14 de outubro de 2014

Uma Uva muito pouco católica

A minha primeira experiência com a Igreja, tinha eu seis anos, foi numa velha sacristia, pela mão da minha mãe, coitadinha, que já não sabia o que me fazer, com um padre careca a abanar a cabeça e a dizer que não, que não podia ser, que a menina não era baptizada, e por isso não poderia fazer parte dos escuteiros, e assim tornar-se numa criatura de Deus.
A minha segunda experiência com a Igreja, tinha eu sete anos, já a minha mãe se tinha recomposto da nega do padre careca, foi quando a catequista a abordou, coitadinha, para lhe dizer que não havia qualquer hipótese da sua filha continuar nas aulinhas da catequese, e eu já lá tinha ido três vezes, o que me chateou porque já estava muito habituada aquilo, porque a sua filhinha insistia em pintar a cruz do menino Jesus de vermelho e outros desenhos celestes, de cores muito escuras, às vezes com riscos.
Um sacrilégio, um horror, um pecado. E dos grandes.
A minha terceira experiência com a Igreja, sim porque não há duas sem três, foi num domingo radioso de sol, quando eu e uma primita minha, também em pecado, resolvemos entrar na igreja escura e bafienta do padre careca, para assistir, às escondidas, à missa dominical. 
Assim que sentámos o rabo nas cadeiras de pau, com as perninhas muito juntas e as costas muito direitas, eu a olhar para o teto e a minha primita a olhar sabe-se lá para onde, o padre, esse moiro de Deus, deu connosco no meio de toda aquela turbe de mulheres muito santas, e disse: 'as meninas aí do fundo podem sair. Não podem assistir à missa as pessoas que não são batizadas'.
Os dois bodes expiatórios, eu e a minha primita, corremos dali para fora, a rir,  e eu ainda trouxe agarrado às manitas um livro com páginas cheias de sebo, que versava músicas que nunca pude cantar.
E o padre careca, aquele que também não quis casar a minha mãe, por motivos lá da sua religião, também não fez a vontade à minha avó, que coitadinha, jurava a pés juntos que eu tinha o diabo no corpo e só batizada conseguiria tirar-me o azougue.
Mas eu não desisti, e se não há duas sem três, não há três sem quatro.
Vesti-me então de amarelo periquito, e com oito anos já largados, fui finalmente batizada, juntamente com todas as primas da família em pecado, numa igreja nos confins do Alentejo, em obras e sem altar, por um padre alemão muito alto que não falava alentejano, muito menos português, que usava umas meias muito brancas dentro de umas sandálias muito feias, que nos molhou a cabeça da melhor maneira que conseguiu, retirando com o côncavo da mão uma águinha muito pura que repousava numa bacia de plástico, azul.


O padre careca chamava-se Manel.
E quanto mais longe vão os (meus) tempos em que os padres carecas eram os ignorantes Donos Disto Tudo, mais perto me parece o tempo em que um único padre, que é tudo menos ignorante, vai conseguir fazer aquilo que nenhum outro conseguiu fazer, (sem ser pelo medo e pela ignorãncia dos fiéis), que é transformar pelo menos uma das religiões, em alguma coisa de bom.
E chamar para si as criancinhas.
Esse padre chama-se Francisco.

10 comentários:

  1. Fui baptizada aos seis porque a minha mãe insistiu. Ela queria que eu tivesse consciência do significado do baptismo e que ganhasse gosto pela coisa. Não adiantou muito. Há demasiados Padres "Manel".

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    1. São quase todos. Não gosto de padres muito por causa dele, e de outros, os de agora, esses porcos.
      Acho que para se chegar a 'Deus' não há necessidade de intermediários. A Igreja foi coisa que sempre me afligiu.
      Fui batizada por obrigação e não vou batizar a minha filha.

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  2. Não se pode tomar o todo por uma pequena parte.
    Também nos padres há de tudo: há os bons e os menos bons. Como nos funcionários públicos, como nos revisores de comboios, como nos bloggers... :)
    Eu também não tive muita sorte com o padre da minha paróquia (que ao fim de mais de 20 anos a ir à missa, andar nos escuteiros e ter sido catequista, me perguntou quem eu era...) mas nunca deixei de ver a religião muito além do padre. Ele não percebia nada daquilo e eu fiz por entender à minha maneira. A responsabilidade não pode ser só depositada nos outros. A fé parte de nós. É intransmissível. Por isso é que por muito que as mãezinhas queiram, se não formos nós a querer, nada feito. E também acontece o contrário: os pais não estarem nem aí e os filhos acabarem por se interessar pela religião.

    Eu fui catequista de um menino que também fazia desenhos indecorosos sobre a figura de Jesus. Nunca desisti dele. É dos poucos que me recordo o nome porque vi logo que o puto tinha genica.

    (ganda testamento... literalmente... ahaha...)

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    1. Pois não, pois não. Não gosto de o fazer, mas o padre Manel foi a parte que pariu o todo. E pariu mal, com as pernas partidas, e a cabeça num oito.
      Eu era uma miúda. Adorava ter ido para os escuteiros, a minha mãe era (e é) hippye, não ligava a nada disso e não me batizou em bebé, e eu vivi em pecado um monte de anos ;) e depois foi toda uma panóplia de situações que acabaram por matar o meu interesse. Até o meu primeiro emprego foi a trabalhar para um padre. Correu mal. Muito mal.
      Não sou católica e nem cristã, mas tenho um quentinho que guardo e que chamo de fé, e que é o meu 'Deus' particular.
      Mas gosto (pela primeira vez) deste padre, deste Francisco que é Papa.
      Eu penso que ele vai fazer mais pela igreja sozinho, do que todos os padres do mundo fizeram pela igreja todos juntos.
      Gosto muito de te ler (tu sabes) por isso, disponha.

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  3. O que me fartei de rir com as tuas aventuras hereges... LOL
    A minha experiência na igreja é bem diferente, filha de mãe católica e de pai "quero la saber disso", acabei por ter de fazer a vontade a minha mãe. Frequentar catequese e todas as semanas ir a missa. Tanto esforço, tanto suor, tanto beijin de velhas a cheirar a naftalina levei na missa para agora ser vista pela igreja como persona non grata só pelo facto de ser divorciada.
    Gosto do Papa Francisco, gosto do que ele anda a implementar, mas não sei se salva a minha opinião sobre o que se passa, o que se vê e o que se tenta esconder de podre na igreja.

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    1. Não gosto de padres. Ponto final.
      Estou contigo quando digo que o Papa anda a furar vidas com as sua modernidade, mas não sei se chega a velho.
      A Igreja precisa de uma grande barrela e a primeira seria deixar os padres casarem e terem filhos.
      Talvez assim largassem os filhos (e as mulheres) dos outros.

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  4. Filosofia. Não é que seja contra os crentes, eu dissidente, mas contra essas coisas organizadas em "religião". Talvez não fosse prático, gente com dúvidas em vez de certezas...

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    1. Grande resposta Quiescente.
      Na realidade é a Religião (que dizem que nos salva) o que nos vai matar.

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  5. Se bem compreendi, pouco católico foi o padre Manel.
    Tu bem querias professar a fé, quem te afundava as ganas era ele.
    :)

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    1. O padre Manel era muito maniento. Daqui a 100 anos ainda se vão lembrar dele.
      Graças a Deus que foi pregar para outra freguesia. Afastou muita gente da Igreja.

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