13 de outubro de 2014

Agustina

Passei a manhã de domingo, aquela que mais gosto, a ler Agustina.
O sossego da manhã, a opacidade do dia cinzento e chuvoso, uma fatia de pão com manteiga, um café duplo bem servido, e tempo.
Não estive a ler nenhuma das suas obras, e nem conseguiria fazê-lo numa manhã de domingo, mas estive a lê-la, a ela.
Numa entrevista de 2002, colocada no blog da Anabela Mota Ribeiro, entrei na vida da Agustina como entram na nossa vida todas as obras que ela escreve para nós. 
De mansinho.

Nunca tive especial interesse pela vida dos escritores, ou antes, nunca escolhi um livro por gostar ou não gostar, pessoalmente, da pessoa que o escreve.
Várias vezes me deparei com situações menos prazeirosas, atitudes e opiniões muito feias, que escritores do meu agrado debitaram sobre temas da atualidade, ou sobre a vida e as pessoas em geral.
O contrário é também verdadeiro.
Excelentes pessoas, péssimos escritores, péssimos livros.
Sei muito bem (ou sabia) que a má personalidade de um escritor não lhe tira a capacidade última de escrever uma boa história, um bom romance, uma obra prima, e que no máximo pode emprestar uma parte da sua personalidade a um dos personagens, mas nunca a todos, o que, na minha opinião, afastava a obra do autor.

Mas tenho vindo a mudar de opinião.
Todos podem escrever um livro, nem todos podem ser escritores.
Porquê?
Porque agora eu sei que para escrever um (bom) livro, não basta só contar uma boa história.
Para escrever um (bom) livro, o escritor precisa de virar-se do avesso, dar de si, e para dar de si tem que ter algo para dar. Tem de haver uma vida, uma marca, um caminho.
Tem de saber pensar a vida.
Se não souber pensar a vida, jamais conseguirá fazer a obra.

"Desde que começou a reflectir, o ser humano tem a consciência de que é diferente do outro. Na pré-história não se tinha a consciência de que se era diferente, mas que o outro era um inimigo. Essa pré-história está ainda dentro de nós, actuamos ainda como se o outro fosse um inimigo. À medida em que se foi reflectindo e civilizando, o outro deixou de ser um inimigo para passar a ser um diferente. E estabeleceram-se acordos de paz. O sentido de paz começa aí." - ABL

Agustina [Bessa Luís] sabe.

E eu agora também sei.

13 comentários:

  1. Olá, Uva; boa-tarde.
    Acho que tens razão. Também penso que quem escreve um livro, escritor ou não, coloca sempre muito de si naquilo que escreve. E se não coloca descreve as situações como o seu carácter e personalidade dita.
    Eu não sou escritor, nunca pensei escrever na minha vida e afinal tornei-me autor de dois livros. Estou a acabar o terceiro, e sendo livros da mais pura ficção a verdade é que dotei as minhas personagens, as boas e as más, segundo a minha experiência de vida, com as caraterísticas inerentes ao meu sentido de vida.
    Se fui o autor, se conheço o bom e o mau, a virtude e o crime, então é como eu penso que deve ser.
    Como nunca pensei nem me imagino a ganhar algum dinheiro com a escrita, só pensei que quem não gostar não leia.
    Um escritor já e diferente. Tem de abdicar de muito de si mesmo e ir de encontro ao que o público gosta,
    Se bem que as declarações da Rita Ferro não me pareçam que sejam as que melhor se coadunam com a boa vontade dos seus leitores...mais desfavorecidos
    :)
    O resto de uma boa tarde e uma boa semana

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    1. Olá, olá.
      Gostava de ler esses teus livros. Onde é que os posso encontrar? Devem falar de África, acertei?

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    2. Obrigado pelo interesse.
      Vou ser sincero. Como o que menos quero é publicitá-los; se me concederes autorização envio-te um mail e falo neles.
      Pode ser?

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  2. Li algures numa entrevista que a Agustina deu, já não me recordo a que jornalista, que ela e a neta Lourença se divertiam imenso com certos episódios caricatos da sociedade portuguesa.
    A realidade ultrapassa a própria ficção, daí que os humoristas tenham tanto onde se inspirar...
    Fernanda

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    1. A Agustina e as netas:

      De que é que gosta de falar com elas?
      Quase não falamos. Uma está em França, outra está a estudar ainda. Esta segunda, eu tenho gatos e ela é asmática... Imagine a nossa convivência!

      O que faz aos gatos quando ela vem cá?
      Ah, aos meus gatos ninguém lhes toca! [riso] São uma companhia imprescindível!

      O que é que lhe parece ver a Leonor [Baldaque] interpretar personagens seus?
      Pelo que tenho visto, não me parece uma vocação. Parece-me um efeito das circunstâncias: ela ser minha neta, o Manoel de Oliveira fazer os guiões através de livros meus, ela estar próximo. E ter uma bonita figura, que ajuda. Tudo isso conjuga-se, mas não é uma vocação. Uma grande artista, não vai ser. Senão já... Eu comecei a escrever aos doze anos. São coisas que não se podem forçar. As pessoas ou são ou não são, dão para isto ou dão para aquilo.

      Não me parece que a Agustina se divirta ou divertisse com as netas...

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    2. Esta entrevista data de 2002... e as relações evoluem.
      Para grande pena minha não sei precisar a fonte mas é de uma data mais recente. De qualquer maneira, não teria necessidade alguma de «pôr palavras na boca» de uma Senhora como a Agustina.
      Fernanda

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    3. É uma grande escritora Fernanda. Mas é uma mulher muito dura.
      E tem mesmo de ser. Nasceu num tempo que aos nossos olhos seria impensável.
      Nesta entrevista em particular, julgo que não ganhou nada em dizer que a neta não tem talento e que só fez o filme por causa dela. É feio, mesmo para uma grande senhora.
      Claro que não Fernanda, nem eu quis dizer isso. Desculpe se não me fiz entender bem.
      Um abraço.

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  3. Também acho que não podemos associar a personalidade dos escritores ao seus livros. Há escritores com obras magnificas que tem uma personalidade de caca. Por acaso nunca li Agustina, não sei porquê. Qual me aconselhas para me iniciar?

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    1. 'A Sibila'. Mas Agustina tem uma obra tão vasta que fica difícil.
      Posso ter um gosto totalmente diferente do teu.
      Eu gosto dos descritivos, palavrosos, gosto do Zola, gosto dos Russos, tudo muito, muita palavra.
      Há pessoas que detestam, acham que autores muito descritivos são atentados à inteligência porque passam atestados de burrice aos leitores, tentando explicar tudo.

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    2. Pois, depende. Eu embora também gostando muito dos russos, as descrições quando muito vastas, perco um pouco o entusiasmo. Aconteceu-me isso com os Maias, sacrilégio eu sei, mas nunca consegui passar a primeira parte. Um dia dou-lhe outra oportunidade.

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    3. Os Maias são o cúmulo da descrição. Gostei de ler, mas tinha uns quinze anos. Perdi o livro no rasto do tempo, e no outro dia comprei outro.
      Um dia fingi que era o Eça e o resultado foi este:
      http://a-uva-passa.blogspot.pt/2013/12/uma-pastilha-evervescente-cair-num-copo.html
      Estava inspirada.

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