19 de abril de 2016

Azougue

Há muitos anos atrás, quando éramos felizes sem saber, pôs-se um assunto à mesa que nunca mais me esqueci. Importava aferir, e todas tiveram a palavra, o que seriam as miúdas quando fossem crescidas. A mais velha, que nunca saiu de casa até perfazer os 13 anos, miúda responsável que sabia fazer tudo numa casa, disse logo de chofre que a mana não serviria para nada. Era gorda e metia os joelhos para dentro. Ó mãe, olha a mana! A mãe, uma senhora pequenina de sorriso muito aberto, que cozinhava ao fogão sempre com a Rua da Palma na boca, zangou-se. Eu, que não tinha manas para me azucrinarem a cabeça, divertia-me com aquela disputa constante que opunha a idade de uma, à graça da outra. A menina do meio, que teve sempre a virtude (e o recheio), por ser a mais bonita, era em tudo pior que a mais velha; isto se o termo de comparação fossem as lides da casa ou os estudos, que levávamos todas na mesma escola. As mães, na sua velada disputa entre as herdeiras, defendiam uma e outra, mas nunca a sua. A tua mais velha tem mais jeito que a minha, que não me sabe fazer nada. A dela era eu, e a sentença estava lida. Não digas isso rapariga. A tua é a mais nova, e olha que se lhe passar o azougue, faz-se uma bela moça. A mais velha, dona de uma alegria de nota alta, ria-se com uns dentes muito brancos. Só se for para Guia Turística, a correr de um lado para o outro, a mostrar os monumentos aos bifes. Eu, com as mãozinhas escondidas por baixo da mesa, fazia-lhe asneiredos com os dedos. Ó mãe, olha ela!  
As cinco à mesa, riamos a bandeiras despregadas com o futuro incerto, que era o nosso. Eu, a mais diabólica, serviria para Guia Turística porque era muito extrovertida, ficava embasbacada em frente a qualquer obra de arte, e falava como cantam as cigarras, sem parar.
Nunca nenhuma, em todas as profissões que me foram atribuídas naquela mesa, e foram muitas ao longo dos anos, foi tão acertada como aquela, a de Guia Turística.
Se tivesse dado ouvidos ao oráculo familiar, não estaria aqui hoje, onde estou, com o rabinho muito apertado e o coração claudicante, por razões de um tal teste de inglês, que fazem certas empresas às secretárias, que diabólicas, não lhes passa o azougue.

10 comentários:

  1. Lá tive que ir ao dicionário aprender o significado de azougue. Fico sempre muito feliz quando a minha avó me assegura de que não sou uma moça prendada, no que às lides domésticas diz respeito.

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    1. Azougue é uma palavra muito usada no Alentejo. Eles dizem 'azougui' e normalmente quer dizer que a cachopada não tem paramento.

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  2. Eheheh e eu a achar que azougue havia de ter a ver com carnes :))))
    E á conta de um teste diagnóstico de inglês na empresa para uma formação técnica (que eu achava que dominava e afinal não) ainda ando a bater mal. A ver se também a mim me passa o azougue eheheh

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  3. Cada vez escreves melhor, Uva, abençoado "azougui"!

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    1. Gostava de conseguir escrever mais, e mais. A pratica é o retorno da perfeição.

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    2. Não, a perfeição é que é o retorno da prática. Vês? Estou maluca.

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  4. Por acaso eras bem capaz de dar uma guia mto divertida ;)

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  5. English? That's a piece of cake!

    Fat kisses,Uvinha :)

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