O FILHO DILETO
Certa vez perguntaram a uma mãe qual era seu filho preferido, aquele que ela mais amava. E ela, deixando entrever um sorriso, respondeu: "Nada é mais volúvel que um coração de mãe. E como mãe, lhe respondo: o filho dileto, aquele a quem me dedico de corpo e alma...
É o meu filho doente, até que sare.
O que partiu, até que volte.
O que está cansado, até que descanse.
O que está com fome, até que se alimente.
O que está com sede, até que beba.
O que está estudando, até que aprenda.
O que está nu, até que se vista.
O que não trabalha, até que se empregue.
O que namora, até que se case.
O que casa, até que conviva.
O que é pai, até que os crie.
O que prometeu, até que se cumpra.
O que deve, até que pague.
O que chora, até que cale.
E já com o semblante bem distante daquele sorriso, completou:
O que já me deixou...
até que o reencontre.
O que partiu, até que volte.
O que está cansado, até que descanse.
O que está com fome, até que se alimente.
O que está com sede, até que beba.
O que está estudando, até que aprenda.
O que está nu, até que se vista.
O que não trabalha, até que se empregue.
O que namora, até que se case.
O que casa, até que conviva.
O que é pai, até que os crie.
O que prometeu, até que se cumpra.
O que deve, até que pague.
O que chora, até que cale.
E já com o semblante bem distante daquele sorriso, completou:
O que já me deixou...
até que o reencontre.
FILHO PREDILETO
- Erma Bombeck -
Os filhos diletos, os tais que se estimam de maneira preferencial, os preferidos, os que abraçamos primeiro, ou aqueles que ocupam uma área maior no coração, existem, e as mães sabem-no.
Talvez o tema que hoje trago seja o último tabu da maternidade, talvez seja mesmo o único tabu da maternidade, mas em mim, que me quedo sozinha numa relação maternal, que nunca disputei a barriga da minha mãe, o amor da minha mãe, a atenção da minha mãe, por não ter obviamente com quem a disputar, encontro diferenças substanciais quando observo as mães nas suas ambíguas escolhas, que nunca são por falta de amor, quando têm dois ou mais filhos.
Não é possível ter ou sentir duas vezes a mesma coisa, da mesma maneira. Gostar igual não é possível, nem é medível, tão pouco afirmado, e no entanto há tanta gente a dizê-lo que quase se tornou verdadeiro.
Mas é falso.
Nasci no seio de uma família matriarcal, de muitos irmãos.
Tive por isso muitas oportunidades de verificar, com bastante certeza, as preferências da matriarca, e seria capaz, sem falhar um nome, de elencar por ordem de preferência, os filhos diletos da minha avó.
Nem ela, que foi tantas vezes confrontada, foi capaz de desmentir aos filhos, que sabiam de coração ser os menos preferidos da mãe, as preferências que saltavam à vista.
Houve um, por curiosidade o meu pai, que ocupou sempre o lugar cimeiro da extensa lista.
No início, quando comecei a pensar no assunto, achava que por ele ser o único menino louro numa família de morenos, o tal que a minha avó ia lavar no Ribeiro da Levada, ‘coitadinho, sempre tão sujinho’ porque aos 5 anos já trabalhava longe de casa cuidando de perus, ou simplesmente porque tinha o ‘olhinho azul como o avô’, pai dela, 'tão amigo de todos, homem bonito', suscitava nela uma ternura desigual, um afeto mais constante e uma atenção velada que não tinha pelos outros.
Mas todos os filhos daquela mãe trabalharam em pequenos, e muitos deles em piores condições que o meu pai, e andavam igualmente sujinhos, logo, aquela razão não poderia ser a mais certa.
Depois pensei que por serem vizinhos, já em Lisboa, que a proximidade das casas os tivesse aproximado; mas enganei-me. O meu pai foi de todos os filhos, à exceção dos que estavam longe ou emigrados, o mais ausente. Não o via todos os dias como acontecia por exemplo com outros filhos e filhas, nem o meu pai vencia os irmãos nas atenções e carinhos à mãe, e no entanto, sempre que o meu pai chegava, os olhos pequeninos e muito alvos da minha avó abriam-se todos num abraço. O meu pai foi o filho dileto e nunca se encontrou o motivo.
A minha avó gostou sempre mais daquele filho, que não foi o primeiro e nem o último, que não era o mais inteligente e nem o menos inteligente, que não era o mais frágil e nem o mais forte, mas que era somente aquele que ela gostava mais, aquele por quem sentia mais afeto, o que melhor lhe calhava.
Mais tarde na vida, morreu uma filha à minha avó, e anos depois um filho. Ninguém poderá dizer o que sente uma mãe que perde um filho, e muito menos dois, mas ainda assim pude verificar que até no horror de perder os filhos as dores foram diferentes. Custou-lhe muito mais a morte do filho. O mais velho, o primeiro, um menino, e que predilecção tinha a minha avó por meninos. Demorou muito mais tempo a recuperar. Falava muito nele. A filha, mais arisca, mais ‘rebitesa’, não lhe enchia lá as medidas, discutiam, aborreciam-se, e talvez seja - nesta química de entendimentos, nesta fórmula desconhecida que nos faz amar alguém em detrimento de outro alguém -, que resida o segredo do filho dileto.
