente, quase como se deslizássemos num espelho de água, sem fio de vento, sem nada.
Não estou mais gorda e a miúda cresce a olhos vistos. Está com o cabelo enorme, forte e saudável.
Impõe-se um corte valente, sob pena de gastos excessivos em shampoo e no tempo que se leva.
Dançava hoje em frente ao espelho, no seu fato de treino demasiado curto para as pernas, indiferente aos minutos que se acumulavam e encarniçavam à porta para saírem para a escola. O tempo é o que mais nos custa.
Há quanto tempo não danço?
Vivo na luz boa de Lisboa e o inverno está especialmente luminoso.
Saímos para a rua, muito agarradas uma à outra, porque é assim que tem de ser.
A comida da cantina está cada vez pior, mamã, os douradinhos de ontem foram os que sobraram da semana passada.
Gosto que me chame mamã.
Para que servem as mães? Foi a pergunta do caminho. As mães servem para ensinar as regras da vida, para dar mimos, e para explicar que não se devem levantar falsos testemunhos, nem mesmo contra os douradinhos.
Impõem-se um corte valente nos disparates da infância.
A escola, imponente e rodeada de árvores frondosas, é um deleite para a vista e um descanso para o coração. Parei um pouco para ver o casario, recuperado e pouco respeitador da traça antiga, e senti-me em casa.
Estou viva. Que sorte.
Posso caminhar ao longo da estrada e sentir de novo o sol nos cabelos.
Será isto a felicidade? 

16 de novembro de 2017

POR FALAR EM LAMBER

Chegou finalmente às livrarias portuguesas o Best Seller de Paula Bobone, intitulado Domesticália.
O preço do invulgar e raríssimo artigo rondará os 15,00€ e já faz as delícias de uma franja muito significativa de Senhoras da alta sociedade que usam aquela boquinha de cu-de-galinha para se exprimirem nas festas sociais, enquanto afagam uma marta que vem sempre pendurada no pescoço.
15,00€, um valor muito aquém daquela que é já considerada 'a' obra deste nosso Sec. XII e uma relíquia literária de grande ambições, já teve algumas criticas mais mordazes, pelo que a autora já pondera aumentar o preço para uns magníficos 1 115,00€ para assim-sim, ser passível de ser comprada pela elite interessada na domesticação dos seus escravos empregados domésticos.

É já considerado como extremamente útil entre as donas de casa, especialmente as que optaram pelo sexo masculino no que toca ao serviço doméstico, e na festa de lançamento pôde ouvir-se aqui e ali frases determinantes na consagração da obra, como sejam: "sabe lá a dificuldade que é ensinar ao meu domesticado que deve manter-se vestido enquanto me limpa a canalização!" ou "desde que comprei este livro, lá em casa já ninguém tira as meias para fazer certos serviços. Há que manter a tradição e uma certa elegância."


Lambuzem-se aqui!

LAMBE-LAMBE

Uma das minhas máximas preferidas nisto do trabalho e das relações laborais é: don´t kill yourself for recognition.
Vem muito a propósito do assunto da greve dos professores, que é capaz de ser o tema mais quente em debate por estes dias, e por todos os dias, e sempre, porque há um ódiozinho de estimação contra os professores, por um lado porque fomos todos alunos de professores (muito bons, bons, maus, horríveis e indiferentes, que nos deixaram memórias e cicatrizes) e por outro, porque uma greve de professores causa mais choque do que enfermeiros que se negam a ajudar as parturientes a dar à luz.
É que vejamos: a criança nasce na mesma. Nasceram triliões de portugueses sem ajuda de ninguém, logo é mais complicado gerir a falta dos professores numa família que se encontra diariamente enterrada nos afazeres profissionais, que dá o cuzinho e dois tostões para não faltar um dia ao emprego por mote de ser imediatamente depreciada perante outros colegas, do que a falta de uma mão amiga na hora do parto. 
E estava eu a comentar aqui para os meus botões, também eles enterrados nas casas duma trincada camisa, que há quem defenda que os professores, esses lambões das férias, não deviam fazer grave porque coitadinhas das criancinhas!
Não. Não é coitadinhas das criancinhas, é coitadinhos dos paizinhos das criancinhas, ou antes, coitadinhos dos patrõezinhos dos pais das criancinhas.
Fora a questão muito particular que é a dos patrõezinhos absolutamente tétricos, que não têm complacência de nos vergastar severamente com o desconto salarial - também ele tenebroso - só porque uma classe que nos é completamente alheia a nível profissional resolve fazer greve - o que está efetivamente em causa é que nenhuma classe profissional ainda entendeu a luta dos professores, porque pura e simplesmente não sabe como é a vida dos professores. 
E não sabe como é a vida dos professores como também não alcançou que um professor decrépito, sem interesse e sem motivação, produz muito maus alunos, e logo, muito maus cidadãos. Um professor deve estar altamente motivado para ensinar os nossos filhos a pensar. Ensinar a ler e a perceber o que se lê é a base de toda a evolução. O saber pensar metodicamente, o ensinar a motivação do saber é o que em última instância nos salva a todos.
Porque os professores (os bons professores) também nos ensinam os DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS. 
Não foi em casa que aprendi o que era a Constituição, o que vinha lá escrito, que significado tinha. 
Os meus pais estavam mais preocupados em trazer o sustento e o amor, o ordenado e uma palavra amiga, do que os artigos que compõem os direitos fundamentais. Foi na escola que fiquei a saber o que era a greve, o Sindicato e os maus tratos nas fábricas (onde de resto a minha mãe trabalhou 21 anos sem um queixume) e nos demais postos de trabalho onde hoje ainda somos carne bovina na mãos de verdadeiros chefs talhantes.
Fico muito contente quando vejo a comunidade contribuir do nada, ou antes, das suas parcas economias, com 13 milhões de euros num número de telefone 760 360 260 para ajudar 500 pessoas. Mas fico imensamente mais contente quando alguém contribui com um dia do seu ordenado para uma causa que é afinal de todos.

O direito à greve não deve nunca ser contestado, sob pena da regressão às más condições de trabalho que tanto nos custaram a conquistar.
Muito menos para andar a lamber botas de patrões que não nos merecem nada, que não nos reconhecem nada, muitas das vezes nem o direito ao emprego.
    
