30 de outubro de 2014

E fora de nós, nada.

Um dia, há muito tempo atrás, quando perdi uma pessoa muito muito querida, senti uma forte pulsão, quase incontrolável, dolorosa mesmo, que me impelia brutalmente para longe de mim.
Queria estar em todo o lado menos aqui, comigo. Queria cantar alto, queria dançar até de manhã, queria rir à gargalhada, conversar com os amigos até de madrugada, queria enliar-me em tudo, menos estar dentro de mim. No meio do nada. 
Aquilo que eu tinha - além de uma tristeza imensa, uma ausência, e um luto infame e doentio, que lutava contra mim, devorando a cada dia a luz dos meus olhos - era um pensamento intruso. 
Eu não o chamava, não puxava por ele, mas ele vinha, e ia, a seu bel-prazer, a qualquer hora do dia ou da noite, e ali se instalava durante muito tempo martelando-me a cabeça. 
Depois, o intruso, como se não obtivesse qualquer resultado, além de uma lágrima perdida numa vagal expressão de pena, ia-se, deixando-me cheia de dúvidas e de culpa.
Para explicar isto melhor, para que possam também vocês perceber o que se passava comigo naquele tempo, imaginem-se debaixo de uma fonte, em silêncio, sofrendo uma dor pungente, e uma gota caindo, intermitente, no alto da vossa cabeça. 
A gota, ou o intruso, fazia-me uma pergunta, sempre a mesma, pim, pim, pim.
Porquê? Porquê? Porquê?
Nessa altura, louca, porque aquele intruso me transformara numa marioneta, manietando-me habilmente, subjugando-me como a abstinência subjuga o heroínómano, fez-me caminhar imenso, levou-me a muitos sítios, a muitos credos e muitas teorias, na tentativa de acabar com aquilo.
Precisava saciar o intruso. Dar-lhe uma resposta e calá-lo.
Mas tal como é imensa a morte, também os intrusos de agigantam, e se não os detivermos, matamos a alegria. A depressão impõe-se a tudo, e depois dela, a alegria nunca mais será mesma.
Foi Deus. Foi o destino. Foi karma. Porquê? Porquê? Porquê? Porquê?
Um dia, numa cidade muito bonita chamada Setúbal, onde eu estava de visita, um rapaz, creio que na altura meu colega de trabalho, disse-me a seguinte frase:
Tu estás a fazer tudo mal. Tu não podes procurar fora de ti a resposta. Eu não tenho a resposta. Ninguém tem. Tu não podes deitar as mãos ao ar e fazer perguntas ao céu. Julgo que saberás que o céu não fala. 

Ele tinha toda a razão. 
Nunca saberei porquê. 
Estava a fazer a pergunta errada no sítio errado. Estava a fugir de mim em vez de me encontrar.
Deveria antes perguntar: como? 
Como seguir em frente.
  
Creio que as imagens que vos deixo aqui hoje, e que me levaram a escrver este texto, são de mulheres que como eu não deixaram que a morte da alegria de sobrepusesse ao caminho que tinham ainda para percorrer. 
A resposta não está fora de nós, na aparência física, em deuses, na opinião dos outros.
A resposta está dentro de nós, e é aí que deve ser procurada.
Isso, ou ficarmos perdidas para sempre no nada de coisa nenhuma.
O céu não fala, mas alegria grita muito cá dentro.
É preciso encontrá-la.
Além de tudo.












9 comentários:

  1. Ó Uva. Assim fossem todas as respostas tão fáceis de obter. Porquê? Porquê?
    Porque é assim que é. Porque é assim que sempre foi e sempre será. Porque é a necessidade da continuidade. Parece um paradoxo, mas repara. Morre-se sucessivamente para outros ocuparem o espaço que já foi nosso. Sempre assim foi e será.
    Agora, poderás dizer-me que sim, que é verdade mas, a seu tempo. Quando a ordem natural das coisas chegar.
    E eu respondo-te: paciência, não está na nossa mão, não somos donos de nada. Desde o primeiro segundo de vida é sempre a caminhar para o fim. Uns mais tarde outros mais cedo, o caminho é irreversível.
    Sabes? A vida nada mais é do que umas curtas, curtíssimas férias que a morte nos proporciona, e só por uma vez. A uns deixa-as terminar, a outros, qual bruxa maléfica e caprichosa, interrompe-as à vontade dos seus caprichos.
    Se aceitarmos isso, não há, nunca haverá depressão que nos derrote.

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    1. Pois, pois, mas eu era uma miúda e essas coisas não me serviam para nada. E ademias, mesmo que servissem não responderiam à minha pergunta.
      E sabes, foi a primeira vez. Não estava preparada.
      Hoje estou mais forte.
      Grande abraço para todos lá em casa.

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    2. Pois, para uma criança é sempre pior, é verdade. Mas também podias muito bem referir a idade quando viveste o drama; ou não era? Menina Uvinha?!
      Obrigado. Para a tua casa também.
      Um Abraço e deixa de uma vez as depressões para os fracos.

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    3. 23 anos.
      Descritos aqui: http://a-uva-passa.blogspot.pt/2014/06/quase-14-anos-num-minuto.html

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  2. Nem sei o que diga, fugiram-me as palavras... :)

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    1. Olha corremos uma maratona às duas, e achamo-las! Devem estar por aí a beber uma jola, se bem conheço as palavras...

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  3. Já não sei o que ia a dizer.
    Adoro-te.
    Desculpa.
    (é que é isto, mas assim explicado nem parece tão negro)

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    1. Mas é. É um buraco sem fundo, frio e pungente.

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    2. Do qual, verdadeiramente, nunca mais se sai. Aquela máxima de "morreu contigo uma parte de mim" é absolutamente real.

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