O texto que nos escreveu Erma Bombeck é mais romântico que verdadeiro, é mais imaginário do que real, porque coloca-nos vários problemas.
Admite afinal que há um filho dileto, embora faça depender a predilecção em diferentes circunstâncias e tempos. Calha-se àquela mãe ter os dois filhos ao mesmo tempo numa situação complicada, em apuros, com fome, com sede, enfim, em qualquer necessidade que derretesse o seu coração de mãe, e tínhamos uma contradição; já não poderíamos estar a falar de filhos diletos porque o dileto só pode ser um, e não todos dependendo da situação.
Julgo que a dificuldade de aceitação da existência do filho dileto reside na escolha.
A mãe tem efectivamente um filho dileto, a mãe sabe exactamente de qual filho gosta mais, mas para a maioria das mães, é na escolha que reside o grande problema.
A mãe, por uma questão de natureza biológica e psicológica, inerente ao ser humano, é muitas vezes incapaz de escolher um filho quando se coloca a questão do salvar, no caso de ser obrigada a escolher. E é precisamente nesta questão que pensa quando lhe colocam a questão de qual filho gosta mais.
Qual dos filhos salvarias primeiro se apenas um pudesse sobreviver? O mais frágil, o mais doente, o menos inteligente, como diz o texto, ou o mais forte, o mais ágil, o mais arguto, o mais capaz?
Serias capaz de escolher por características colocadas no momento, ou a escolha há muito que tinha sido feita?
Diz-me, mesmo sabendo que não seria a melhor escolha: não escolherias o teu predilecto?
Nada na natureza se repete, nem em intensidade, nem na forma, nem no conteúdo.
Gostas muito de todos mas dás-te melhor com o Miguel, que é mais parecido contigo no feitio.
Não. Porque não dizes antes que gostas mais do Miguel porque te dás melhor com ele, e também gostas muito dos outros, mas é diferente?
Porque como mãe não podes criar neles essa insegurança, esse absoluto terror, essa luta entre irmãos pela disputa do amor de mãe, colocando em causa uma relação já de si tão frágil, e frágil por isso mesmo.
Por isso mentes sobre o que sentes.
E não faz mal. E não tem mal.
A velhinha imagem que nos remete para a água que passa por baixo da ponte, utilizada para demonstrar que nada é nunca igual, e que nunca nada se repete, é a mesma que utilizo para demonstrar que uma mãe, mesmo que sempre imensa, sempre abundante, como a água da nascente, não consegue ter em todo o percurso a mesma força. Da mesma maneira que o leito do rio tem obstáculos que o impedem de ser sempre igual, assim os filhos, que com a sua personalidade impedem a mãe de os amar de forma igual.
Autor: Uva Passa Blog para UpToLisbonKids®
Todos os direitos reservados
Este texto é muito bom :) sempre achei que as mães tem as suas preferencias.
ResponderEliminarJá observei muitas mães com preferências claras mas não sei se será SEMPRE assim, tenho as minhas dúvidas porque realmente em várias famílias noto um amor bastante equitativo. Quando falo em equitativa não é no sentido de amar precisamente de igual forma mas com a mesma intensidade por motivos diferentes, ou seja, não colocando a questão de amar mais ou menos. Acho possível amar-se cada filho de forma diferente mas apenas porque são diferentes e estabelecem com os pais relações diferentes e não porque haja uma hierarquia de amor. Não acho justo que uma mãe, se sentir que realmente é assim que ama os filhos, seja considerada alguém que tem um tabu e que não quer admitir. As famílias são todas diferentes e observarmos que há claras preferências numas não significa que seja assim em todas. Depois acho que também existem movimentos e nuances. Por exemplo, há mães que inicialmente "pendem" mais para um filho mas depois com circunstâncias da vida e personalidade mais vincada de cada filho, acabam por pender mais para outro. Não tem de ser sempre algo fixo, enquanto que com outras será. Acho ainda que a preferência por filhos do sexo masculino foi uma constante na geração dos nossos avós e anteriores, quem sabe dos nossos pais e quem sabe haja resquícios na nossa. Não nos esqueçamos da herança cultural do filho varão e da sociedade machista que faria com que as próprias mulheres fossem mais rudes, exigentes e implacáveis com as filhas do sexo feminino. E isso aborrece uma bocado :)
ResponderEliminarTerminando na parte pessoal, eu sinto diferenças na forma da minha mãe me amar a mim e ao meu irmão, mas não sinto que ame mais um do que outro. Pode disfarçar muito bem, que sabe :) mas nas atitudes ao longo de anos aquilo que fui sentindo é que ela se preocupava mais com ele devido a problemas de saúde, era mais protectora e comigo ficava mais descontraída por sempre sentir que eu me safava bem numa série de coisas. Mas já em termos de identificação, as grandes confidências que faz são comigo e é a mim que pede conselhos. Quando ambos precisamos de ajuda em alguma coisa fica sempre a sentir-se impotente e a querer chegar aos dois lados. Portanto, lá está, não ama de igual forma mas acho que ama por igual :)
Não.
