A primeira vez que a vi, fumava descontraída no jardim aquilo que me pareceu ser um ganza de erva. As calças rasgadas, talvez fruto de uma imposição da moda - esse fenómeno tão absolutamente humanizante, tão socialmente agregador, e ao mesmo tempo tão humilhante e submisso - e o cabelo em desalinho, davam-lhe um ar de quem se descomprometeu dos afazeres pessoais há anos, como quem brinca com a vida, leve, vendo os dias passar.
Fitei-a com os melhores olhos que tinha. Um misto entre 'sei o que estás aqui a fazer e é na boa', e um 'fuma para aí à vontade que não sou eu que te vou julgar', e sentei-me ao lado dela.
Pedi desculpa, claro, por me sentar assim na roda de amigos que eram tudo menos meus, mas à falta de melhor oportunidade, e há falta de melhor que fazer, desenvencilhei-me com a tirada doméstica de 'gostava de fazer umas fotos do jardim, mas gosto mais do ângulo ao baixo'.
Não me engavetou de imediato. Deve ter pensado dar-me uma oportunidade e passou-me o charuto. Não quero, disse-lhe, fico mal disposta. Não insistiu. A minha oportunidade foi curta. À passagem de uma efusiva amiga, levantou-se de um pulo, e agarradas ao pescoço uma da outra, sumiram-se por entre as pessoas, fazendo um cagaçal dos diabos.
A segunda vez que a vi, umas boas semanas depois, apareceu-me rebuscada, demasiado pintada, vestindo uma vida alternativa, à porta do Rule of Law. Diria que o colar de contas, muito feio, que trazia pendurado ao pescoço, faziam dela toda, um ser muito pesado. Reconhecia-a de imediato. Inovadora, trazendo pessoalmente nos braços os filhos menores, bem criados, a sua mais esperançosa lista, as datas de um passado minúsculo mas convidativo.
Largou-me uma mão cheia de anéis e apertou-ma com força, à homem, como se quer entre mulheres.
- Bom dia! Peço desculpa incomodar. Posso entregar-lhe o meu CV? Acabei o curso de Direito e gostaria de saber se estão a contratar?
Dei uma olhada rápida ao papel sem saber o que fazer. Ali à porta, defronte de uma desconhecida-conhecida, fiquem sem as palavras e fugiram-me os trejeitos.
Fitei-a com os melhores olhos que tinha.
- Claro que sim. Espero responder-lhe em breve. Qual é a área de preferência?
- Fiscal!
Recebi-lhe o filho nas mãos, e pensei para comigo: são tão maravilhosamente polivalentes que assustam os que na sua comezinha vida só conseguem fazer uma vida de cada vez.
Prometem muito estas novas gerações.
Oiçam o que vos digo.
boa polivalência, esperemos que não sejam todos iguais, haverá uns que não saem de casa e serão uns "geeks", outros vivem demasiado estilo James Dean, é ter esperança, está nas nossas mãos alguns ;) por esses faremos o melhor, quanto aos outros...
ResponderEliminar"...os que na sua comezinha vida só conseguem fazer uma vida de cada vez". É isto mesmo. Só consigo viver uma vida de cada vez. Um bem haja a quem consegue saltitar entre mundos!
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