9 de dezembro de 2014

Acordo Pornográfico

Um leitor que siga a Uva, mesmo que pouco atento (ou com falta de tempo), já deve ter percebido que por aqui se escreve de acordo com o novo  OA [Acordo Ortográfico].
A Uva Passa, embora com algumas reservas, sobretudo no que concerne à distância percorrida pelos mentores do acordo, por terem ido, de facto, longe demais, é na generalidade, a favor da transformação da língua ao longo dos anos.
Para a Uva Passa a língua é viva, e como tal, muta.
O tema é aviltante, inflama grandes e pequenos pensadores, protagoniza combates e debates de homens das letras contra as letras, de escritores contra editoras, de escolas contra professores e de portugueses contra portuguesas.
Alguns dos que contrariam o novo AO, parecem estar imbuídos de um certo espírito chauvinista, que protege até à última gota de sangue a pátria-mãe, a língua-mãe, como o glóbulo branco que ataca a célula cancerígena, mesmo sabendo que ambos, a língua e o cancro, estão já impregnados e encapsulados na doença a que chamamos globalização. A metástase é imparável, e a cada dia novas células (palavras) nascem e morrem.
E eu respeito (e compreendo) que os portugueses não queiram ver a sua língua vendida aos bocados, como fizeram com a PT.
Mas somos todos vítimas do progresso que tanto desejamos, e a língua, muito embora não o queiramos aceitar, torna-se o travão que por falhas de comunicação, e má tradução, impede o natural avanço da aldeia global, e junta-se, sob uma chuva de vozes contra, a outras línguas além mar, com a pretensão de que um único documento, numa grafia única, represente todos os países da CPLP internacionalmente.
É uma verdadeira era dos descobrimentos das letras, que por mares nunca navegados, vai à conquista de outros mundos.
Também naquele tempo, muitas vozes se acharam contra a partida da Armada, mas ela lá zarpou, invencível.
Assim foi com a monarquia, assim será com os partidos. O mundo polula e avança.
A atitude tão portuguesa que está impregnada no ditado popular 'se não os podes vencer, junta-te a eles'' pode e deve ser substituída sempre que assim se determine a vontade de todos, ou de alguns, no seu contrário:´se não te podes juntar-te a eles, vence-os', mas, e no que concerne ao tema do Acordo Ortográfico, se a primeira é apenas um encolher de ombros, tão nobre quanto o povo português, já a segunda traduz-se numa forma combativa e corajosa de vencer o adversário, mas, e quanto a mim, parece que acordaram tarde para a vida, os que decidiram trilhar o caminho da guerra.
O que me parece é que adormeceram sobre o (não tão novo) ditado 'somos todos do contra, mas cá andamos todos juntos a mandar umas bocas' e que, tal como um passarinho frito, tarde piaram.
E digo isto porque fui acordada por uma Ação Popular - coisa muito popular por sinal, já que pupula por tudo o que é decisão que amofine o povo, sobretudo o povo que lava no rio da advocacia lisboeta e não só, que no Douro também se lavam algumas peúgas - e que lhes / nos permite, ao 'povo',  intentar contra decisões políticas que lhes / nos fazem chegar o desacordo ao nariz.
'Se a acção popular vier a obter uma decisão favorável do tribunal, a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 nos vários escalões do ensino público, do 1.º ao 12.º ano, será considerada ilegal', vaticina o Publico.
Isto faz-me lembrar aqueles duzentos detetives ou lá o que era aquilo, que entraram de rompante na sede do BES para subtraírem provas e indícios três meses (três meses, caramba) depois de estoirar a bomba?!, e se enchem agora de razões e ações, depois de (conto eu) três anos da coisa se ter dado em definitivo, ou seja, de ter sido aprovada a alteração agora contestada.
A pergunta que se impõe: porquê só agora, depois de tudo estar dito e feito? Na altura não havia possibilidade de uma ação popular como esta que nasce agora? Fizeram uma reclamação ao Provedor. Não poderiam ter feita uma ação?
É que eu bem vejo a dificuldade que tiveram os mais velhos, e mesmo a malta da minha idade, em adotar toda uma panóplia de novas regras de escrita e de gramática, e fico a pensar com os meus botões, que lógica terá de se alterar tudo outra vez, três anos depois, já para não falar no dinheiro que tudo isso implicará.

