São 10 horas da manhã e o sol entra-me na sala como um furacão.
Ao meu lado três livros: Amor Líquido de Zygmunt Bauman, para que tenha sempre presente a dificuldade do amor, e a certeza de que só amamos uma vez como só morremos uma vez; A Arte do Romance de Milan Kundera, onde leio, sempre que posso, que 'a ternura é criar um espaço artificial onde o outro deve ser tratado como uma criança' e onde, de resto, aprendi que o amor não é querer ter o corpo do homem nu, mas o rosto do homem iluminado pela nudez do corpo, e mais recentemente, desde ontem, a revista Egoísta, cujo tema é Pátria, mas que fala dos homens da política...
Há muito que não me rodeava de livros para escrever.
Tenho escrito pouco e isso tem-me causado desconforto. É como se tivesse comido (da vida) muito, bebido muito, e que, por algum motivo que é sempre alheio à minha vontade, a minha digestão tivesse parado a meio, e tudo o que consumi frenética, observadora, indignada ou feliz, se perdesse no vómito convulsivo da rotina.
Nada registei, nada conciliei, nada sedimentei, e os dias passaram sem história, indignos de serem lembrados.
Que triste.
João Gomes de Almeida [na Egoísta], por interposta pessoa, diz-nos no seu 'Manifesto contra a Irracionalidade', que 'se queres mostrar alguma coisa a alguém, escreve, estás sempre a ser seguido'.
Gostava muito de não me esquecer disto.
Que augúrios traz um dia de sol tão extraordinário como o de hoje?
Há um relacionamento, um envolvimento, uma correlação engraçada que julgo interessante registar.
Dá-se hoje uma espécie de triunvirato familiar.
É o dia da mãe e é, ao mesmo tempo, o dia de aniversário do meu casamento.
Aqui vão duas, e como não há duas sem três, e se vai aproximando o final do ano escolar, eis que nos aparecem, predadoras, duas provas de aferição que por entremeio dos testes regulares das disciplinas, vêm chamar à colação a matéria já dada - e com que esforço, senhores! - obrigando a esforçada e já escalavrada família ao derradeiro e inútil esforço de legar à escola uma boa colocação no ranking, legando para escanteio a festa de aniversário das alianças..
Blandícia, meus senhores, blandícia e ternura para com o Sistema nesta hora (e em todas as horas) de sonegação dos prazeres familiares em detrimento da merda dos números do PIB.
Isto ou um Manifesto à antiga, com descida na Avenida de lenço preto na lapela, porque vede, estamos mortos, estamos mortos e enterrados nos programas educativos, e isso, lembrei-me agora, faz muito mal ao casamento.
Casamento, maternidade e língua.
Hoje estudamos claudicantes, eu e ela, a difícil mas extraordinária disciplina de português. Ou de Pessoa. É só deixar a miúda acordar para lhe mandar os livros para cima.
Já não são 10 horas. Já são 11 horas, e uma hora já está perdida para os prazeres da escrita, que não sei já se alguém ainda segue.
Escreve. Alguém te seguirá...
Espero-a aqui na sala, onde o sol inclemente banha o ventre rotundo do felino, alheio às deambulações pseudo-literárias de uma Uva que Passa, e estremunhada, há de perguntar, pela enésima vez, para que servem os testes escritos se o que ela gosta mesmo é de pintar bigodes e tingir dentes de preto.
10 anos de maternidade, 12 anos de casamento, 40 anos de língua.
A história vai longa.
Só se ama uma vez e eu não sei o que amo mais que a própria vida.
Se ela, se ele, se este triunvirato familiar.
Amo de certeza este sol que me entra na sala como um furação.
Diz-me com quem escreves, dir-te-ei quem és.
bom dia. descobri o ressurgimento de Uva, agora mesmo. tenho andado tão arredada que não sabia da novidade.eu não vou dizer-te com quem escrevo, mas deixo adivinhar quem sou.
ResponderEliminarum beijo, Uva.
bom domingo. sete de maio, e tu a amares em formato completo.
Minha querida.
EliminarArredada andei eu. 5 meses completos, um ror de mensagens de email para responder.
Deitei o blog para espaço. Descansei imenso a cabeça, mas tive muita pena de deixar isto de vez. Depois tenho precisado muito de escrever. Não deito nada cá para fora e até estou mais gorda.
Que saudades. Espero muito que esteja 'bem boa'!!!!
Abraços!
Eis que reparo - com agrado, por sinal -, que casamos no mesmo dia do mesmo ano: 😊 também eu faço hoje 12 anos de casada (e oito de maternidade!)! Parabéns p'raí e que venham muitos mais! Ah, é verdade, eu continuo por cá!
ResponderEliminarOlha que coisa mais engraçada! Casamos a 7 de Maio de 2005. Um dia bem fixe. Não estava tanto calor mas estava muito sol. Parabéns!!!
Eliminar;-)
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