  

13 de novembro de 2017

PANTEÃO (INTER)NACIONAL

Não que eu seja uma daquelas enfermiças agarradas às missas, mas acho que realizar um evento comemorativo no Panteão Nacional, não é uma coisa muito iluminada...
Não sei se é de mim, que não gosto e não me identifico com a temática do Halloween, mas jantar à luz de velas bruxuleantes, num local frio, onde estão vários corpos sepultados, não é de todo a minha praia. Não me é adequado.
Fora esta opinião, que é totalmente pessoal e cultural (em bom rigor é mais cultural do que pessoal), não vejo com maus olhos a mercantilização dos nossos monumentos, porquanto geram receitas, postos de trabalho, movida aos locais de implementação, e ajudam na preservação do nosso património cultural.
Exaspera-me mais uma certa opinião esclavagista e de oportunidade política, que se indigna com a profanação dos locais de culto, mas que não se coíbe de realizar o casamento da filha na Igreja dos Jerónimos, toda ela um cemitério só, ou de fazer, no mesmo local, faustosos jantares para os amigos do partido.

O Panteão Nacional é  um monumento que é visitado anualmente por milhares de turistas. É um negócio que é assumidamente isso mesmo: um negócio. Se entretanto alguém assumiu isso de forma mais arreigada e colocou preto no branco aquilo que estava na zona cinzenta, qual é a grande questão? Que no horário diurno o turistas americano pode enfardar o hambúrguer que leva escondido na mochila, mas depois à noite já não pode lá jantar?

Não consigo entender a diferença entre cem pessoas a jantar no Panteão, e depois milhares de pessoas no cemitério do Lumiar, numa grande festa, aquando do funeral do Eusébio, pisando sepulturas, partindo lápides, cantando hinos de turba claqueira, bebendo cervejas e vinho, importunando os mortos (e os vivos).
Está claro que a maioria dos indignados, sobretudo os da classe política, andou feliz e contente a  passear com a turba excursionista  no cemitério Père Lachaise, onde tirou milhares de fotos aos túmulos de figuras icónicas tais como Jim Morisson e Oscar Wilde, e trincou dois ou três croissants sentados nas escadinhas dos jazigos de Marcel Proust, Amedeo Modigliani ou Auguste Comte.

Eu fico (um bocadinho) mais zangada, e como bem apontou o Rui Tavares no Público, por saber que um Aristides Sousa Mendes jaz em local que não dignifica, nem de perto, as tantas vidas que salvou, mas que um Eusébio, esse que levou milhares a um cemitério como se fosse um grande evento desportivo, foi transladado para o Panteão 2 anos após o seu falecimento, quando por exemplo a nossa maravilhosa Sophia esperou 10 anos por esse reconhecimento.

Prioridades.

10 de novembro de 2017

OS PEIXINHOS DO TEJO

São tudo mentiras.
Não há praticamente nenhuma notícia que seja veiculada pela comunicação social, em jornais ou na televisão, que seja totalmente verdadeira e assente em factos!
Nada.
Uma pessoa abre um jornal qualquer, de grande ou média tiragem, de nome ou renome, uma chafarica, um pasquim ou uma trampa com letras, e não consegue absorver a atualidade tal e qual como ela é. Não consigo ler uma única palavra que escreva o Expresso, uma notícia que passe no Público, que não fique imediatamente de orelha fita, desconfiada porque nem dois minutos depois já está a mesma envolta em controvérsia, ou alvo de notícia na página (espetacular, diga-se) dos Truques da Imprensa Portuguesa.
Ler notícias tornou-se um tédio e dá o triplo do trabalho que me dava há 10 anos. Primeiro lemos a notícia, e depois temos de ir perceber se é verdadeira ou falsa. Se for falsa temos de ler novamente a mesma notícia, esperar que seja finalmente a verdadeira.
É uma aprendizagem tripartida, troikana, tricéfala.
É o horror da matemática aplicado às letras, é fazer uma conta e ter obrigatoriamente de fazer a prova do nove, porque meus amigos, às vezes lemos 9 vezes a mesma notícia e em nenhuma podemos confiar.

Há dias entrou-me pelos olhos uma deplorável imagem do Tejo, que mostrava milhares de peixes mortos.
Foi uma carnificina imensa que se seguiu à publicação daquelas imagens. Que as fábricas da celulose matavam a vida no rio (quais? todas? algumas? uma? who cares!), que o rio estava podre, que isto e aquilo, uma desgraça franciscana.
Vai-se a ver e afinal os peixes são alburnos. Ora alburnos são uma espécie invasora, uma praga, e que compete com as espécies instaladas, saindo normalmente vencedora devido ao seu insaciável apetite. É um adversário sem escrúpulos e sem coração. A recomendação é que não se proceda à sua introdução em mais nenhuma massa de água, uma vez que contribui de forma activa para a diminuição drástica de muitas das espécies autóctones.
Ahh, mas isto não tem nada a ver com o facto dos peixes aparecerem mortos, diz o leitor incauto.
Claro que não, mas atentai às características do referido ciprinídeo, que além do mais não é originário do rio Tejo, logo não está preparado biologicamente para algumas partidas mais agrestes do rio ou da natureza: como o rio está superlotado (há de tudo um pouco desde achigãs à ameijoa japónica) e tem atualmente pouca água devido à seca mortífera que se faz sentir, há pouco oxigénio para todos. Ora aqui está a/uma explicação.
Mas não, que a culpa é das celuloses, essas sacanas que matam tudo.
Mas não, que a culpa é das celuloses, mesmo que não se veja nas imagens outros peixes mortos que não sejam os alburnos.
Mas não, que a culpa é das celuloses, mesmo que não se veja nas imagens a água leitosa e nem qualquer outra espécie.
Mas não, que as celuloses matam seletivamente algumas espécies....
Mentira, as celuloses investem milhões na purificação das águas. Têm dinheiro para isso e para muito mais, e investem. Ao contrário do que se pensa, ou do que se veicula para que se pense, nunca as águas estiveram tão limpas, e podemos agradecer ao trabalho das celuloses.
O que mata os peixes, além destas situações ambientais intransponíveis pela ação humana, são afinal as descargas dos pobrezinhos das suiniculturas, vacarias e outras produções animais, que trabalham no limite, esganadas e esmagadas pelos preços de mercado, sem conseguir investir em mais nada a não ser no pratinho que põe na mesa lá em casa, e nos imposto que pagam aos magotes ao Estado que tudo come.
Mas as falsas notícias vão saindo e vão também esmagando e esganando a minha paciência.

