E esta crónica do The New York Times para o Público fez-me pensar mais uma vez no meu tormento e na loucura desmedida pelo sucesso escolar dos filhos (a todo o custo) que vejo em alguns pais.
Há tempos, quando falei aqui sobre os trabalhos de casa da ML, e na influência que isso tinha na nossa vida familiar, acercou-se do post uma comentadora [identificada] que me escreveu isto:
´Não sou mãe mas trabalho num centro de estudo. Lá, as
crianças fazem os TPC e estudam. Estudam porque é altura de testes,
estudam porque sim, estudam porque os pais pagam. Estudam até estarem
vesgos e eu os mandar embora após as 19 horas.
Algumas crianças entram na escola às 8h e saem do centro de estudo após as 19h. São 10 a 11 horas diárias. É um exagero. Trazem inúmeros trabalhos de casa e os pais querem resultados excepcionais, logo a criança tem de fazer mais não sei quantos trabalhos para estudar a matéria para tirar muito bom a tudo, basicamente.
O assustador é que tudo o que aprendem é colado e no ano seguinte não se lembram de nada. No quinto ano não sabem a tabuada, escrevem com erros, esqueceram como se divide as sílabas de uma palavra e não sabem fazer contas de dividir sem máquina. Querem resultados [os pais], mesmo que sejam errados. Querem quantidade e não qualidade. (...) Poucos pais se lembram da necessidade que os filhos têm de ser crianças . Os filhos têm de ser os melhores, uns robôs, o número 1. Tudo o resto pouco importa.'
Algumas crianças entram na escola às 8h e saem do centro de estudo após as 19h. São 10 a 11 horas diárias. É um exagero. Trazem inúmeros trabalhos de casa e os pais querem resultados excepcionais, logo a criança tem de fazer mais não sei quantos trabalhos para estudar a matéria para tirar muito bom a tudo, basicamente.
O assustador é que tudo o que aprendem é colado e no ano seguinte não se lembram de nada. No quinto ano não sabem a tabuada, escrevem com erros, esqueceram como se divide as sílabas de uma palavra e não sabem fazer contas de dividir sem máquina. Querem resultados [os pais], mesmo que sejam errados. Querem quantidade e não qualidade. (...) Poucos pais se lembram da necessidade que os filhos têm de ser crianças . Os filhos têm de ser os melhores, uns robôs, o número 1. Tudo o resto pouco importa.'
Os problemas virão depois, quando estas as crianças se virem confrontadas com a natural mediocridade, com o satisfaz, com o médio, com o 12, o 13, com o 'normal'.
Aí sim, podem chamar Del Rei, psicólogos e psiquiatras, que de nada servirá.
Estas crianças preparadas e incitadas para serem as melhores, não o sendo, serão a vida toda adultos infelizes e revoltados, incapazes de se perdoar a si próprios pelo falhanço e aceitar com alegria aquilo que a sua natureza lhe reservou.
Isto é absolutamente desumano, porque faz depender o sucesso de uma criança (amanhã adulto) unicamente nas suas capacidades escolares, quando é do conhecimento geral que o ser humano, mesmo aquele que denota dificuldades escolares, é capaz de fazer coisas maravilhosos e de grande importância para a sociedade.
Linhas de produção chinesas - 'Gaokao'
Não imaginas a tristeza que isto me dá.
ResponderEliminarÉ triste e tende a aumentar.
EliminarTem sido com grande apreensão que vejo esta insuflada confiança no futuro através das ciências (que é no fundo a maior dificuldade dos miúdos).
Esta lição aprendi com o meu sobrinho mais velho, demasiada pressão no primogénito. Vê-lo triste por não saber desenhar tão bem, por não ter jeito para o desporto, por não ter ouvido para a música e ter mais dificuldades no português do que no inglês, matemática ou ciências... São crianças e ninguém é bom a tudo.
ResponderEliminarExatamente.
EliminarÓ pá deslarguem os miúdos. Então uma criança que tem bom ou satisfaz não chega?
É que sofrem as crianças e sofrem os pais...
