10 de junho de 2014

Disto de um amor (roubado) e uma cabana...

Há 45 anos atrás, o meu avô (emprestado) roubou a minha avó a sério, ao meu avô de sangue.
Aquilo foi um frenesim sem fim... duas famílias de pantanas, todo um bairro incrédulo, e muito caminho pela frente.
Como tudo na vida, há coisas que têm mesmo de ser, e esta decisão difícil, tomada por amor, por dois fugitivos apaixonados, numa época em que nada era permitido às mulheres, além da lida da casa e três ou quatro bofetadas à hora do jantar, ditou em muito, aquilo que sou hoje e aquilo que realmente acredito valer a pena.
Soube desde cedo, por culpa desta decisão tão diferente (e tão à frente), da minha avó verdadeira e do meu avô emprestado, que não há nada, nem ninguém, que nos possa decepar a vida, muito menos os ciúmes, os dogmas e os préconceitos de uma sociedade mesquinha e invejosa.
Foi daqui de onde escrevo, com os olhos postos num lago de água serena, só agitada a tempos por gansos selvagens que nela pousam, que os dois apaixonados decidiram também pousar e começar a sua enorme viagem.
Lagoa de Albufeira. Sem uma única casa, sem caminhos, sem vizinhos, foi no entanto mãe, amiga,  ar puro, amor, um lago e esta cabana.
Depois da tempestade, a bonança, o regresso dos filhos já crescidos, os netos, os amigos, tantos, as festas. Nós.
O meu avô emprestado, que roubou a minha avó ao bairro e à fadiga de uma vida vazia, que comigo se sentou tantos dias nesta mesa onde aterram agora os meus pensamentos, já cá não está. Estando.
Se eu lhe pudesse dizer agora, alinhando os pensamentos na maturidade da idade, aquilo que lhe disse sempre em silêncio, ele havia de me interromper, chamar-me outra vez palito de lá réne, e dizer-me, largando uma longa baforada da sua inseparável piteira, que tudo isto foi por ela, e por ninguém mais do que ela, a sua menina pequenina e franzina, que em (bom) tempo roubou.
Obrigada avô, por esta casinha e por todos os momentos que aqui vamos passando.
Foi uma viagem e peras!

2 comentários:

  1. Que bonito. Ainda bem que há amores, assim, que não se acomodam.

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    1. A minha avó foi infinitamente feliz, e nos também com eles! Ainda dizem que o crime não compensa....

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