Será mesmo que todos os jornalista que se prestam a dar notícias verdadeiras estão sendo  direcionados para a extinção tal como os peixes autóctones do rio Tejo?
Who Cares?

9 de novembro de 2017

DA SEMELHANÇA

Não somos diferentes dos outros.
Somos todos humanidade.
Pode haver quem por força das condições de vida, ou condições intelectuais, se torne menos humanizado, ou um humano de qualidades superlativas, mas no fundo somos todos um punhado de soldados feitos de uma peça só.

Acontece que não é para este modelo de heterogeneidade que caminhamos, aliás, a maior parte de nós faz de tudo um pouco para ser diferente, muda de penteado, deixa crescer a barba, escreve posts inteiros sem usar uma única letra maiúscula.
Artistas, dizem.
São explosões de personalidade desencaixada, que não gosta do sistema, que parte serviços de loiça inteiros, desses que percorrem várias gerações na família, só para se distanciar daquela que não é mais do a Natureza dos homens, a natureza que nos impele a sentar à mesa ... e comer em pratos.

Eu também já quis ser diferente.
A diferença é uma coisa boa quando corre bem, quando conseguimos ser diferentes por um período de tempo que nos permita um mínimo de felicidade - e um mínimo de adaptação à nova funcionalidade que passamos a ter no mesmo sistema de sempre. Acontece que a normalidade da diferença avança desenfreada e logo depois, pouco depois, se nos atentarmos à velocidade que todos imprimimos à nossa vida, logo depois, dizia eu, a diferença é clonada e passa a moda.

Interessa depois correr para fora da moda. O vulgar da moda, que é estar na moda, é isso mesmo, vulgar. E a vulgaridade rompe os estigmas, e torna-se algo diferente o ser igual.
Acontece que depois, e porque todos nós somos humanidade a querer fugir do vulgar, acabamos todos exatamente no mesmo sítio.
Na extrema vulgaridade de sermos todos diferentes.
Lutando por sermos aceites pelos que nos são iguais.
 













@Photographer Stefan Draschan visits museums around Europe to see not just the artwork but the people observing the artwork.

ONDE HÁ FURNAS HÁ CALOR!

Há cerca de vinte anos, numa altura em que ainda vivia em casa dos meus pais, naquela vidinha mole que me dava tempo para tudo - incluindo estar sozinha em casa a ver programas escolhidos por mim - via alguns talk shows.
Lembro-me perfeitamente de estar a ver um desses programas, no caso a Oprah, e aparecer um senhor muito engraçado, com uma forma de comunicar muito escorreita: o Dr. Oz.
Este Dr. Oz falava sobre o envelhecimento da pele, sobretudo o envelhecimento da pele da cara e pescoço, e durante cerca de 1 hora falou acerca desta temática, mostrando vídeos, exemplos, e imenso material, que detonava qualquer teoria sobre a utilização de produtos para manter a pele jovem. A partir daquele dia e intermitentemente, este assunto tem-me vindo à cabeça, sobretudo pelo facto irrefutável de que estou a ficar com a pele num lindo estado.
Na altura, com 20 anos e uma pele de meter inveja a qualquer moça de 40, não estava muito virada para as preocupações da idade; era imortal, e imortal era igualmente a minha pele.
Só que não.
O médico, que veio a tornar-se muito conhecido precisamente porque era bom e dizia coisas boas, transmitiu ao vastíssimo público que o seguia na Oprah, que o grande erro das mulheres (falava sobretudo para as mulheres) era essencialmente um único: lavar a cabeça em primeiro lugar.
Essa agora!
Toda a vida lavei a cabeça primeiro. Tenho aliás essa premissa impregnada, porque se não fico ali um bocado com a máscara no cabelo (enquanto esfrego as vergonhas), no final do duche em vez da minha farta cabeleira, tenho um ninho impossível de pentear.
Dizia o médico que os produtos tóxicos do shampoo se entranham na pele, primeiro através do coro cabeludo, descendo depois para a cara e pescoço, impercetivelmente e impertinentemente, provocando danos irreparáveis e envelhecimento precoce, sobretudo porque os elementos tóxicos provocam distúrbios no metabolismo da pele e aceleram a perda de colágenio, favorecendo a flacidez.
E isto tudo mesmo depois do cabelo seco!
Dizia ele que se lavássemos a cabeça em último lugar (vejam bem a elevação desta técnica com 20 anos e tão atual!) além de demorarmos menos tempo a fazê-lo (porque já gastámos o tempo mais descontraído a lavar o corpo e ficamos com a sensação que o [tempo] que nos resta é muito menor), o shampoo fica menos tempo na cabeça (só o tempo de esfregar e retirar o produto), e como já estamos lavados e enxaguados no corpo não vamos querer que o produto escorra novamente para o corpo e naturalmente inclinamos muito mais a cabeça para trás.
E foi isto esta excecional informação que eu retive durante 20 anos na minha cabeça, além claro, de 20 anos de produtos tóxicos, quiçá já bisnetos e trinetos desta malta merdosa que nos leva a juventude!
Obviamente que todos nós lavamos a cara no banho, a maior parte das vezes com outro produto tóxico, mas ainda assim, seria necessária uma limpeza profunda da pele depois do banho para nos livrarmos totalmente desses componentes que ficam alojadas dias e dias, semanas, meses, anos sem fim, na cara e no pescoço.
Onde há Furnas há calor... será?

(Agora vem aqui uma batelada de gente dizer que lava a cabeça no fim do duche, limpa a cara depois, e que tem rugas na mesma, e lá vai o Dr. Oz para as calendas pregar, e eu poderei finalmente!! libertar este espaço na minha cabeça e ocupá-lo com coisas mais sadias.)

