16 de maio de 2016

A Queima é que não

Se perguntarem às pessoas do meu bairro, da minha escola, aos meus amigos, professores, antigos ou recentes, mestres, familiares, enfim, às pessoas que partilharam comigo a minha infinita juventude, a minha pilha alcalina, as opiniões não se dividem, aliás, as opiniões vindas e provindas de todos os cantos por onde espraiei a minha fresca e deliciosa adolescência, imberbe juventude maravilhosa, dirão sem reminiscência de culpa (ou erro), que eu fui de todas a mais louca, a mais difícil, a mais terrível de todas as aves mais raras, enfim, fui a verdadeira gata assanhada de uma ninhada frouxa e tímida, de betas suburbanas, e sensaboronas.
Isto para enquadrar a doce cabeleira loira nuns olhos verdes arregalados, que me coube no destino.
Quem vê caras não vê o porradão de inconseguimentos que obtive no percurso escolar, que acabei com honra e distinção, a defender uma tese sobre Delinquência Juvenil.
O Universo também tem porras.

Não fui melhor do que esta juventude a quem todos culpam de rasca.
Não fui melhor do que essa juventude que desfila em Coimbra. Não fui melhor e seria hoje infinitamente mais triste se não tivesse pintado a manta, e o negro manto, de todas as cores que alegraram os melhores dias da minha vida.

Tenho, por virtudes que me couberam em jovem, e muito por culpa de uma grupeta absolutamente maravilhosa, um amor infinito pela gaiatada. Percebo-lhes os passos, os tiques, as porras. Sei perfeitamente o que lhes passa na cabeça, na alma, e sobretudo na goela. Sei que não vale a pena insistir que passem pela fase soberba, sem que lhes passe efetivamente a soberba.
Passarão todos, que a vida é um caminho.
A juventude é afinal aquilo que todos queremos ser, para sempre. Fazem-se as mais diversas (e inomináveis) loucuras para evitar o impossível e depois, bom, depois envelhecemos e quando damos conta disso olhamos para a juventude e parece que odiamos tudo o tenha a ver com ela.

Tenho visto por todos os cantos da comunicação social os ecos desse triste ressabiamento. Os mais ilustres jornalista prestaram-se a viagens a Coimbra, grandes secas rodoviárias por essas autoestradas a fora, para regressarem a Lisboa com a pena cheia de rancor, e de ódio, pela juventude ébria que desfilou a alegria (e a borracheira) pelo fim do percurso académico. Escreveram-se textos ofegantes de inveja, multiplicaram-se as críticas do velhedo restiliano, ouviram-se as vozes da inveja.
Que tristeza, meus senhores, que tristeza.
Hoje em dia o intocável cidadão atira com a pedra dos impostos à cara do prevaricadores, e sem memória e nem cabeça atira-a primeiro que todos. Os jovens não podem vomitar a borracheira no passeio porque são os seus impostos! que pagam a limpeza pública. Os jovens não podem arrogar-se ao desmaio por excesso de cerveja, porque são os seus impostos! que pagam o serviço nacional de saúde. E quem paga a polícias e seguranças, senão os impostos dessa gente que trabalha e que passou diretamente da infância para uma qualquer linha de produção?
Ai que nojo beberem diretamente das garrafas, ai que nojo irem todos mergulhar no Mondego, ai que nojo serem jovens, e livres, e loucos, esses montes de coisa alguma, gente rasca e sem valores, que vagabunda, esbardalha e destrói o bom nome deste país, o bom nome de doutores, engenheiros e demais caganças do ego, que emborcam pipas e pipinhas, fodem que nem loucos sem camisinhas, rasgam mantos e capinhas, ahh fadista!
E os pais a pagar.
 
Que tristeza, meus senhores, que tristeza.
Vivem o ano inteiro à custa dos estudantes, mas a Queima é que não.


