21 de abril de 2014

Conte lá, conte lá. Gostou do Mercado de Campo de Ourique ou não?

- Ai querida, sei lá! Ainda não sei se aquilo é chique, hippy-chick, hipster-chick, ou uma possidonisse.
- Não me diga que foi para lá cheia de fome? Olhe que ir assim para um mercado, cheia de fome... A menina não sabe que nos mercados só vendem coisas cruas? E as frutas, credo, ainda vêm com aquela coisa, a casca, um nojo.
- Estava a morrer de fome! Acordei já passava das 14h, cedíssimo. Ao almoço tinha comido um caroço de nêspera e não sei onde estava com a cabeça, que meti uma uva na carteira para lanchar, e nem reparei que a empregada se tinha esquecido de tirar as grainhas. Depois é esta vida louca que tenho. Não sei como consigo aguentar tanta responsabilidade. Passei o dia em reuniões e mais reuniões. Os decoradores, já se sabe, por eles até comiam as amostras dos cortinados para manter a linha, mas a menina sabe bem: eu não gosto de riscas, e olhe, fiquei assim, sem comer nada o dia todo.
- Deixe lá. Está ótima. Mas diga-me,  ainda tem aí a uva? gostou ou não do conceito? Dizem que é muito in, sempre cheio de gente gira, sei lá!
- Que é diferente, lá isso é, mas não é coisa para a pessoa morrer de amores. Só tive pena de chegar tão tarde.  Disseram-me que em Madrid é muito melhor. Servem os cafés em chávena de loiça e tudo, coisa que não acontece aqui.  Ainda disse ao meu marido Bernardo Soares de Almeida e Casto para experimentarmos antes o mercado de Madrid, que afinal de contas é a um pulinho de Lisboa, mas a mãe dele, coitada, teve um problema no banco e não lhe fez a transferência. Assim, olhe, decidimos ir aqui a Campo de Ourique, que parecendo que não, fica-nos mais em caminho.
- Mas a querida, gostou do Mercado de Campo de Ourique ou não?
 
 


Não sei.
O Mercado de Campo de Ourique tem mais fome do que barriga.
Se aquilo é para ser uma praça comum, com 2 cadeiras desemparelhadas, onde as pessoas andam aos encontrões, e algumas até, se digladiam para ver quem é que fica sentado, então mais vale irem ali à mercearia de São José, pedirem uma sandes de  presunto e sentarem-se calmamente na escadinha, a ver passar os turistas. Passam menos fome, fartam-se de rir com as indumentárias e ficam com mais dinheiro na carteira para mais tarde comerem qualquer coisinha de jeito.
Enfim, ir jantar a um sítio espetacular, demorar 2 horas a estacionar a viatura, chegar com a barriga a roncar horas, com seis capangas mortos de fome, e depois não ter uma mesa para poisar, vá, o pratinho dos acepipes, pode ser muito in, mas para mim é uma bela merda.
Fora isso, temos o problema da Sangria.
A sangria é o ex-libris lá do sitio. Percorres todo um recinto à procura da banca dos bebes, e heis senão quando, és atendida por uma catraia de São João da Pesqueira (a ver pela boina) que te serve com um ar macambuzio, num jarro de vidro de 2 litros, uma coisa que leva: 1 litro de vinho tinto de rótulo comercial, 2 folhas de hortelã, 5 cubos de gelo a saber a frigorífico, 1/4 de sumo ranhoso e passa para cá 18 euros! Passou-me logo a fome. Já da vontade de comer não me livrei eu, e por isso, antes de lhe dar uma dentada nos dedinhos que recolheram (subitamente com imensa energia) a minha nota de 20 euros, fui ver se havia alguma coisinha que pudesse agradar aos marmanjos que ficaram à minha espera de pé, agarrados à única mesa que encontraram vazia, sem cadeiras.
Na banquinha mais à frente, pude encontrar 2 rapazolas muito bem dispostos. Um, mais tristonho, tinha acabado de perder o papagaio. Eu vi isso imediatamente. O poleiro vazio na orelha esquerda, denunciava-o. Tive pena dele. Aquela orelha nunca mais seria a mesma. Resolvi pedir-lhe uma tabuinha de salgados. Ora bem: 3 fatias de queijo de cabra mal curado, 3 fatias de queijo de Nisa de Loures, um ninho de fatias finas de presunto ao meio, e mais 3 fatias de chouriço rijo e gordurento do Continente. Sim senhora! Acompanhava este belíssimo quadro um cestinho com 3 tostas mal aparadas, tapadas (obviamente) com um guardanapo preto, da Renova. E passa para cá mais 20 euros. Estive quase a abrir-lhe um buraco na outra orelha, com uma faca que por ali andava perdida, mas depois tive pena do pobre pássaro que lá iria morar, e optei por pagar e ir-me embora, com um sorriso muito, muito amarelo.
Bom, depois de um dia de trabalho daqueles que só uma super-secretária tem, só faltava encontrar velhos amigos, amigos desses que foram os nossos super-patrões, sim, naquela outra vida, em que tu eras só secretária e o super era só nas festas de Natal, quando apanhavas valentes cardinas.
Já não bastava a pessoa estar cheia de fome, furiosa, e vir com um jarro de sangria de 18 euros, numa mão, equilibrando um tabuinha merdosa de 3 fatias de queijo e um ninho nojento de chouriço na outra, caminhar com cara de quem não tomou banho, com aquela sensação estranha de ter sido assaltada por piratas com papagaios nas orelhas, e depois, caramba,  justo no dia em não pintaste as raízes, não retocaste a maquilhagem, ser sexta feira e vestires uma merda qualquer (daquelas que ainda te servem) e depois, como se fosses subitamente bafejada pela sorte, zás! A patroa-mor, justo a quem entregaste a tua carta de despedimento, à tua frente, linda de morrer, a cheirar a perfume caro, usando aqueles óculos de massa que tu adoras, mas que não tens dinheiro para comprar...
- Olá! Tá boa? Então, tá a gostar, têm-na tratado bem?   
E perante o teu ar incrédulo e a tua miserável resposta 'nim' que ela topou à distância, a tua ex-patroa, a rir-se para dentro cheia de pena de ti, passa-te uma mão nas costas, como se faz aos doentinhos e diz-te:
- Ainda bem. Vejo que está feliz.
 
- Mas conte lá. Gostou do Mercado de Campo de Ourique ou não?
- Olhe, tenha dó, tá bem? Eu ainda nem comi nada.
- Há ali uma banca ótima. Compramos 5 cenouras.
- 5 cenouras? E quanto poderão custar? É que sabe, só tenho 5 euros.
- Olhe, nem de prepósito. 5 cenouras, 5 euros.
 
 

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