8 de novembro de 2017

TODA A VERDADE SOBRE A UVA PASSA

"Anos antes fora uma rapariga que se sentia perdida, isso sim. As esperanças da juventude pareciam já todas mortas, tinha a impressão de decair para trás, na direcção da minha mãe, da minha avó, na cadeia de mulheres sem voz ou irascíveis de quem descendia. Oportunidades perdidas. As ambições ainda eram ardentes e alimentadas pelo corpo jovem, por uma fantasia que somava um projecto a outro projecto, mas sentia que o meu frenesim criativo era cada vez mais isolado da realidade dos tráficos da universidade e pelos oportunismos de uma possível carreira. Parecia-me prisioneira dentro da minha própria cabeça, sem possibilidade de me por à prova, e estava exasperada."

Elena Ferrante in Crónicas de um mal de amor (A Filha Obscura), pág. 336

7 de novembro de 2017

PENSO LOGO DISCORDO - Uma espécie de Carta Aberta contra a violência (das palavras)



Escrevo porque não me posso calar.
Escrevo, sobretudo, porque não deixei nunca de me posicionar quando me insurgi, tantas vezes, contra os Governos, contra jornalistas medíocres, oportunistas, fackers, click baiters, e outros escroques que nos rodeiam, ou porque nunca deixei de dar a conhecer e elevar  todos os que prestam ou prestaram serviços de interesse à sociedade, quer através de blogs, da arte ou das letras, isoladamente ou em conjunto, profissionalmente ou não.
Escrevo, não para agredir, de braço no ar e boca escancarada.
Não me interessa falar sobre quem debita impropérios nas caixas de comentários. Já há muito que deixei para trás esse tipo de pessoas, que trocaram o psiquiatra e os diversos tratamentos de choque para se estirarem, dilatarem e espraiarem nas cadeiras do virtual, anonimamente, cobardemente, agredindo e sendo muito felizes assim. Interessa-me muito mais quem detém um certo poder e uma certa visibilidade, quem tem um público concreto, fiel, amantíssimo; que se expressa e trabalha através de blogs, que vive da sua escrita e do seu produto on-line, e que por isso tem uma responsabilidade social muito maior que eu, ou do que qualquer nauseabundo comentador de rede social.

As palavras têm peso. É só disso que se trata, e considerando alguns exemplos recentes, de posts em blogs, com opiniões tão contrárias à minha, e tão profundamente erradas, a primeira frase que me vem à cabeça é: "perdoa-Lhes que eles não sabem o que escrevem".

Percebo, à partida,  uma certa posição irada, ferida, quando alguém se posiciona a favor de um agressor, mas não a posso prosseguir.
Tão pouco posso considerar que todas as pessoas que concordam em algum assunto, em massa, como por exemplo as pessoas que votam todas no mesmo partido, ou frequentam o mesmo curso de línguas, sejam carneiros, ou 'a carneirada'.
Carneiros são animais, pelo que as pessoas que não são como nós, que não fazem as coisas da mesma maneira que nós, que não caminham ao nosso lado, ou que pensam de maneira diversa e distinta de nós, não o são, naturalmente.
As pessoas são gregárias. Essa é talvez a palavra mais correta.
Animais são outra coisa. Comportamentos animais ainda outra.

[E uma vez que muitos são também os que caminham em sentido contrário, do outro lado - ao nosso lado - às vezes calados, mas muitas vezes em maior número, é difícil não ser também aquilo que se julga ser apanágio só de outros, e  facilmente se decaí para outro rebanho, mesmo que seja um distinto rebanho de ostras.]
Não há perdão para a violência. 
Não há perdão para quem violenta, quem agride, quem ameaça, quem chantageia, quem persegue, e depois para quem, e também não pode haver perdão para quem, de alguma forma, através de exemplos mais ou menos válidos, verdades mais ou menos reais, defende essa violência.
Não considero que haja zonas cinzentas quando se trata de crime. Não é possível reprovar o crime e desculpar o criminoso, não é possível ter o bolo e comer o bolo.
Há sempre uma solução para a violência que não passa nunca por mais violência.
Não andamos a gastar rios e rios de dinheiro na recuperação de toxicodependentes, alcoólicos, e agressores, para depois chegar ali um segurança de um espaço público e quase arrancar a vida de um homem à porrada, sadicamente, robotizado, alheado.
E dar-lhe razão porque afinal o agredido era também ele um agressor.

Não me alongo sobre o crime em si, visível perante milhões de pessoas, bárbaro, mas estou convicta que algumas pessoas possam estar equivocadas quando põe paninhos quentes em cima de grupos empresariais da noite e, - mais grave ainda -, paninhos quentes em cima de comportamentos agressivos que são nitidamente de grupo, de matilha, organizados, 38 vezes denunciado, fazendo decair todas as culpas para aquilo a que chamam de 'one man show', isto é, um homem louco, que decidiu sozinho acabar com a vida de um ser humano, aos pontapés.

Não há perdão para a violência das palavras.
Haverá muita gente que enegrece e tisna o dom que as palavras têm de provocar a mudança nos outros.
Há quem use a sua (excecional) palavra para chegar aos outros e o faça de tal maneira que a mensagem chega, e dá uma ideia inquinada de si próprio.
Há quem se estatele ao comprido quando decide fazer juízos de valor sobre classes inferiores, pondo-lhes o pé em cima, de forma soberba.
Há quem tenha muitas razões para se insurgir contra o Estado, contra a falta de segurança, contra o Processo Penal, contra as penas suspensas, contra criminosos que são apanhados em flagrante e nada lhes acontece, contra andrajosos seres humanos que matam as mulheres, contra as mulheres que enganam os maridos, contra a sociedade dos amiguismos, clientelismos e outros crimes superlativos.
Sim.
Mas quando alguém se predispõem a defender pela força das palavras, que tão arduamente conquistou, a violência a um ser humano, seja ele qual for, o 'tem que ser porque tem de ser', então só me resta encolher os ombros.

Havia um senhor que dizia:
"Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária, não merecem nem liberdade nem segurança"
O Senhor era Benjamin Franklin.


Deixo aqui o meu silêncio.
Nas minhas palavras.

