Hoje soltam-se as (minhas) palavras.
As possíveis para o tempo que disponho para as dispor.
Não posso jurar que o derrame que lhes imponho seja algo mais do que vento na palha.
Há muito que sou uma espécie de estudiosa do Holocausto.
Não sei bem porquê, talvez o meu amor pela história, pelos feitos antigos, exemplares (ou não) da Humanidade, me façam sentir o apelo de querer saber mais, ler mais, ouvir mais.
Não sei também que interesse terá para o meu espírito dúctil, a absorção dos factos tenebrosos do Holocausto, mas tenho para mim que é uma forma de fortalecer-me com os exemplos da heroicidade e resistência que alguns seres humanos foram capazes de provar perante o Soah, e de como a minha vida actual, e passada, conseguiu ser tão branda e dócil comigo.
Por este motivo, possuo um acervo mais ou menos significativo de livros e documentários sobre o tema, e às vezes, quando me sinto mais sozinha, vou fazer companhia aquelas letras, que no fundo são homens e mulheres, ali descritas, cujo sentimento de solidão foi elevado ao seu exponente máximo.
Olhando de soslaio para a televisão da sala, que uso apenas para ler ou sentar-me ao computador, resolvo antes abrir um livro (muito) especial, que anda sempre por ali desde que o comprei.
É do Primo Levi, um químico italiano que renasceu escritor, após a experiência nos campos, e que se chama Se Isto é Um Homem (Se questo è un uomo).
O que diz Levi sobre 'os estrangeiros', catapulta-me de imediato para o tema dos migrantes.
Não me alongarei em acusações sobre o tema; as imagens valem muitas mil palavras, e não é fácil para ninguém, nem sequer para o mais dogmático e empedernido dos homens, chegar a uma conclusão que o satisfaça a ele, quanto mais aos outros, sobre o que está certo ou errado no caminho a seguir.
Ele diz assim, ipsis verbis.
Pode acontecer que muitos, indivíduos ou povos, julguem, mais ou menos conscientemente, que 'todos os estrangeiros são inimigos'. Na maioria dos casos, esta convicção jaz no fundo dos espíritos como uma infeção latente; manifesta-se apenas em atos esporádicos e desarticulados e não se constitui num sistema de pensamento. Mas quando tal acontece, quando o dogma não enunciado se torna premissa maior de um silogismo, então, no fim da cadeia, encontra-se o Lager (campo).
É fácil perceber as palavras lúcidas de Levi.
Naquela altura demoníaca, os homens feitos prisioneiros eram 'peças'.
Hoje, na televisão distante da sala, oiço dizer que a Alemanha planeia incluir a definição de quotas obrigatórias de migrantes para cada país europeu.
Distribui-se o mal pelas aldeias. Bitata a mim, bitata a ti, anini ananão ficas tu e eu não.
A carga pronta e metida nos contentores, dos migrantes de hoje, não pode ser comparável por ninguém à merda que o Chico Fininho trazia na algibeira, porque simplesmente não dá lucro, mas no entanto é carga, e está metida em contentores.
Fico suspeitosa (e no entanto é na Alemanha que se levanta uma voz amiga), quando a Alemanha informa que vai fazer uma seleção entre os migrantes para separar o tal trigo do joio, para criar a diferença profunda, mais uma vez, entre os migrantes que têm ou não o direito à vida na Europa, isto é, à vida.
Compreendo que a Alemanha e alguns países da Europa (peço desculpa, não sei quais são, não sigo o tema diariamente) tente a todo o custo lançar o desafio da separação da carga, como se faz nas sementeiras de trigo. Algumas ficam nas bermas e morrem, mas a maioria é regada diariamente e de longe o trigal é bonito.
Quando a Hungria barrou os migrantes, desdenhou a lição que lhe foi deixada pelo Soah, e ignorou o número de húngaros mortos no Lager.
E tantas outras coisas que teimam em esquecer, outros tantos países.
Relendo o texto, fica-me claro que o que escrevi é vento na palha.
Não encontro solução, e tenho medo.
Vejo tantas e tantas coincidências, e tenho medo.
Sem saber como, estou dentro daquele camião, e tenho medo.
Espero muito que a viagem seja rápida, porque isto meus amigos, é novamente o Inferno.