A MC nasceu no mês de Novembro. Quando foi para a Escola primária, poderia ter entrado com 5 anos, aliás chegou a entrar, mas optei por deixá-la mais um ano a brincar, ou seja: ela entrou com os seis anos feitos, e dois meses depois fez sete. Se voltasse atrás faria tudo igual, mas hoje ainda há quem me diga que ela entrou um ano atrasada. Porra! Atrasados são eles. A MC entrou no ano que devia ter entrado: com 6 anos. Se assim não fosse, com toda a certeza a Comissão de Proteção de Menores e o MP tinham vindo cá a casa, digo eu... nunca tive pressa que ela crescesse, nunca. Costumo dizer que adulta vai ser a vida toda; criança só se é naqueles primeiros anos. Quanto ao aproveitamento: nunca lhe pedi nada que ela não fosse capaz de conseguir. Tenho o cabo dos trabalhos aqui em casa, a MC não é muito trabalhadora, nem estudiosa. Os primeiros 6 anos era boa aluna, agora é mediana com muitas capacidades, mas não as usa em beneficio próprio por preguiça. Às vezes dou comigo a pensar se não a terei responsabilizado cedo de mais: a partir do 2º período do 6º ano deixei de andar tão em cima e agora para ser sincera já não tenho pedal para a acompanhar. Encontrar o equilíbrio é a parte lixada da coisa...
ResponderEliminarBeijo
A ML nasceu em Novembro como a tua. Dia 20. Entrou com 5 anos porque eu achei que ela estava já muito adiantada (e estava) e porque sempre foi muito adulta. É a mais nova da sala. É boa aluna mas preguiça também não lhe falta. Não ando nada em cima dela. Transmito-lhe confiança e digo-lhe que se por acaso falhar, vai ter muitas oportunidades para remendar. Não a castigo e tendo mesmo a ser uma mãe cool nesse aspeto. Tudo com senso, mas sem as loucuras que por aí vejo.
EliminarAinda ontem entrou num berreiro porque tem de saber as tabuadas todas até sexta feira. Está visto que o fim de semana foi todo para a brincadeira e não se preparou. Já conversei com ela sobre o tema. Tem até sexta para olhar para aquilo e se não conseguir não vem mal ao mundo. Não saber de cor as tabuadas todas não é coisa incomum, pelo que não vale a pena esta agitação toda que só lhe faz mal.
Eu era um desastre na escola. Não era má aluna mas estudar não era o meu forte.
Não sou médica, não sou um sucesso profissional transcendente, mas caramba, também não ando aos caídos por esse motivo e fiz aquilo a que me propus.
Mete-me medo o facto de que quanto mais se estuda e se sabe de pedagogia menos colocamos em prática. Os países nórdicos não obrigam a TPCs, têm menos horas semanais de aulas, saem mais cedo, mas têm uma coisa que nos falta: qualidade de ensino.
ResponderEliminarSinceramente, assusta-me. Da mesma forma que me assustam professores que se deixem ir nesta onde porque afinal quanto menos trabalho têm a ser bons, a dar a matéria na escola, a esforçarem-se por todos os alunos, melhor. Afinal quer o aluno aprenda verdadeiramente ou só memorize as coisas o ordenado do professor é o mesmo e ninguém fica fora do concurso em Portugal por ser mau professor - exemplo disso são as centenas de professores empregados a leccionar que ainda têm a lata de dizer aos alunos "bons e maus profissionais há em todas as áreas e vocês têm que aprender a lidar com eles" (isto, por exemplo, foi-me dito pela pior professora de matemática que já tive - que lia o livro de matemática A - e sim, a senhora, 10 anos depois, ainda lecciona na mesma instituição pública)
E aquilo que ali está na crónica do Público é assustador, com miudos a suicidarem-se aos magotes.
EliminarAquilo são anos e anos nauquele tormento, quase como uma 'seleção natural' académica.
Alguns muito bons, grandes carolas, ficam pelo caminho porque simplesmente não aguentam a pressão, enervam-se, têm brancas.
Há casos de pais a matar filhos para não terem a vergonha de ter um filho a trabalhar na construção.
Uma horror.