6 de novembro de 2017

INSTRUÇÃO PRIMÁRIA

Faz hoje precisamente 245 anos que o Ex-Embaixador de Portugal em Londres (e depois Ministro do rei D. José I) a Sua Excelência O Marquês de Pombal, instituiu o ensino primário oficial. O objectivo do Ministro, neste campo, era facultar a todos os estratos populacionais o acesso à instrução, o que, para a época, era considerado uma ideia utópica

Depois desta ideia utópica, outras ideias utópicas se seguiram em Portugal, nomeadamente as ideias consagradas na Constituição da Republica Portuguesa, constituída por normas que dispõem que os Direitos Fundamentais se aplicam a todos os cidadãos, que os cidadãos têm todos a mesma dignidade social, e que são todos iguais perante a lei.

"Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária, não merecem nem liberdade nem segurança". Palavras de Benjamin Franklin , que servem para elucidar os mais incautos.

4 de novembro de 2017

E COMO ESTÁ ESSE FRANCÊS?

MARIAGE CATALAN


Dis, mon fils, il faut que je te parle !
Ce soir, après la noce, tu vas rentrer dans ta maison avec ta femme.
 Il faut que je t'explique certaines choses:

- Oui, Papa ­­­­­­
- Premièrement, tu vas prendre ta femme dans tes bras pour rentrer dans la maison, parce qu'un Catalan c'est fort !
- Bien, Papa.
- Ensuite, tu vas aller prendre une douche, parce qu'un Catalan, c'est propre !
- Oui, Papa.
- Puis, tu reviens dans la chambre tout nu, parce qu'un Catalan, c'est beau !
­­­­­­­­­­­­­­­­­- C'est vrai, Papa.
Là, tu vas regarder ta femme dans les yeux, parce qu'un Catalan, c'est fier!
- Oh oui, Papa
- Enfin, tu t'occupes de ta femme toute la nuit, parce qu'un Catalan, c'est amoureux ! Tu m'as compris, mon fils?
- Oui, Oui, Papa.

Et la noce se passe joyeusement.
Le lendemain, le Père rencontre son fils dans le village:
- Alors, mon fils, comment s'est passée cette nuit ?
- Oh bien Papa. Tout d'abord j'ai pris ma femme dans mes bras pour rentrer dans la maison, parce qu'un Catalan c'est fort ! Ensuite, je suis allé prendre une douche, parce qu'un Catalan, c'est propre !
- Après, je suis revenu dans la chambre tout nu, parce qu'un Catalan, c’est beau, et j'ai regardé ma femme dans les yeux, parce qu'un Catalan, c'est fier!
- Après, j'ai embrassé ma femme partout, parce qu'un Catalan, c'est amoureux ­­­­­­
- C'est très bien, mon fils, et après ? ­­­­­

- Après ....... je me suis masturbé parce qu'un Catalan, c'est autonome et indépendant!

3 de novembro de 2017

URBAN VEM DE URBANIDADE?

Olá outra vez!
Desculpem maçar. Cheguei mais cedo, voltei a ler, pelo que a cabeça, assim que vê assomarem-se os livros, desata num pranto de palavras.
Alguém tem de limpar.

Vi ontem, com grande admiração, uma rapariga muito ahh-ohh-ahh a filmar um bruta-montes carregadinho de esteróides, a fazer uma entrada a pés juntos na cabeça de um ser humano (des)falecido no chão.
"- Filma, filma, estás a filmar? Eu vou processar este gajo!"

O Ruim, que é um 'comediante' do Facebook, fez notar no seu post de ontem, que, de tudo o que tinha visto no vídeo, e foi bastante - pelo menos para mim - aquilo que mais o afligiu foi que tudo se tinha passado já o sol raiava, e de todas as pessoas que por ali estavam, umas a mastigar bocados de carne picada com pão, outras a escorropichar o resto morto da cerveja, nenhuma delas estava a usar óculos escuros...

O que se passa com as pessoas?
As pessoas saberão o que se passa com elas?
As pessoas saberão que há vidas que acabam assim, com uma entrada a pés juntos?
Uma pessoa está a ser espancada por um marmanjo do tamanho de um vidrão, com os outros caixotes do lixo a ver, e ninguém faz nada a não ser filmar a cena como se estivéssemos todos num filme? 
Aquilo a feder por todo o lado, a porcaria a escorrer da farda, a envergonhar a profissão, a deixar-nos a todos morrer por dentro, de raiva, de incompreensão, de humanidade, e urbanidade, e há uma miúda que disponibiliza o seu Iphone para filmar um gajo a morrer para depois processar o assassino?

Processar o assassino?


2 de novembro de 2017

MANDAR A ÉTICA PARA AS CALENDAS

Olá a todos!
É verdade, parece que finalmente recuperei a password do meu blog. Era afinal a mesma que usava todos os dias para chamar o meu falecido gato.
Ainda bem que os blogs não falecem.

Na posse de todas as minhas faculdades físicas e intelectuais, volto aqui hoje, como volto sempre, porque achei interessante transmitir-vos a minha opinião sobre certas coisas da vida, mormente as coisas da ciência e da medicina, especialmente as que se desenvolvem milimetricamente (e por isso infelizmente), porquanto a ética, essa filha de uma mulher extravagante e alegre, se mascara de mil maneiras para lhes atravancar o caminho, percorrido paralelamente por outros caminhos, muitas vezes tão difíceis de percorrer, como são por exemplo os caminhos daqueles que só podem viver, sobreviver ou ter paz se a ética for para 'escambau' - na nossa língua, para as calendas - e se vejam na posse da ciência, toda ela magnífica, toda ela esplêndida, a operar os seus corpos apagados, e trazê-los de novo à luz e a luz para o caminho.

