3 de outubro de 2014

Partilhas

A história é estranha.
Não consigo perceber como é que estas coisas acontecem na vida das pessoas.
Faz-me uma tremenda confusão quando percebo que alguém foi enganado pela própria família. 
É um sentimento de perplexidade e ao mesmo tempo de curiosidade, este que sempre me assalta, quando as famílias se apunhalam selvaticamente por dinheiro.
Por um lado fico pasma com as situações que me passam pelas mãos, muitas delas de uma gravidade brutal, por outro lado fico muito curiosa, porque nunca sei como é que se desenvolve num ser humano igualzinho a mim, com uma cabeça e uma vida aparentemente normal, família, filhos, trabalho, festas de aniversários, casamentos, amigos, faculdade, instrução, cultura e desporto,  a perícia da calma e a capacidade férrea de continuar vivendo com um crime que lhe arrancou para sempre as raízes.
Onde, em que momento da vida destas pessoas, tão acarinhadas e apoiadas na sua meninice e na sua juventude, aconteceu esta clivagem? 
O que foi que os transformou nestes seres férreos do mal e da ganância?
Há uma frase que uso, às vezes, para explicar à minha cabeça esta vertente suicida dos laços filiais que encontro nalgumas pessoas: todos os homens têm uma mola que os faz saltar.
Pois é. Uma mola.
Creio que para estas pessoas, tão tristes, a mola saltou-lhe no exato momento em que os rapazes e as raparigas se fazem Homens e Mulheres.
Foi, julgo eu, quando neste processo de transformação pelo qual passamos todos, ao invés de se implicarem na vida dos outros, na humanidade, nos valores sociais de fraternidade e igualdade, se empenharam apenas nas questões mesquinhas e falhas da sua própria vida e prazeres.
E agora, cheios deles próprios, seguem pela vida coçando a barriga.
O mundo está cheio de obesos sociais.

19 comentários:

  1. Respostas
    1. Agora lembrei-me de uma canção «Isn´t life strange» dos Moody Blues. Alguém conhece?
      Fernanda

      Eliminar
  2. Uva, Uvinha, leste-me os pensamentos.

    ResponderEliminar
  3. Cheguei à conclusão que as pessoas são capazes de tudo. Se me custa ver? Custa. Se tento perceber porquê? Ainda tento. Estou a tentar deixar de o fazer.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu preciso de entender tudo. Sou este poço de curiosidade e de racionalidade.

      Eliminar
  4. Eu por um lado gosto de pensar que foi alguma falha grave na educação enquanto miúdo, falta de pulso e regras, porque se me ponho a pensar que não é isso então morro de medo de um dia o meu puto ficar assim

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E como não há mães perfeitas, e pulso e regras não é tudo (lembro-me do Tolstói a falar das más inclinações das crianças da alta sociedade, todas cheias de regras e condutas) para perceberes que todos os putos são um potencial disso.
      Por isso é melhor prevenir(es) que remédios dar.

      Eliminar
    2. Uva, regras de conduta da alta sociedade e regras e pulso em casa são coisas diferentes. Já me cruzei com muitos meninos da dita alta sociedade e regra geral são muito mais mal educados e menos respeitosos que os outros. Têm menos regras rígidas em casa, são menos contrariados e vivem na ideia que estão acima dos outros.

      Claro que não há mães perfeitas mas quando falo em pulso e regras, falo na capacidade de contrariar desde pequenos os caprichos típicos da idade e impôr limites claros que não devem ser ultrapassados.

      Eu por exemplo quando digo ao meu filho que se tiver determinado tipo de comportamento vai ter a consequência X, te garanto que a vai mesmo ter, nem que seja ficar sem a história da hora de ir dormir. Sou má? se calhar sou mas até ver tenho em casa um miúdo que sabe bem até onde pode ir e que raramente pisa a corda, no entanto tb sabe que o amo mais do que tudo.