3 comentários:

  1. Uva, bom dia.
    Eu já pertenço à categoria de pessoas que acumula alguma cronologia, e ao olhar para trás também tenho saudades do que foi e não volta. Toda vida estudei em Coimbra. Vi cargas policias, por parte da Polícia de Choque antes do 25 de abril, de cada vez que os estudantes faziam manifestações. Estabeleceu-se o luto académico, e mais tarde percebi porquê. Veio 1980 e tentou-se o regresso da queima. Foi uma luta política. Para quem conhece Coimbra sabe que os fregueses do café Piolho, e outros locais de encontro, (considerados extrema esquerda) não viam com bons olhos este regresso. Timidamente veem-se pela cidade capas negras. Sempre em grupo. Ninguém se atrevia a andar sozinho de traje académico. O primeiro cortejo foi policiado até ao limite. Provocações aos carros com arremessos de garrafas de cerveja e outros objetos foram testemunhados por quem lá estava (eu). Assisti a esse primeiro cortejo como testemunha estudantil de uma academia com muita tradição. Nunca usei traje -não por medo, pois entretanto a academia pacificou-se- simplesmente porque não me revejo em praxes e em tudo o que implica vestir tal fato. Fiz todo o meu curso convivendo com trajados e não trajados das diferentes faculdades. O que não tivemos de assistir foi a bebedeiras insanes, estados comatosos, urgências hospitalares por conta de uma festa que dizem ser o culminar... As bebedeiras apanhavam-se no dia a dia, às vezes antes de exames que, ironicamente , no meio daquela ressaca, até corriam bem aos engolidores de aspirina para aclarar as ideias. Toda a boémia, a gandaia, as faltas às aulas aconteciam. Tudo tinha um epicentro: Praça da República. Desembocava ali toda a juventude e seus excessos. Não havia concertos, a não ser no Gil Vicente, Teatro Académico. Outras abordagens à vida.
    As de hoje, são tão válidas quantas as de ontem, tirando, como disse a insanidade que toma conta de uma turba de imberbes que não acrescenta nada de positivo à sua experiência de vida estudantil, a não ser, ter o cérebro alagado de álcool no dia seguinte que aquilo custa a ser absorvido. Quanto às crónicas jornalísticas, não as li, não sei o grau de indignação, e serão sempre olhares subjetivos a uma realidade que lhes é estranha. Vai por mim: a vida estudantil em Coimbra não é igual à de Lisboa ou Porto, ou Aveiro, Évora e por aí adiante. Tem uma identidade, tal como as outras citadas, claro, que não é comparável. São as Repúblicas, é a Praça...é Coimbra que não pode ser só o exagero e a bebedeira perene daquela semana de festividades. E Coimbra tem muita cagança sim, nos nomes. Não vais a lado nenhum sem o dê érre ou do engenheiro com o qual não foste batizada. Não consegue viver fora dessa redoma. Um simples diploma que te leve direto ao desemprego, mas és doutor. São muitas e mais coisas que tudo isto me lembra.
    Tem um bom dia.
    Abraço,
    Mia

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    1. Ora aqui está um comentário de exceção.
      Sim, é uma festa regada de muita inconsequência, como aliás foram e são todas a que são regadas a álcool.
      Mas a juventude que estuda não pode ser identificada com uma semana, e vou mais longe, a cinco anos de vida académica. Estão aí todos os exemplos que quiseres. Adultos que lá estiveram, no seu tempo, por exemplo, que fizeram exatamente o mesmo, mas sem os holofotes da TV, e são hoje cidadãos de excelência, com percursos de vida e profissionais de excelência que uma bebedeira numa semana académica não foi capaz de suicidar.
      E a hipocrisia reina em todo o reinado. Ontem por exemplo foi dia de festa. Ali no Marquês estiveram grandes borracheiras, mas grandes borracheiras mesmo, e não me parece que isso e só por isso ponha em casa os jornalistas que as apanharam, que com muita graça são exatamente os mesmos que desancam nos estudantes e os mesmos que arregaçam as mangas da camisa, e tiram a gravada no casamento do melhor amigo, do qual só se lembram até à chegada da noiva na igreja.
      Hipocrisia.

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  2. Hipocrisia, nos nossos meios de comunicação??? (ou de resto sociedade em geral) naaaaa. Que ideia é essa agora! :)

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