Numa casa cada vez mais unifamiliar no que ao comando da TV diz respeito, fui ontem a feliz contemplada com o magnífico electrodoméstico. 
Caiu-me nas mãos uma mão cheia de sumidades intelectuais, entra elas o grande Sobrinho Simões, num programa extraordinário que passou na RTP3, e cujo tema foi: 


Queremos viver para sempre?
Manuel Sobrinho Simões, Maria do Céu Patrão Neves e António Bagão Félix
1 DE NOVEMBRO 2017
22H00

Extraordinário debate de ideias, que foi também uma exposição de factos, bem expressados, onde me foi possível ouvir muitas coisas notáveis,  elevadas, e pouco habituais para os nossos ouvidos cheios de ruído-lixo. 
E falou-se de tudo o que implica viver mais tempo, viver melhor, viver para sempre, e que o transplante de cabeças está aí, no virar do ano, com as hipóteses de sucesso a bater nos 90%.
Magnífico tema!
Claro que ao longo de muitos anos, todos os homens que tornaram possível este salto para o abismo que nos permitisse, a nós, Humanidade, cair de pé, suscitou muitas questões relacionadas com a ética, que na verdade esbarram com a necessidade de evoluir e apaziguar a dor, e com o tremendo avanço que isto significa para tantas e tantas pessoas que sofrem.
Transplantar cabeças!
Não entendo a total ignorância no que à ética diz respeito quando se trata de transplantar um coração, um fígado ou um rim. Parece-me que a ética, no caso do transplante de cabeça, nasce com os olhos, isto é, se conseguirmos ver com os nossos olhos um corpo desconhecido, o braço diferente, a mão diversa, logo a ética, cheia de considerações absurdas sobre como se vai sentir o homem cuja cabeça se desprendeu do corpo morto e se liga agora à vida, se levanta e põe o seu dedo no ar, acusarório; mas se os olhos não virem, porque os novos órgãos desconhecidos se escondem por baixo da pele conhecida, então a ética fica sentada no seu canto absurdo, aplaudindo com mão murcha e displicente, os avanços extraordinários da medicina.
A cabeça transplantada conseguirá viver com um corpo novo? perguntam os éticos.
E eu pergunto:
Até quando a cabeça nova deve permanecer agarrada ao corpo velho?
Mando a ética para as calendas e junto-me aos milhões de pessoas que anseiam por isso toda a vida.
Viver para sempre não é o mesmo que existir para sempre.

7 de agosto de 2017

UMA ESPÉCIE DE TRISTEZA


Venho para aqui falar sozinha, como tenho feito toda a vida. É a minha mais consistente característica, talvez a mais estranha, mas de todas a mais saudável.
Esta paisagem é também a característica mais consistente da minha vida, e gostava que ficasse assim, intacta, para sempre, como esta mania que tenho de falar comigo.
Ambas têm um peso absolutamente essencial e dominante na minha forma de ser; uma por me fazer exteriorizar aquilo que sinto pelos outros, e a outra por me fazer interiorizar aquilo que os outros sentem por mim.
Todas as pessoas que habitaram e habitam esta casa, permanente ou intermitentemente gostaram ou gostam muito de mim, e é daqui que me alimento para ter forças para o resto. Por isso, se alguma coisa abalar, transformar ou destruir esta paisagem, é quase certo que morro por dentro, muda por fora.

Para lá deste imenso espelho de água, onde nunca vislumbrei nada além do voo de mil aves, deflagrou hoje um incêndio que matou mais de 300 hectares de vida.
O fogo que passou ao largo foi um fósforo aceso que apagou a vida, e apesar de em momento algum ter estado perto da minha casa, senti a pressão do seu imenso domínio.

Todos os dias penso nisto.
Todos os dias de verão, ali, por baixo dos pinheiros, pessoas chegam para fazer piqueniques, acender fogareiros, fumar cigarros, pôr a minha vida toda em perigo, a vida dos meus pinheiros, de nós todos, com uma displicência malcriada, com modos rudes de gente que não pensa senão nas suas necessidades, de grupos de pessoas que não repeitam a natureza.

E nós ali, sem água da companhia, com uma mísera mangueira que debita um cuspo de água tão fino que quase não chega para nos regar um canteiro. Nós ali, numa casa de madeira, rodeada de pinheiros, eucaliptos, caruma, pinhas...
Nós ali, à espera que um louco qualquer venha matar a fome, e nos mate a vida toda.
Quando é que isto acaba?

Quando é que alguém me ouve, se teimo em falar sozinha?

1 de agosto de 2017

ARISTOCRACIA

Tenho evitado ao máximo explodir, criar conflitos, ser deselegante, só para não entrar em confrontos do tipo os-gostos-não-se-discutem, e cansar-me de vez das pessoas todas.
 Acho que com a idade devemos aprender a valorizar (e depois aperfeiçoar) as nossas melhores capacidades, sobretudo as de ficarmos calados perante as inconveniências daqueles que se acham superiores na casta.
Toda a gente sabe que à medida que os anos passam há uma certa beleza física que se esvai, mas há também uma outra que aparece, cautelosa e subtil. A elegância do saber estar (se possível de boca calada) e ao mesmo tempo divertirmos-nos com isso.

Adoro ver aquelas senhoras muito calmas, que parecem nunca se alterar perante as bizarrias dos outros. Os movimentos outrora frenéticos, cheios de gargalhadas e maneios de anca, tornam-se agora num cruzar de pernas subtil, goles muito mais pequenos nas bebidas, e um jeito muito particular de sorrir para os que falam. A minha avó - que foi sempre muito velha - dizia-me muitas vezes que 'o calado vence tudo', e parece que tinha razão.

Ora a minha capacidade de ficar calada é ainda muito imberbe. Sou tremendamente espontânea, sobretudo se gosto das pessoas, se as conheço bem ou se estou em vantagem quando ao assunto.
É o entusiasmo que me entala, mas é sobretudo quando me encontro perante injustiças que fico toda esboroada no quadro.
Perder as estribeiras da elegância - e o 'desculpe lá', que é das coisas mais grosseiras que uma mulher pode dizer em público, sair disparado  - é coisa para me matar de vergonha. Lá está: um desculpe seguido de uma valente alfinetada é totalmente diferente de um desculpe-lá, que já vai inquinado de possidónia.
Uma vergonha.

Mas ia eu a dizer - que foi por isso que fiz este blog - que tenho evitado ao máximo explodir.
Há coisa de dois dias (e reparem bem na finura da minha pré-maturidade, ao esperar dois dias para vir aqui contar isto), na presença de uma certa aristocracia, ia perdendo a decência.

Uma das senhoras cujo nome era Você, lembrou-se de lançar para o grupo, com um arzinho muito afetado, a pergunta mais inusitada da festa: o que era hoje em dia um aristocrata.
Desataram todos a falar ao mesmo tempo, e eu, que fui apanhando aqui e ali coisas sobre comunistas, páginas do facebook e touradas, mantive-me quieta.
Foi quando a  Senhora Você olhou para mim, depois de um longo bocejo talvez provocado pela minha roupa, e resolveu perguntar o que é que 'a menina' achava.

