Em 1975, apaixonado, o meu avô emprestado construía na Lagoa de Albufeira uma casinha pequenina de madeira, uma cabana, um cunico, para fazer amor com a minha avó verdadeira, sem os olhares acusadores das gentes do bairro.
Mais tarde, ameaçado por um fiscal que lá aparecera à porta com o dono do terreno, resolveu comprar os dois lotes que afinal já ocupava, salvando assim a casinha, o amor, e muitos anos depois, toda uma família.
O meu avô era um homem muito astuto, e não se bastava com uma casinha qualquer no meio de um pinhal qualquer. Estou até a imaginá-lo a olhar para a Lagoa, cá do alto, perscrutando atento e decido, com o seu grande braço à volta da cintura pequena da minha avó, o sítio mais bonito para lhe oferecer.
E foi sem dúvida o mais bonito que lhe deixou.
Da minha varanda posso comprovar que a natureza é de certa forma aquilo que nos salva a todos, é efetivamente aquilo a que chamamos Deus, é o último reduto de todas as nossas esperanças.
O meu avô deixou-me, a mim, à minha avó, à minha filha, aos meus pais, ao V. e a todos os que nos visitam e que gostam de nós, um bocadinho dessa natureza, para sempre.
Por isso não entendo certas partilhas.
Por isso não entendo que filhos se degolem para vender apressadamente aquilo que lhes foi legado pelos seus pais.
A casinha no meio do nada, a grande propriedade, todas as memórias de infância, o suor e o esforço que dedicaram toda a vida para deixar um bocadinho deles inscrito na história da família, é, por assim dizer, vendido numa canastra.
Por isso já não tenho nada no meu Alentejo.
Por isso perdi o meu quintal, a minha árvore e o meu baloiço.
Mas enquanto a minha Lagoa for minha, e enquanto a minha varanda aguentar, o meu avô pode ter a certeza, absoluta, que o seu último reduto, o bocadinho de Deus que nos deixou, há-de ser naquele mesmo sítio onde outrora, laçou um amor pela cintura.
belíssimos, a história e o local.
ResponderEliminarsem palavras.
um beijinho*
Olá Inesinha.
EliminarUma história muito surreal (de filme) que já está num livro que um dia ainda vais ler, oferecido por mim.
Todos os avôs que amam avós são assim
ResponderEliminarOu se não são, é assim a memória que temos deles
na mística deixada por um longínquo gesto, um sorriso, um colo
(gosto que aprecie os valores de família, minha amiga)
A família, depois da natureza, é o último reduto de todas as coisas. Ali se congrega tudo o que fomos e tudo o que somos. Devemos preservar o tanto quanto possível tudo o que nos deixaram.
EliminarOs valores da família, dizes bem Roger, porque depois vem a família de verdade, as pessoas, e às vezes é uma desilusão atrás da outra.
Sinto as coisas desta mesma forma; mas infelizmente, no caso da minha família, o que foi vendido foi mesmo como forma de vingança, o que é muito triste.
ResponderEliminarAs pessoas não entendem que aquilo que fazem volta para elas de forma ainda mais avassaladora.
EliminarSe o arrependimento matasse não se cometiam tantas vinganças inúteis.
Lindíssimo post. Parabéns!
ResponderEliminar;))
EliminarOh.
Quem tem essa vista tem "quase" tudo, Uva.
ResponderEliminarTem sim, Fê, tem sim.
EliminarA Lagoa é o meu pequeno paraiso há mais de 30 anos...vi as casas pequenas a crescer, as tendas a sairem finalmente de dentro da lagoa, o alcatrão a chegar, o silênciar dos geradores, as obras no acesso à praia ... o café "Paraiso" a ser e a deixar de ser um ponto de encontro... religiosamente, fruto, também de um avo visionário e de um pai que ganhou na luta das partilhas, posso dar à minha filha, todos os fins de semana (chova, ou não) este meu (afinal tão nosso) pequeno, e ainda, paraiso.
ResponderEliminarHavemos de nos ver por lá...
Ainda temos a casinha do gerador que agora é uma cozinha improvisada a precisar de obras. Nós ainda não temos a água e nem os esgotos, e nem o alcatrão. Aguardamos serenamente pelos POC´s, pelas REN´s, pelas Redes Natura, e por políticas que nos atrasam a vida.
EliminarMas havemos de lá chegar.
Ainda no fim de semana passado passei no Paraíso de bicicleta. Olhei lá para dentro e só vi foi malta da minha idade (que outrora ali se encontrava) cheia de filharada pequena.
É bom. Somos nós, os meninos da Lagoa, a multiplicar!
Sim. Vemo-nos por lá. Eu sou a Uva. Muito prazer.
A casa é fácil de encontrar.... é a que tem a vista mais bonita.
Que lindo, Uva. Entendo-te tão bem...
ResponderEliminar;)
EliminarÉ fácil entender sentimentos quando também os sentimos.
Gostei tanto! :D
ResponderEliminarTens de me fazer uma vista!
EliminarLindo lugar Uva. Bem haja o teu Avô que te deixou tamanha riqueza :)
ResponderEliminarLindo sítio Uva... Também tenho uma lagoa, que por ora secou... Era da minha avó e agora é nossa, e encontra-se no local onde apanhávamos musgo para o presépio...
ResponderEliminarBeijinho para si.