Parece que de vez em quando devemos ficar gratos à vida porque nos permite, volta e meia, dar uma volta completa, alterar a paisagem, mudar de horizontes.
Soube, e agora sei, com muita pena minha, que há pessoas que vivem uma vida inteira, e depois morrem, sempre com o olhar tropeçando nas mesmas coisas, nos mesmos quadros, pendurados nas mesmas paredes, de uma mesma casa, de um inalterável bairro. E essas pessoas são gratas também, por esta constância da vida, por esta ausência de sobressalto, de surpresa, de afrontamento e de paixão.
Manter o mesmo quadro é evitar a canseira da migração, a canseira de reunir a família e os amigos, os inimigos e os desconhecidos, e colocá-los - a todos sem exceção - em fila indiana à procura de outras paragens, de outras pastagens.
O difícil de sermos totalmente gratos a esta força centrífuga da vida, que nos faz mudar de quadro, ou de prego, é no fundo as externalidades dessa mudança, o facto de termos de arrancar todas as flores do canteiro, as roseiras e as daninhas, as orquídeas e os cactos, e seguir caminho deixando apenas um vaso de terra seca que não soube, não sabe, e jamais saberá, cumprir o seu objetivo último.
Penso muito nisto quando vejo tudo aquilo que me apoquenta por estes dias.
Nada me importam as pessoas que souberam arrancar a vida daquele prego espetado naquela parede.
Sou até muito grata [à vida delas] por terem conseguido a proeza de uma alteração.
Custa-me muito mais as pessoas que sabendo exatamente qual o caminho a seguir, se quedam em vasos caducos, rodeados de pessoas daninhas, que picam muito mais do que a fome.
Gostava que a minha vida saísse do prego.
Não há maneira de lhe agradecer um terramoto.
Porque as paredes não caem sozinhas.
a vida a obrigar-nos a olhar para ela e, por ela.
ResponderEliminarboa semana, Uva.
Olá Mia.
EliminarPois sim, pois sim. E o tempo que me falta, e que me faz tanta falta, deixa-me sem tempo sequer de olhar por mim, quanto mais para a minha vida.
Um martelo de orelhas dá sempre muito jeito. ;)
ResponderEliminarHahahahahaha. Um marreta? Zás! Até a casa ia abaixo!
EliminarNão posso entender o texto lido
ResponderEliminarsenão como uma metáfora
comento com outra
se caírem as paredes
de que vale?
se as ruas
permanecerem intactas
sujas, cinzentas, pacatas..
Ai que bonito.
EliminarO Saramago dizia que sem casas não há ruas.
às vezes deixamos de nos importar. numa regressão à interioridade, fazemos as mesmas coisas, com o mesmo zelo, que acabam nas mesmas secretárias do esquecimento. e, nem que seja por um breve momento de liberdade, deixamos de nos incomodar com isso.
ResponderEliminarAbraço, querida Uva.
...
e, no entanto, ainda estou, a esta hora, a pensar como redigir logo pela manhã um relatório de auditoria que vai partir muita loiça, acerca de não conformidades já relatadas duas vezes, de maneira a sensibilizar as pessoas e não a estimular o seu despedimento.
de facto, não conseguimos alhear-nos muito tempo.
também estou cansado. é este ethos horrível desta era.
(vou também verificar as impressoras. pode dar-se o caso de, por engano, ter carregado aquilo com papel higiénico)
Os teus comentários são um bálsamo anti-age para a minha pele enrugada.
Eliminar(Pensas que só tu é que és poeta?)
Se sabes o caminho a seguir é só preciso coragem
ResponderEliminarSó que não... tenho. Pronto, disse!
EliminarEstou de facto a olhar para o mesmo quadro há demasiado tempo.
Algum conselho que não meta a frase 'tens de sair da tua zona de conforto'?
É que eu estou numa zona de desconforto.
;)
Olá, bem vindo à minha linda vinha.