E eu disse: a aristocracia em portugal desapareceu há muito, mas foi proficuamente substituída por pessoas que se cumprimentam só com um beijo e tratam os filhos por você.
E ela pergunta: como é que a menina se chama?
E eu respondi: Vanessa.
E ela disse: desculpe-lá o que lhe vou dizer, não me leve a mal, mas a aristocracia portuguesa passa muito por evitar pôr esses nomes nos filhos.


Tenho evitado ao máximo explodir, criar conflitos, ser deselegante, só para não entrar em confrontos do tipo os-gostos-não-se-discutem, e cansar-me de vez das pessoas todas.

28 de julho de 2017

AS PARTILHAS

"Eu estava de calção de banho, os pés sujos de areia e ainda molhado, quando soube que aquelas imagens perturbadoras existiam."
Bruno Paes Manso - Ed 125 | Fev 2017 _Anais da violência

Eu estava sentada no meu gabinete, perna traçada há horas - trabalho sempre de perna traçada, a estrangular a veia safena - a tratar de um assunto delicado. O assunto mais delicado para se tratar, logo a seguir à organização das exéquias de um defunto, é, como todos sabemos, as partilhas. 
As partilhas têm-me consumido horas sem fim, grandes papos debaixo dos olhos, noitadas que são horas extra e também muito ordinárias, porque me obrigam a compreender o que é feito de uma determinada pessoa quando chega o momento de fazer partilhas. As pessoas perdem-se, é verdade. Não é aquele perder como o doente de Alzheimer, que encontra a porta aberta e se perde todo - não. É a dignidade que se perde, a personalidade, a bonomia, a humildade. Perde-se todo mas é por dentro, e nós ficamos ali a ver as entranhas fétidas do herdeiro, espalhadas pelo chão, e o coração que antes lhe batia no peito é agora um desperdício morto, igual aos que os mecânicos usam no bolso das calças.
A minha teoria é que as pessoas vivem as vidas desejando, e quando há uma réstia de possibilidade de terem finalmente alguma coisa, mesmo que dividida com a morte, que não leva nada mas deixa o herdeiro já morto por dentro, as pessoas agarram-se a tudo, até às coisas que nunca tinham notado existir, como se estivesse ali o último fôlego da vida. 
Um dia, quando espreitam para dentro do caixão e decidem destapar a cara daquele que já não vê, e percebem - com um alívio que pode ser medido pelo volume da gargalhada que lançam no meio do cortejo, ou pelo peidinho subtil no WC da casa mortuária - que a palavra de ordem é guerra, vão à guerra.
E perdem tudo.
É assim que ando há demasiado tempo.
Em guerra.
Perdendo as horas ganhando a vida.

Mas afinal eu estava ali sentada no meu gabinete, e nem sequer vos ia falar destas partilhas.
Ia falar-vos da PIAUÍ e partilhar uma matéria.
Eu adoro a revista paulistana Piauí. Ela infelizmente não se vende em Portugal, ma tenho por sorte alguém que partilha as matérias mais interessantes comigo. 
A matéria é extensa (umas 4 páginas) e pesada; é muito violenta, mas é como tudo na  vida. 
Quem não pode arreia.
E o saber só ocupa o lugar deixado pela ignorância.

“Caralho, vocês se foderam, seus bucetas! Primeiro de janeiro. Tá ligado quem manda nessa porra aqui?!”

24 de julho de 2017

SUBSTITUIÇÃO



Kayleigh

Do you remember chalk hearts melting on a playground wall
Do you remember dawn escapes from moon washed college halls
Do you remember the cherry blossom in the market square
Do you remember I thought it was confetti in our hair

By the way didn't I break your heart?
Please excuse me, I never meant to break your heart
So sorry, I never meant to break your heart
But you broke mine

Kayleigh is it too late to say I'm sorry?
And Kayleigh could we get it together again?
I just can't go on pretending that it came to a natural end

Kayleigh, oh I never thought I'd miss you
And Kayleigh I thought that we'd always be friends
We said our love would last forever
So how did it come to this bitter end?

Do you remember barefoot on the lawn with shooting stars
Do you remember loving on the floor in Belsize park
Do you remember dancing in stilettos in the snow
Do you remember you never understood I had to go

By the way, didn't I break your heart?
Please excuse me, I never meant to break your heart
So sorry, I never meant to break your heart
But you broke mine

Kayleigh I just wanna say I'm sorry
But Kayleigh I'm too scared to pick up the phone
To hear you've found another lover
To patch up our broken home

Kayleigh I'm still trying to write that love song
Kayleigh it's more important to me now you're gone
Maybe it will prove that we were right
Or ever prove that I was wrong

Marillion - Kayleigh (Original Version) - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=l6p09jqRLp8
QUEIRAM POR FAVOR SUBSTITUIR A PALAVRA KEIYLEIGH
POR UVA PASSA


Hoje comemora-se as 500 mil visitas aqui do blog, e era giro... se... enfim... 
Obrigada meus amores.
Por tudo.
Um abraço.

20 de julho de 2017

É SINISTRO

[Ou apenas coincidência?]

É uma pergunta assaz pertinente quando falamos em relações humanas.
Ontem passei os olhos numa publicação online que dava conta do 'casamento' entre dois irmãos e do nascimento para breve do filho de ambos.
Torci logo o nariz e lancei as culpas imediatamente para os pais que não souberam ensinar os seus filhos que aquilo de brincar aos médicos é muito giro, a criançada aprende imenso, mas convém que entre irmãos a relação não passe de médico-recepcionista, ou médico-outra coisa qualquer, porque depois a coisa pode descambar e acabar assim, com a conclusão de que o pai da criança é afinal o tio da criança, irmão da mãe, filho do mesmo pai.
Mas que não, que se se conheceram depois, já crescidos, quando um deles se lembrou de querer conhecer uma tal de irmã que há muito se tinha separado do pai de ambos para ir viver com a mãe só dela, e pumbas, apaixonaram-se e borrifaram completamente no assunto de serem irmãos.
Eu também já fui namorada do neto do meu avô, mas no caso a culpa nem foi nossa. Acontece que os nossos avós também se apaixonaram e casaram (em segundas núpcias) e só depois é que nos conhecemos.

