8 de outubro de 2014

Hoje são eles, amanhã somos nós.

Por motivos profissionais e do coração, assumi durante muitos anos a gerência e a direção técnica de uma S.A.D. 
Durante o tempo em que estive envolvida nesta profissão, assumi muita vezes o papel que deveria ser assumido pela família, mormente pelos filhos ou familiares mais próximos dessas pessoas, e por ausência ou total desresponsabilização destas redes, vi-me muitas vezes envolvida em situações de grande stress pessoal, situações de grande luta interior, de desilusão e de raiva, perante as atrocidades e o desrespeito pela condição humana e pelo indivíduo, que só em filmes, é verdade, só em filmes é que algumas pessoas eram capazes de preconizar.
Ninguém escolhe a família que tem e nem os filhos que tem. 
Muito menos conhece o futuro para lhe ver nos entrefolhos o que dele pode esperar, e desta forma, prevenir aquilo que aí vem.
E o que aí vem é na maioria das vezes um tsunami, uma avalanche, um inferno.
O inferno da velhice, das pernas que não andam, das rendas que não se pagam, dos remédios que não se compram, da dentadura que é postiça, do cabelo que ficou ralo, das reformas de estalo..
Ah, mas temos o Estado, e em Portugal não se morre à fome.
Mas eu digo-vos: a fome é que não é essa. 
A fome é outra.
É a fome de um amigo, a fome de ver os netos, a fome de abraçar os filhos.
A fome de carinhos.
É a fome que vem por conta da abundância, é a fome da ganância.
As pessoas foram feitas para serem amadas, e as coisas para serem usadas.
Hoje, as coisas são amadas, as pessoas são usadas e depois desprezadas.

Quem se deserda antes que morra, merece uma cachaporra.

*Serviço de Apoio Domiciliário a Idosos e Dependentes

13 comentários:

  1. Todos os teus textos são ricos, umas vezes rimo-nos, outras...não.
    Este em particular é duma pertinência e crueza acutilantes.
    Pela verdade dura que encerra.
    Pela brilhante fluidez do teu sentimento.
    Que partilho.
    E plaudo, de Pé!

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    1. Obviamente, babo-me.
      Hahahahahahah.
      Olá Dinada. Essa vidinha! Eu hoje estou amorfa. É do tempo.
      E depois são as coisas que vejo diariamente, credo, está tudo doido, caramba.

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    2. O tempo, esse avariado da pinha que já me fez suar 2 kg hoje, quilos esses que por acaso me fazem falta, gasta uma pessoa uma pipa de massa em comida e vai-se a ver e é isto.
      Não há condições, assim não há condições :D :D :D

      (mais de resto a vida vai-se levando, como Deus quer, fazendo um esforço para sorrir pelo menos 43 vezes por dia (umas 38 resulta da visita diária aqui à Uvinha ;) )

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    3. *resultaM, chícara, a falta que faz o botão de editar nos comentos!

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    4. Tenho andado sem graça nehuma. A rotina dá cabo de mim.
      Sinto-me, olha, uma Uva Passa.

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    5. Ahahahahah...olha, ri-me!
      Vez? :D

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  2. Em tempos fiz um post exactamente com o mesmo título, quem se deserda antes que morra...

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    1. Tu nem sabes as coisas que eu vejo por essas famílias a fora, caramba. Só à estalada.

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  3. Infelizmente a melhor palavra para descrever essas situações é abandono, que é aquilo que ninguém deveria ter de sentir em nenhuma fase da vida.
    Mas também faço uma ressalva: nem sempre é fácil estar também do lado de lá. Não é, e nem nunca será, equiparável a estar num local desses, mas é também muito difícil atravessar aquelas portas, ser-se inundado por aquele cheiro característico, encarar a realidade, meter o nosso melhor sorriso quando só nos apetece chorar, falar para quem já não nos reconhece, dar um carinho e ter a certeza que é muito pouco, perdoar e desculpar o passado.
    Custa muito tudo isto na velhice, depois de tanto e de tudo.
    Mas e quando é alguém da sua idade Uva Passa? Quando passa pelos corredores e pensa "podia ser eu"?
    A vida é uma dádiva muito grande, que muitas vezes não sabemos agradecer ou cuidar.

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    1. 'Custa muito tudo isto na velhice, depois de tanto e de tudo.'
      Por muito que nos custe, devemos usar da previdência para minimizar os estragos do fim da vida.
      Deixar 'algum' para que não nos reste depois nada. Saber que hoje eles e amanhã nós é tão certo como a morte.
      Teria de ir por outros caminhos se abordasse também o abandono dos jovens deopendentes.
      Neste momento falo apenas dos velhotes, que depois, como muito bem dizes, de tudo e de tudo muito, acabam sem ninguém e sem nada.
      Saberás concerteza sobre o 'modus operandi' (que coisa tão cruel) das famílias urbanas por estes dias.
      Depois de ficarem de posse das casas, dos bens e do dinheiro dos pais, levam-nos para o hospital e lá os deixam anos a fio, depois da alta médica. Vivem nos corredores.
      Alguns vendem as casas dos pais com eles lá dentro.
      Alguns, bom, alguns que são muitos, julgam que a frescura da juventude e a força nas pernas lhes dura para sempre...
      Ai, ai, tanta crueldade nos bons filhos, que tornam a casa apenas para ir buscar 'coisas'.

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