Autor: Banksy
Desculpe o "copy paste" mas isto é do melhor que li por aí sobre o tema:
ResponderEliminar"Não encontro solução, e tenho medo.
Vejo tantas e tantas coincidências, e tenho medo.
Sem saber como, estou dentro daquele camião, e tenho medo.
Espero muito que a viagem seja rápida, porque isto meus amigos, é novamente o Inferno."
Quanto ao livro que refere já li e reli e reli (sim, também tenho um interesse inexplicável pelo tema).
A propósito, ainda há pouco vi "Treblika" e bati com os queixos no chão.
Dulce/Porto
Obrigada querida Dulce.
EliminarSoah é um documentário realmente aterrador mas que todos deveriam ver. Está à venda na MIDAS Filmes.
Eles têm também estes todos:
http://www.midas-filmes.pt/dvd/ultimos_lancamentos/shoah
http://www.midas-filmes.pt/dvd/ultimos_lancamentos/a-noite-caira
http://www.midas-filmes.pt/dvd/ultimos_lancamentos/o-ultimo-dos-injustos
http://www.midas-filmes.pt/dvd/ultimos_lancamentos/o-espirito-de-45
http://www.midas-filmes.pt/dvd/ultimos_lancamentos/o-homem-decente
Assino por baixo!
ResponderEliminar:)
Li esse livro do Primo Levi há muitos anos. Relei-o muitas vezes. Acho que é um livro "terrível" que marca todos que o leram.
ResponderEliminarSem, dúvida. Extraordinariamente bem escrito, é dos poucos livros que descreve sem romancear e sem vitimizar, os terríveis dias da Soah. É um clássico da literatura italiana. Aconselho a toda a gente, inclusive adolescentes a partir dos 14 anos.
EliminarEsse naco de prosa contraria a ideia de que uma imagem vale mais que mil palavras.
ResponderEliminarNão é verdade!
(exceptuando Banksy)
Que gentileza Roger. Um abraço sentido.
EliminarO livro está escrito de forma impressionante. Impróprio para mentes susceptíveis de má reacção a emoções fortes.
ResponderEliminarPor acaso nem acho que não possa ser lido por todas as pessoas. Acho até o contrário. É forte, mas é a verdade.
EliminarNão li esse livro mas li muitos e muitos outros sobre esse tema. Arrepiantes, é como os classifico. Quanto aos Migrantes, toda a vida os houve e possivelmente haverá se não morrerem no caminho ou não os matarem à chegada, entretanto. Muitos migrantes povoaram e fizeram prosperar áreas até então inabitáveis, muitos migrantes descobriram cantos do mundo desconhecidos e fizeram crescer outros até aos dias de hoje, sempre foi assim, as pessoas deslocam-se de uns lugares para os outros, só que agora parece que é diferente, porquê??. A zona onde moro é muito industrial, vêm para cá pessoas de todo o Portugal e do estrangeiro à procura de oportunidades, indianos, africanos, asiáticos e por aí fora. Outros vão de Portugal à procura de uma vida melhor e então? Fecham-se as fronteiras e cada um fica com os seus??
ResponderEliminarEntão lê. Vais adorar. Mesmo. Lê-se de um fôlego.
EliminarOs migrantes são uma situação bastante complicada na medida em que as pessoas tentem a não gostar de intrusos, estrangeiros, diferentes. Os que são de fora vêm 'roubar' os nosso empregos e ficar com os nosso maridos (lembro-me da saga - que continua - das brasileiras).
Se cada um ficasse com os seus, e no caso de Portugal, havia de ser bonito. Lembras-te do que foi o regresso dos portugueses das ex-colónias (os retornados - nome horroroso por sinal)? Agora multiplica isso por 45858256589568 mil. Rebentávamos com planeta.
Acho que estes livros são muito importantes porque não nos deixam esquecer o passado.
ResponderEliminar...e estes assuntos não devem mesmo ser esquecidos.
outros livros sobre o tema e bastante recentes:
A Zona de Interesse - martin amis
KL - nokolaus wachsmann
KL - Nikolaus Wachsmann - A História dos Camos de Concentração Nazis - D. Quixote
EliminarEstá na calha!
O outro já tenho.