Depois há o inverso, miúdos que só sabem, e muito bem, diga-se de passagem, o que vem nos livros. Uma amiga trava uma luta com a filha mais velha, actualmente no 6.º ano, sempre das melhores alunas da turma - aluna de 5 a todas as disciplinas, pede-lhe que leia mais, que se interesse por outros temas, antecipa-lhe"mundo", levando-a a viajar, ver exposições, museus, espectáculos e dela não obtém mais do que uma expressão de enfado, que ainda não está a dar essas matérias, que isso só se aprende mais tarde... que tem boas notas não precisa de mais, simplesmente não reevela interesse porque tem noção de que cumpre os objectivos... Deixar crescer miúdos desmotivados, cultivadores do suficiente, será tão mau como exigir em demasia e fazer deles pequenas máquinas de resultados.
ResponderEliminarExatamente Mirone.
EliminarAdaptar a forma de os motivar consoante as capacidades da criança.
Creio que nenhum pai consciente cultiva a mediocridade do seu filho, mas já dizia a minha avó, o que é demais é moléstia...
Tem tudo a ver com o facto de querermos filhos doutores e engenheiros. Aprender a partir de um curso vocacional ou profissional é para atrasados- mentalidade vigente- e nós a precisarmos tanto, mas tanto de mão de obra qualificada; eletricistas, bons mecânicos e por aí fora. Só não têm é o "dêérre" nos cheques, e isso dói, não dá estatuto! Mas estar numa máquina registadora de anel de curso, isso sim. Por isso, dá na pestana, tens que ser alguém na vida. A seguir, aqueles que têm filhos em escolas de "elite" e seguramente têm mesmo de mostrar serviço - olha o ranking...olha o ranking! São muitas variantes por detrás desta questão que se reflete de um modo tão terrível nestes jovens. Eu tive muita sorte mesmo, no meu tempo, que já foi há algum tempo!!!
ResponderEliminarA minha mãe e o meu pai queriam muito. Eu não tenho essa expetativa, aliás sou totalmente a favor dos cursos técnico-profissionais (muito mais interessantes e preparadores do que o ensino regular).
EliminarEntretanto já ninguém usa cheques ;)
O anel de curso é muito do azeiteiro não é??? O meu era caríssimo. Não comprei.
Eu percebo que os pais queiram ao máximo ter filhos perfeitos, ricos, bonitos, mulheres maravilhosas, férias, mansões... mas isso é tudo à custa de vidas de sacrifício e depois saias à rua e levas com um vaso na tola e lá se vai tudo e entretanto passou a vida nada se aproveitou além de um saber académico da treta.
Tema muito pertinente, Uva, grande post.
ResponderEliminarTalvez se não nos esquecermos de ensinar aos nossos filhos que, afinal, o objectivo da vida é ser-se feliz, a situação melhore um pouco.
A competição torna-se perigosamente doentia. É muito triste, é.
Obrigada Susana.
EliminarCoitadinhos. Só os imagino a tremer antes de fazer o teste com a vida em suspenso, a deles e a dos pais. A pressão que não deve ser. Eu flipava.
Meu neto
ResponderEliminaré inteligente e esperto
Do que gosta, não deserta
É também assim, minha neta
e leva horas, posta
a brincar com o que gosta
Ah, se a escola
lhes aproveitasse o juízo
o empenhamento e o tino
e lhes acrescentasse ensino...
Quando é que sai o livro de poesia???
EliminarMuitas vezes os melhores profissionais e os que têm sucesso na vida nem são os que foram os melhores alunos. É demasiada pressão e o facto de nunca chegarem a ser crianças verdadeiramente vai trazer-lhes frustrações e revolta para o resto da vida. Quando eu andava na escola só havia aulas de manhã ou de tarde e o resto do tempo era para brincar e qual o mal que havia nisso? hoje é demasiada responsabilidade, demasiada pressão dos pais para serem doutores e engenheiros, por isso há tantos suicídios... Deixem-nos ser crianças...
ResponderEliminarBest coment ever!
EliminarOntem deixei um comentário aqui acerca do documentário "Alphabet". Chegou ao destino ou será que me esqueci de carregar em "publicar"?