      Eliminar
    3. Totalmente de acordo, especialmente no que diz respeito aos meninos ‘do colégio’. Tão cheios de coisas e de soberbas regras (para inglês ver e como diz o Tolstói), e depois as más inclinações são o que se vê.
      Mas o que quero dizer, e o que me levou a escrever o texto, e o que escrevi, é que estes seres humanos iguais a mim e a ti, ao teu filho, à minha filha e a milhões de crianças criadas no mais puro zelo, na mais pura educação, apoio, amor, exemplo, barreiras e tudo, se transformam nestas coisas gananciosas.
      Conheces o caso dos irmãos, criados de forma igual, e depois um deles é um ranhoso que só pensa em arrebanhar tudo para si, a custa do sofrimento dos outros.
      Não creio que a culpa de serem piores ou melhores pessoas, seja (unicamente e sublinho) dos pais e da educação.
      Eu por exemplo, referindo-me ao teu último parágrafo, às vezes lá se escapa o castigo, e eu sei que é mau e faço mal, mas tento sempre fazer o meu melhor.
      Também leva umas palmadas, mas não sei se isso leva a algum lado.
      A verdade é que há mesmo crianças com más inclinações, e há crianças boas que depois ficam assim.
      Um abraço lady-m.

      Eliminar
  5. Olá Uva. Não sei de que assunto se trata, mas também não preciso de saber para compreender. Assuntos de família quando interesses prevalecem, são hienas esfaimadas, ou melhor; tubarões em ventre materno com o mais voraz a devorar os mais descuidados.
    Já vem de longe! Segundo a Bíblia, Caim deu o mote.
    Quanto aos filhos, e pegando no lúcido comentário da tua leitora lady_m; apraz-me dizer o seguinte:
    Os filhos, todos os filhos; independentemente dos seus próprios caracteres e personalidades, espelham sempre nas suas acções futuras o reflexo do comportamento dos pais.
    Desejo-te e a todos os teus leitores, um excelente fim-de-semana.
    Corvo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E os que não têm pais? E os que não têm ninguém?
      Não posso concordar Corvo, mas admiro-te pela tua coragem e pela força dos teus princípios.

      Maravilhosa partilha de opiniões.
      Beijos aos dois.

      Eliminar
    2. Pois, esses que não têm pais, não têm ninguém; paciência.
      Mas têm sempre alguém! Alguém que os alimenta e lhes dá educação.
      E se nem sempre nem o alimento nem a educação são os mais adequados, paciência outra vez.
      É o mundo que temos, que os homens querem que assim seja e contra força tão desigual não há nada a fazer.
      Sabes qual foi o primeiro acto na história da humanidade, quando o incipiente macaco se começou a erguer e descobriu a primeira ferramenta, que por sinal era uma pedra com que podia quebrar os caroços para lhes extrair o miolo? Foi esborrachar a cabeça ao companheiro para lhe sacar os caroços todos.
      Como vês, já vem de longe, de muito longe.
      Um beijinho para ti também.
      Corvo.

      Eliminar
    3. Hahahahah.
      Não são todos assim, não somos todos assim.
      Garanto-te.

      Eliminar
    4. Pois não, Uva; não somos todos assim; mas de que adianta?
      Sabes qual é o conceito de um mundo perfeito para mim? Aposto que também é o teu e ainda nem reparaste.
      Um mundo onde todas as crianças rissem!
      Mas depois começo a lembrar-me dos pretinhos da minha terra, abano a cabeça, suspiro e reconheço-me o maior idiota da história da humanidade.
      Corvo.

      Eliminar
    5. Mas temos que ir andando, e questionando, e respondendo, e mudando.
      Não nos podemos ficar pelos abanos de cabeça.
      Olha, vamos vendo algumas crianças rindo, e isso, embora não seja tudo, já é alguma coisa.

      Eliminar
    6. Por uma que ri mil choram.
      Eu digo-te, Uva. Sou uma pessoa que nunca se acomodou ao destino, nunca o reconheci, sempre o derrotei e segui sempre o meu caminho, aquele que eu quis para mim. Nunca, mas nunca mesmo a vida me derrotou.
      Mas isso dependia, e depende de mim. Da minha força e da minha vontade. Daí eu não reconhecer a depressão. Pelo menos para mim.
      Agora, naquilo que à minha força transcende, aí reconheço a minha impotência.
      BFS.
      Corvo.

      Eliminar
    7. Sô Corvo:
      É uma honra ter-te aqui.
      BFS

      Eliminar