21 de fevereiro de 2014

Tele-Percebes

Eu vivia perfeitamente numa ilha deserta, desde que houvesse bicheza do mar ali por perto.
Toda a minha gente sabe a perdição que tenho por marisco. Em tudo o que é jantar ou festa, e sendo eu a  organizar, é mais do que certo que há uma travessa de camarão e uma sapateira escarrapachada no meio da mesa, sempre em grande destaque. Isto se for inverno e não estiver para grandes trabalheiras, porque se for de verão, é mariscada dia sim, dia não, sendo o dia não, dia de caracóis.
Todos os finais de ano, enquanto está meio mundo agarrado às uvas-passas a pedir dinheiro e emprego, eu estou agarrada a uma pata de sapateira a pedir a todos os santinhos que não me apareça o problema do acido úrico ou alguma alergia ao bulhão pato. Às vezes peço também que não me caiam os dentes, e que se por acaso se der essa fatalidade, preserve ainda por muito tempo a minha capacidade de sucção, para conseguir chupar as cabecinhas.
Mesmo que eu quisesse fugir à tentação, o universo haveria de encontrar uma maneira qualquer de me aparecer com o assunto do marisco à frente, mais não seja porque tive a sorte o azar de crescer em frente a uma Lagoa carregadinha de bicheza brava e outros bivalves e ainda de ter um pai que é viciadíssimo na apanha da ameijoa.
Por isso, não tenho descanso. Se estou a trabalhar no computador, às voltas com um articulado, é certo que a cada 10 minutos me chegam 3 ou 4 emails com cupons, grupons e olxons com promoções de lagostas de 5kg que até me saem do monitor aí uns 20 cm para o lado da janela. 
No rés do chão do meu escritório, tenho 2 restaurantes, um de cada lado, e em frente tenho uma mega loja de chineses. Se penso em sair para tomar uma biquinha, zás, aparece logo um chinoca a perguntar se eu sei onde se come aloz de malisco.
Claro está, que estas situações diárias fazem muito mal à minha adição e a partir das 11 da manhã, já só me cheira a canivetes salteados, mexilhões à espanhola, e burriés.
Foi por este assustador fandango diário, qual toxicodependente em estado terminal,  que decidi que iria fazer, a partir de 2ª feira, uma desintoxicação de marisco, mas não sem antes ter ensovacado uma sapateira de 3 kilos, no dia dos namorados.
Mas há coisas na minha vida, que caramba, não lembram ao careca.
Logo na primeira 2ª feira da marisco-dieta, uma alminha que já não via desde o verão, convida-me para ir comer... sushi. Ó valha-me a Nossa Senhora dos Mariscos Aflitos, mas será que a bicheza é karma? É perseguição?
Declinei educadamente. Tinha levado para a marmita uma lata de feijão frade com atum e ovos cozidos, e não iria ceder por um produto de 2ª categoria.
Estava decidida a acabar com esta vida, e às 14.30h tinha já desativado os todos grupos promocionais  do meu e-mail. Às 15.30h, a minha avó, que (só) por acaso se chama Vieira, ao telefone:
- Olá! Por acaso não queres um saquinho de ameijoas que o teu pai apanhou na Lagoa este fim de semana? São cá umas granjolas!!
- Não quero avó, façam vocês.
- Não queres? Ai não queres? Deves estar doente.
Mais uma batalha vencida. Esta última de grande dificuldade, já que adoro ameijoas. Estava obviamente no bom caminho, e pelas 17h, ainda estava tudo calmo.
Às 18h, ligo-me ao facebook. Um post super animado chamou-me a atenção.
Dizia então assim: Percebes. Se alguém quiser, eu arranjo cozidos e levo a casa.
Nunca, mas nunca tinha visto ninguém, perceberam, n-i-n-g-u-é-m, anunciar percebes cozidos no facebook. Tele-percebes no facebook?
Quando dei por mim já lá tinha o meu comentário. "Quero!"
Desolada e desiludida por ter falhado redondamente nos meus intentos, recebi pelas 19.30h à porta do meu escritório, um alguidar de percebes cozidos ainda a fumegar e a cheirar a mar. Toda eu era formigueiro e ansiedade, as mãos tremeliques de tal forma que tive de ir a correr esconder aquilo no frigorífico para não me agarrar à bicheza e ficar a tresandar a pexum no meio de todo um grupo empresarial.
Mas as coisas da minha vida são assim mesmo, imprevisíveis, e quando o meu querido marido me foi buscar ao trabalho e me viu com cara de enjoada, disse-me:
- Tu hoje está com cara de quem está fartinha deste trabalho. Eu também tive cá uma dia, credo!Sabes o que devíamos fazer?
- Ir jantar fora? É que eu tenho aqui...
- Não! Era mesmo largar isto tudo, esta loucura do trabalho, agarrar na miúda e ir para Sesimbra...
- Sesimbra? Hum. Fazer o quê?
- Então, abrir uma Marisqueira.
- ............

 



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