ResponderEliminarNão, não, não. Recuso-me a concordar com a existência do filho dileto.
Acredito só que as mães são todas diferentes umas das outras. Posso só falar de mim, e faço-o na primeira pessoa do singular.
E não minto, não, quanto aos meus sentimentos.
Pergunta-me de que dedo da mão direita gosto mais. Qual me faria mais falta, se mos amputassem.
Pergunta-me qual foi o filho que eu guardei nos braços, noite após noite, quando esteve doente, roubando no tempo que dispensava aos outros.
Pergunta-me qual foi o filho que eu escolhi tirar do mar em primeiro lugar, e porquê — porque sabia nadar, e ia aguentar-se mais um minuto.
Pergunta-me qual o filho a quem defendo mais vezes dos ataques dos irmãos.
Pergunta-me qual o filho que eu vou ajudar mais vezes, porque a vida lhe será mais madrasta.
E nunca será o mesmo filho, nestas respostas todas.
Também eu pensei, quando nasceu a mais velha, que amar assim, outra pessoa, é impossível. E a vida demonstrou-me, dois anos depois, o quão errada eu estava.
Não sei se sou a excepção à regra, sei apenas que não estou em negação de um sentimento dito normal. Estar em negação há vinte anos, seria uma patologia muito grave, da qual não padeço.
Ou então, sou a perfeita anormal.
Uva, não me consigo identificar no teu texto.
ResponderEliminarSei sim, que existem mãe que os tenham, porque saltam a vista e antes de ser mãe e quando via uma situação igual a esta que descreves, pensava se isto, iria um dia também acontecer, se era, quase que, regra geral.
Hoje, digo-te com toda certeza que não, não tenho filho Dileto,
é verdade que vieram ao mesmo tempo,
é verdade que não sei o que é ter um filho de cada vez,
é verdade que são diferentes em género e feitio,
Mas também é verdade, que um é mais frágil de saúde que o outro e mesmo assim nunca deixei de estar com o "mais forte", porque sabia que se aguentaria melhor que a irmã.
E mais Uva, ainda a quando da Pequerruchas estar internada no hospital, veio a Senhora Assistente Social, e disse-me com todas as letras que era má mãe, e sabes porquê? Porque não sabia escolher estar permanentemente com a que estava de saúde mais frágil! Ela não entendia, isto por se calhar essa senhora tem um filho Dileto.
E foi aí que as minhas convicções se afirmaram, eu não podia escolher, porque não havia O que escolher, eu simplesmente tinha de estar com os 2, porque amo os dois de igual tamanho.
Ou então sou, tal como a Linda, uma perfeita anormal!
E se assim for, que seja e com muito orgulho :)
As circunstâncias da vida fizeram com que tenha dois filhos tão diferentes de personalidade, tão diferentes de necessidades, tão diferentes na compreensão do mundo que os rodeia. São tão diferentes na forma de amar e sou tão diferente na forma de amar cada um dos dois. Não concebo a minha vida sem nenhum deles, não me consigo sequer colocar na posição de ter de escolher entre os dois, amo os dois demasiado se é que se pode amar demasiado um filho, roubo tempo a um para dar ao outro que mais precisa, perco-me de abraços e beijos mais com um do que com o outro porque há um que os prefere mais, no que conta ao amor nem divido o coração ao meio, amo-os aos dois por inteiro.
ResponderEliminarMas sei que sim, eu sou a metade mais pequena do coração da minha mãe...
A ideia da escolha fez-me lembrar o livro A Escolha de Sofia de William Clark Styron, uma escolha terrível.
ResponderEliminarSou mãe de 1. Espero vir a ser mãe de 2.
ResponderEliminarO meu maior medo é ter um filho dilecto, um que cresça na angústia de não o ser.
É o meu maior medo. O maior receio de toda a minha vida.
É o que dá crescer sendo o elo mais fraco.
Quando eu era apenas filha, achava que sim que havia filhos diletos, mas depois que fui mãe, de dois e tão diferentes um do outro é que compreendi. Não há filhos diletos, há filhos diferentes uns dos outros, há atitudes diferentes, formas diferentes de lidar com eles, atitudes diferentes da parte deles que nos fazem ter determinadas ações diferentes com uns e com outros. Já o amor, incondicional, esse, é em ambos os casos um amor maior, incondicional, um amor imenso... e eu estou lá conforme as necessidades de cada um à sua maneira e à minha maneira. Bjs Uva, o texto está magnífico, como sempre :)
ResponderEliminar