Pois como tudo o resto, vence a impunidade com que se faz e refaz quase tudo em Portugal, sem olhar a consequências, a estragos, a trabalhos dobrados, a chatisses ou aborrecimentos.
Justiça, pois bem! 
Acabe-se com o novo Acordo Ortográfico, com o Contrato Coletivo de Trabalho, com as Indemnizações, com o Abono de Família, com os Subsídios de Natal, com a produção agrícola, com a produção industrial... depois logo se vê, quem for o último a sair que feche a porta.
Dê-se a decisão a um punhado de juízes, arbitrais ou constitucionais, que comandam o povo com as suas leis tão velhas como a língua, ou quem sabe, tão velhas como eles, que a última que deram, e não fosse a natureza viva da língua, ainda se escrevia com ph.

12 comentários:

  1. Portugal é um país o nde à noite qua do te deitas estás de acordocom a lei de manhã ao levantar a lei mudou.
    Esse cordo nunc devia ter sido acordado. Deixavam-no dormir
    Kis:=)

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    1. Mas agora que já estava a dormir outra vez, toca de lhe mandar com um balde de água fria nas ventas.

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  2. Ora bolas. Logo agora que eu finalmente arranjara uma explicação para os meus constantes percalços ortográficos...
    (até instalei o Lince, poças)

    Tenho advogado, por assim dizer, para um auditório constituíd por mim próprio, a libertação destas peias do formalismo. Que se escreva como se quiser em cada ocasião.
    Aliás, porque não seguir aquela evolução orgânica do software: Língua Portuguesa, versão 2014.beta.12.512.? Até poderíamos ter a versão estável e a versão de desenvolvimento.

    Nasce torto, morre torto. Se publicasse dicionários ficaria felicíssimo sempre que um grupinho de "especialistas" e "políticos" decidisse aplicar um acordo com meios critérios, e vinte anos de idade. Atingiu finalmente a maturidade.

    Neste paísito o que me vale é a aguardente velha, a erva e o peiote, porque não aprecio muito Fado. Portanto, "se me perguntam...", quanto mais confusão melhor, ou como é usual dizer: "é deixar arder". É a natureza da Comédia.

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    1. Aqui em Portugal o bota-abaixo é o partido com mais eleitores. O lince está sob fogo, cuidado!! Comedia é se esta ação ganhar, isso é que era uma comédia...

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  3. Tanto palavreado, a mesma lengalenga de sempre sobre o chauvinismo dos anti-AO (é curioso que, dos partidos com assento parlamentar, apenas o PCP se absteve (os outros votaram todos a favor) e dos poucos deputados que votaram contra, um deles foi Manuel Alegre) e nem uma linha sobre o que de facto importa: o próprio texto do acordo. Já leu uma linha sequer? É que a "evolução" preconizada nesse documento é uma involução. Leia. E veja lá que ingleses, franceses e alemãos ainda usam o "ph", que atrasadinhos que são.
    Já agora, é "pulula" e não "polula".

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    1. Olá caro RH. Não resulta claro do meu texto se sou a favor ou contra. Sou a favor da evolução da língua, e a desfavor do desaparecimento do acordo 3 anos depois da sua aprovação. Utilizo porque nunca pensei que pudesse ser revogado pouco tempo depois e porque é um exercício interessante para mim, pessoalmente, por no tempo que por aqui ando na terra, ver mudar (evoluir ou involuir) aquilo que mais gosto. As letras e a língua. Vou ler agora com mais atenção, como sugere, e se daí resultar opinião diferente sob os pontos que toquei no texto, volto ao tema. Muito grata pela correção ao erro que já corrigi e também pela visita.

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  4. "Um leitor que siga a Uva, mesmo que pouco atento (ou com falta de tempo), já deve ter percebido que por aqui se escreve de acordo com o novo OA [Acordo Ortográfico]. " ...

    ahahahahahahahahahahahahahahah!

    Devia ser:

    "Um leitor que siga a Uva, mesmo que pouco atento (ou com falta de tempo), já deve ter percebido que por aqui se escreve" EM DESACORDO COM A ORTOGRAFIA.
    Seria isto que queria escrever? É que isso sim, qualquer pessoa que costume cá vir nota em pouco tempo.

    ahahahahahahahahah

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    1. Ahahahahahahahahah!!!!! Credo. E não me dizia nada? E logo a Uva, que se farta de treinar.

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  5. Sim, sim, li há uns anitos e reli no ano passado, diverti-me imenso, e voltei a colocar no caixote do lixo sentindo uma imensa felicidade, louvados correctores ortográficos.

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    1. ... as minhas desculpas, um reparo a um reparo (esta delícia) ,

      Já agora, é "alemãos" (?!!!!!! :DDDDD)

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  6. O Acordo não veio consagrar uma evolução da língua, mas tentar uma uniformização que também não será querida pelos outros países abrangidos, como o Brasil. Não aderi, mas aceito tudo :)

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