25 de maio de 2014

Uso as palavras para falar dos meus silêncios...


Eu tinha umas pessoas na minha vida. As minhas pessoas.
Não eram meus pais, nem meus irmãos, nem amigos. Mas eram pais, irmãos e amigos.
Estas pessoas da minha vida, foram durante muitos anos os espelhos de mim.
Era nelas que me revia, foi com elas que aprendi, foi assim que me ensinaram.
E era um orgulho tê-las, porque ninguém as tinha como eu, tão amigas, tão unidas, tão alegres, tão minhas.
As minhas pessoas eram só quatro, mas eram seis, mas eram oito, mas eram elas e outras como elas, parecidas com elas, que me envolviam, e me viam, e eu via-me nelas.
Durante esse tempo, em que nos tínhamos e víamos uns aos outros, a nossa vida mudou muito, tanto como a vida que muda, para todos nós.
Mas as mudanças, mesmo as mais agrestes, daquelas que fazem lágrimas e deixam desgostos, eram isso mesmo, pequenas mudanças mundanas, que íamos levando, aguentando, nos dias que nos envolviam como uma teia, e nós nela, protegidos, apertados.
Os fardos que cada um carregava, como carregamos todos sem exceção, toda a vida, eram fardos repartidos, que iam ficando mais leves, e os sete à volta de uma mesa, na venda, no café, na varanda olhando a lagoa, nas noites passadas em claro, recortando amarguras e desejos findos, e bebendo, e brindando, e  cantando sempre as alegrias, e as modas tristes, tão tristes desta vida.
E por ali passaram abraços, palmadas fortes nas costas, lágrimas secas, outras molhadas, invejas, parecenças. Em tudo nos entendíamos e em tudo nos ajudávamos.
A vida era assim, tão mais fácil. E tão melhor.
Mas um vento frio, um nevoeiro agoirento, um azar, uma inconsciência, separou-nos a todos. Partiu-se um espelho, sete espelhos. Não sobrou nada, nem cacos para apanhar.
A vida é inesperada, indomável, e agora, agora, já não as tenho.
Sou metade? Somos sempre metade de nós, se não podemos ver nos outros o espelho de nós próprios.
E agora?
Onde estão os meus laços?
Onde deixei a minha marca?
Os meus laços quebraram-se ali, no nevoeiro. A minha marca já não se vê. E eu não percebi, achei que a minha pena e esta pena de mim,  poderia ficar escondida na rama da vida, no abotoar dos botões, nos ganchos do cabelo, nos livros, na escrita, e nas palavras que não disse e não digo, mas que oiço e lamento.
Hoje percebi tudo.
Tenho saudades daqueles tempos, tenho saudades deles, de nós.
E agora que a vida se complica, agora que precisamos uns dos outros, que precisamos de espelhos, de conselhos, de cantigas e de conversas, não nos temos. Estamos perdidos, ausentes de nós e sofremos. Choramos?
Choro eu.
Alguém me compreenderia se dissesse que não me vejo?
A quem poderei deitar a mão, agora que tudo se complica e se enubla...
Deixo-me cair?
E depois, quem me levanta?
Ainda não morri e já me enterro.
Quem consegue refazer uma teia desfeita, se espreita a aranha ferida?
Porque não podemos nós, conservar para sempre aquilo que nos faz felizes?
Não sei. Mas tudo isto é triste.
Tudo isto é fa(r)do.

8 comentários:

  1. Que tal começar a forma mais simples mas também corajosa?
    "Olá...tenho saudades de ti!" :)))
    Sei bem do que falas, por momentos calcei os teus "sapatos".
    bjs :)

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    1. Caramba, que isso é tão, mas tão difícil... sabes?

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  2. depois do que aqui ficou escrito, nada mais há acrescentar, pois este "espelho" está muitíssimo bem refletido, literalmente e metaforicamente. boa semana, mesmo que isso implique mais dias sem os tais "laços"

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    1. Era bom que fossem poucos, mas já lá vão alguns, muitos, demasiados.

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  3. Compreendo eu... com todas essas letras, palavras e versos, um vazio... um buraco...
    Ainda não encontrei remédio Uvinha, sempre ouvi dizer " il faut vivre, quand on a encore le temps", mas por vezes, vezes de mais, não se consegue viver, a saudade vem, a nostalgia de dias belos e felizes...
    Quando descobrir a solução, partilharei com a Uva com muito gosto.

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    1. Obrigada.
      Ontem voltaram as saudades e esta triste certeza de que talvez não consiga compor as coisas.
      Acho que por força do tempo que passou, perdi o rasto do caminho que poderia levar-me aquele ponto, ao ponto da rutura. Mas é difícil. Ando meia perdida.

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