ResponderEliminarOops! Então parece que o erro foi meu. O tal documentário compara o sistema de educação chinês que promove supostamente a competição, a concorrência, o conhecimento, com outro que deveria promover a criatividade, a curiosidade. O ponto de partida é precisamente o stress a que as crianças chinesas são sujeitas e que resultam nas ditas taxas de suicídio. No entnato, a meu ver, cai-se noutro extremo (a outra tendência) pois se assim fosse, a escola deixaria de ser obrigatória, só aprenderia quem quisesse, o que quisesse.
EliminarNão chegou não, caro Calíope.
EliminarO meio termo é sempre a melhor escolha.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra.
Um abraço.
concordo, como exemplo pessoal, não por pressão mas por querer conhecer (enfim, difícil distinguir entre carácter e temperamento), demasiado e depois quase tudo numa infindável cadeia de dependências em que tudo parece essencial. as classificações vêm com facilidade, os encómios dos professores também, mas a obsessão tem consequências nefastas.
ResponderEliminarAbraço cara U.
Tu deves ter sido um excelente aluno. Assim de repente... foste o melhor?
EliminarFui a melhor a algumas coisas, sobretudo em fazer amigos.
No dia do meu casamento fui a pior.
Na faculdade papava tudo. Fui boa.
De nefasto tenho a apontar o Bairro Alto. Tirou-me muitas noites de sono...
Cara U., a minha situação foi muito diferente da que descreves no post, das pobres crianças pressionadas ao limite. E ainda assim foi nefasta, terminando numa depressão, que sempre vi à distância (é difícil mudar aquilo que somos mesmo quando temos uma auto consciência acutilante). Sim, não é só paródia quando falo na medicação. Tive as melhores classificações das instituições até ao final do secundário e a segunda melhor de toda a faculdade (médias ponderadas dos cursos). Poderia ter escolhido qualquer curso naquele ano ou outro qualquer. Recebi as bolsas de mérito, que dividi com o meu irmãozinho. Tinha amigos que se contavam pelos dedos de 3 mãos, quase todos agora espalhados pelo mundo em faculdades. Era absolutamente obsessivo na demonstração dos teoremas que os professores nos atiravam, já era agnóstico à época, poucos exercícios resolvia, queria conhecer a estrutura dos modelos desde os pressupostos mais básicos. Delirava com aquilo e surpreendia alguns docentes. Conheci muita gente muito mais inteligente que considerava muito estimulante. No entanto, como é mencionado acima, não sou pessoa que se destaque por grande sucesso profissional. Nunca liguei muito ao dinheiro para além do básico, cultura e donativos (é um feliz privilégio nunca ter passado aquilo que os meus Pais passaram, nem pelos horrores que grassam pelo mundo).
EliminarFico mais deslumbrado com a teoria, com a beleza matemática inerente do que com a prática.
Assim fica a saber tudo cara U.
Não conte a "ninguém", hoje estou a oscilar entre o pedantismo e a comiseração.
Abraço!
Olá caro Q.
EliminarAbrevio porque tendo sempre a escrever 'consciente' e não sei porquê.
Tenho (muito por causa da pobreza cultural que grassava no meu bairro fabril) uma obsessão, sim, creio que posso chamar-lhe assim, um amor, uma coisa quente, de prazer mental, por tudo o que é artístico (escultura, literatura, desenho, fotografia) e pela eloquência associada à inteligência, aos contadores de histórias, aos que tudo sabem. Adoro pessoas com carola, que olham para as coisas e veêm as coisas com olhos de ver, que leêm com calma e tentam obter o sentido das coisas, e não só ler por ler ou ver por ver. Gosto de pessoas que se interessam pelas coisas do início e as levem até ao fim.
Consigo ver isso em ti, e sei que é muito inteligente.
Pois pobre também sou. Já tive muito sucesso profissional mas decidi virar-me para dentro e acalmar, porque o dinheiro não é tudo, e sempre prefiro um bom livro.
Fico a saber quase tudo Q. Quase tudo.
Um grande abraço por isto tudo que me contas e que queres que eu (e outros) fique a saber.