Há pessoas que se distinguem, e quando me chega uma história destas, gosto de pensar nela e tenho prazer de a contar aos outros, para que pensem também, e se encantem, e se perguntem, como pode uma coisa tão simples, ser ao mesmo tempo tão complexa.
Às vezes, estas pessoas de quem falo, as "salientes-comuns", não sabem pessoalmente que carregam na pele uma rugosidade, um cheiro, que impressiona os outros. São pessoas (in)vulgares, displicentes com a sua capacidade extraordinária e subtil (que desconhecem), mas que no fundo é 'a' capacidade que nos abre todas as possibilidades da vida: a observação atenta e dedicada daquilo que nos rodeia.
Obviamente que todos pensarão que estou louca, que sou mais uma tonta que só escreve tonteiras. Também, mas não só.
Ora atentem a esta pequenina história que aqui vos vou aqui deixar, verdadeira, portuguesa, de um médico do Porto, por quem tenho muita estima, estima esta que ele nem sonha que tenho, porque simplesmente não se dá essa importância, de achar que os outros possam ter por ele algo mais, que não seja aquela que se nutre socialmente... por um médico.
Então vamos a isto.
Olhem para aquela imagem ali no topo. Vou começar por ali.
A mulher carrega aquele bebé desde as 10h horas da manhã. São 16h da tarde. Ela está a trabalhar e o bebé está ali, a dormitar. Deve ter 1 mês de vida, no máximo dois.
O bebé não sabe onde está, mas sabe que está protegido pela mãe. Não vemos ali stress, birras, choros, gritos ou questões que possam afetar o momento. É só a mãe e o filho. O quadro é perfeito.
Quantas vezes vimos isto? Milhões.
E o que retirámos deste quadro que possa ser importante para os outros ou para nós?
E o que retirámos deste quadro que possa ser importante para os outros ou para nós?
Eu pessoalmente, nada. Talvez ninguém nada, ou pouca gente alguma coisa.
Houve umas miúdas que retiraram dali uma ideia, e montaram um negócio de panos que vendem às mamãs. O negócio vende bem. Estas miúdas são inteligentes. Observadoras.
De certeza que outras pessoas perguntam, agora que estão a olhar para a imagem, o que pode um médico retirar dali. Talvez algo relacionado com o nariz. Talvez os negros tenham o nariz esborrachado por andarem ali às costas desde os tempos ancestrais. O médico pode ter encontrado uma forma de os fazer (finalmente) ter os narizes não-aduncos. Não. A criança tem sempre a cabeça de lado.
O que será então? Posso fazer aqui um momento tchanan, vou aproveitar.
O bebé tem fralda?
Não.
Os bebés africanos que andam às costas da mãe, não usam fralda. As mães não precisam desse acessório.
Caramba. Então os bebés, coitadinhos, fazem os cocós ali dentro? Ou têm um código especial para avisar a mãe que vem lá companhia?
São bebés inteligentes, dizem vocês. Habituados desde pequenos a estar ali... não, não é isso. Aquele bebé tem um mês de vida.
O médico sabia perfeitamente que o bebé nunca fazia cocós nas costas da mãe. Mesmo que lá estivesse 8 horas seguidas.
Então como é?
É assim: a mãe assim que a criança nasce, dá-lhe de mamar. Logo após a mama, agarra o bebé de pé, com o polegar por baixo das axilas dele, amparando-o com resto dos dedos nas costas, as pernas do bebé ligeiramente fletidas, e o rabinho do bebé dentro duma panelinha daquelas. E espera o tempo que for preciso até o bebé fazer o cocó. Assim que o bebé faz o cocó, zás, mete-o no lenço atrás das costas. Outra mamada, outra vez a mesma técnica. Mama, cocó, zás, lenço. Nas primeiras duas semanas o bebé perfeito, faz cocó no minuto seguinte à mamada. Três semanas depois, só faz cocó naquela posição até perceber, com o normal desenvolvimento de uma criança que cresce, a fazer em outro local, até porque a mãe não o aguenta muitos meses ali e o bebé também oserva outras a fazer de forma diferente.
Este médico observou isto com atenção (trabalhava como pediatra em Africa, até retornar a Portugal) e trouxe esta ideia para o Porto. Como?
As mães portuguesas não andam com os filhos às costas (só no sentido figurativo, claro) mas gastam rios de dinheiro em fraldas, durante muito tempo.
No seu consultório, desenhou um bacio que permitiu com que as crianças, devidamente amparadas pudessem ser colocadas para fazerem o cocó, logo após a mamada. O bacio de espaldar alto quase que nem precisava que a mãe amparasse. Essa era a ideia. O bebé pequeno não passar pela fase da fralda.
Nos meses seguintes ensinou às mães esta técnica simples e eficaz, e muitos meninos do Porto deixaram de usar fralda pouco tempo depois de nascer.
Nos meses seguintes ensinou às mães esta técnica simples e eficaz, e muitos meninos do Porto deixaram de usar fralda pouco tempo depois de nascer.
Este médico não ficou rico a fabricar bacios, mas as mães faziam, à época, fila para conseguir uma consulta com ele.
E isto não vingou porquê?
Além dos lobbies da indústria, o médico em causa não entendeu esta possibilidade como um negócio, apenas a transmitiu como o bom sábio das montanhas, imune às pragas económicas que parecem molas que fazem todos saltar.
E isto não vingou porquê?
Além dos lobbies da indústria, o médico em causa não entendeu esta possibilidade como um negócio, apenas a transmitiu como o bom sábio das montanhas, imune às pragas económicas que parecem molas que fazem todos saltar.
E por isso esta história é deliciosa por três motivos.
O primeiro, está relacionado com a humildade de um ser invulgar, o segundo com a importância que a observação atenta e ponderada tem na nossa vida. Passar os dias com a cabeça nas nuvens, no espelho ou invejando a vida dos outros, só nos traz dissabores e problemas.
A ultima é a maravilha de conseguirmos aprender qualquer coisa com os outros, que não nos estão conscientemente a ensinar nada, observando-os e adaptando essas pequenas lições à nossa própria vida.
É que às vezes, parecemos apenas símios a quem deram os primeiros talheres.
Um beijo a todos.
Outra vantagem da andar assim nas costas da mãe tem a ver com a prevenção da luxação congénita da anca, doença praticamente inexistente em África. Aquela posição permite que que a cabeça do fémur encaixe com perfeção no acetábulo, corrigindo naturalmente uma eventual deficiência. Não há estudos rigorosos que o confirmem, mas são muitos os ortopedistas pediátricos com que falei que acreditam que esse é o motivo para a inexistência dessa má-formação em Africa.
ResponderEliminar(a minha filha nasceu com luxação congénita da anca)
Inacreditável como as coisas são. Quando a minha filha nasceu, também ela tinha o acetábulo pouco escavado, do lado direito. Entrei em pânico (maldita internet). Felizmente evoluiu sem problemas e aos 3 meses estava perfeita, mas o médico sempre nos disse que o problema tinha menor incidência em Africa, pela posição com que as mães levam os filhos, não só nas costas, mas também na anca, o que os obriga a estar de pernas abertas, condição perfeita para que o osso encaixe melhor.
EliminarSempre a aprender.
passei por aqui e fui ficando, fui lendo e gostando. boa semana. Mia
ResponderEliminarFique enquanto gostar. A liberdade é isso mesmo. E é bom!
EliminarBoa semana e um beijo.