- Olá!
- Olá!
- Por acaso não tens um cigarro?
- Tenho, queres?
- Quero.
- E lume, tens?
- Tenho. Toma, só tenho fósforos.
- Vais baldar-te às aulas é? Já tocou.
- Vou. É matemática.
- Ya, fixe. Também estou sem aulas.
- Andas nesta escola?
- Ya.
- Nunca te tinha visto.
- Sou da noite.
- Ok.
(...)
- E passas onde as férias?
- Na Lagoa de Albufeira. Conheces?
- Ai é? Olha o meu avô tem lá uma casa. Já não vou lá há bués, desde puto.
- Ai é? Conheço toda a gente lá, como é que ele se chama?
- Zé.
- Zé quê?
- Zé (...).
- Tás a gozar?!
- Não estou não. Porquê, conheces o meu avô?
- Pah, chavalo, nós somos primos!!
- Ahhhhhhhh tu é que és a Uva Passa, a neta da (...)?
- Ya!
- Granda cena.
- Bora namorar?
- Bora.

É engraçado a forma, tão estranha, que a vida assume para levar a água aos moinhos que estão parados.
Não sei se é sinistro, ou se é apenas uma coincidência.
Como dizem que não há coincidências, a coisa é, só pode!, ser totalmente sinistra.









Ronit Baranga, Sculptress
Born, lives and creates in Israel. Ronit creates figurative art on the border between living and still life. Her art is displayed in museums and galleries around the world. 
http://www.ronitbaranga.com/about.html


19 de julho de 2017

VAMOS

[À escrita]


SUMÁRIO
Concurso para atribuição de bolsas criação literárias

Aviso n.º 8016/2017
Diário da República n.º 136/2017, Série II de 2017-07-17

Data de Publicação:2017-07-17
Tipo de Diploma:Aviso
Número:8016/2017
Emissor:Cultura - Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas
Páginas:14690 - 14690
Parte:C - Governo e Administração direta e indireta do Estado


1 - Torna-se público que se encontra aberto, pelo prazo de 30 (trinta) dias úteis a contar do dia seguinte à publicação do presente Aviso, o Concurso para atribuição de bolsas criação literárias.

2 - Os destinatários das bolsas são pessoas singulares, de nacionalidade portuguesa e que escrevam em português, nas modalidades de poesia, ficção narrativa, dramaturgia, banda desenhada e obras para a infância e juventude.

3 - Em 2017, o número máximo de bolsas a atribuir é de 6 anuais e 6 semestrais, com os montantes no valor de (euro) 15.000,00 e (euro) 7.500,00, respetivamente, no total de (euro) 135.000,00.

4 - A avaliação e seleção das candidaturas admitidas cabe a um júri constituído por Alice Vieira, Helena Buescu, João de Melo, João Paiva Boléo, Maria João Brilhante e Nuno Júdice.

5 - As candidaturas são apresentadas em formulário próprio que se encontra disponível na página eletrónica da DGLAB, e podem ser entregues pelos seguintes meios:

a) Pessoalmente na Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, Direção de Serviços do Livro, sita no edifício da Torre do Tombo, Alameda da Universidade, 1649-010 Lisboa, das 9:00 às 12:00 e das 13:30 às 16:30;

b) Remetidas por correio registado, com aviso de receção, expedido até ao termo do prazo fixado para o endereço referido na alínea a).

c) Por correio eletrónico, para o endereço dsl@dglab.gov.pt

6 - O Regulamento do concurso e o formulário das candidaturas encontram-se disponíveis em: http://livro.dglab.gov.pt

Contactos: E-mail - dsl@dglab.gov.pt - Tel. 210037420/21.

07 de julho de 2017. - O Diretor-Geral, Silvestre de Almeida Lacerda.

310626174


REGULAMENTO E REQUERIMENTO: 

17 de julho de 2017

EU ANTES

[Gostava muito de escrever]

Vinha aqui pedir desculpa aos leitores, por não ter aqui nada que se leia.

É infame a publicidade enganosa, tanto quanto o é um blog enganoso.
As pessoas não mudam, mas as vontades, a criatividade, e os interesses mudam muito, e quando a vida se apaga um bocadinho, ou se apaga algum bocadinho da nossa vida, acabamos por nos tornar soturnos, apáticos e sobretudo muito muito baralhados das ideias.
A instabilidade habita em mim e isso faz-me mudar o (meu) mundo.
Eu antes gostava muito de escrever; chegava a ter náuseas agradáveis quando acabava de produzir qualquer coisa engraçada, e ficava logo bem disposta para o dia todo como se tivesse passado num hospital para dar sangue - mas a certa altura fiquei muito baralhada das ideias.
Escrever até podia significar uma passagem pelo hospital mas talvez para limpar o rim preguiçoso, o que é totalmente diferente e bastante mais doloroso.

As coisas que aconteciam no dia a dia da minha vida, da comunidade, do mundo em geral, e que muito logrei em comentar, deixaram de ter a importância de outros tempos, não sei explicar bem isto mas aborreci-me de repente com a Humanidade, talvez tenha sido uma desilusão pequenina que foi crescendo à medida que as bombas foram explodindo, as crianças foram morrendo, e o meu coração apático e pouco nutrido, deixou ali de bater, incrédulo, quando percebeu que talvez todas as palavras do mundo podiam não servir para nada.

Foi quando apaguei as notícias da televisão.
Os cadernos diários aqui da casa, outrora tão catitas e interessantes, outrora tão queridos e partilhados, transformaram-se num monte de matéria de empinar, e já se sabe que isso não é musa nenhuma, nem musa que chegue.
Acabei por me afastar da escrita e dos livros e fiquei também cansada - e esta é uma verdade incontornável - de estar constantemente preocupada em ter uma opinião sobre tudo.

Eu antes gostava muito de escrever, mas atualmente encontro-me muito enjoada (e enojada) de um certo mundo.
E continuo baralhada das ideias, porque eu antes achava muito, e agora não acho nada.

Preciso passar num hospital.
Pode ser que tenha cura.