21 de fevereiro de 2015

1993


Em 1993, não sei precisar a estação, perdi-me de amores por um rapaz magrinho, muito moreno, de olhos grandes e sinceros, que se cruzava comigo no bar da escola, quando se dava o caso de me apetecer um salame, ou fumar um cigarrito.
Ele tinha um jeito que me encantava, castiço, risonho, sempre rodeado de amigos e amigas, tão diferente de mim, bicho do mato, o terror da escola, a gata assanhada.
Um dia, distraída a tapar o rabo com uma camisola que atava à cintura, atrasei-me para a aula de matemática; aula dormente, entorpecente, lecionada por uma senhora bicuda, sisuda e mal contente, que desdenhava de tudo o que eu fazia, sobretudo se fossem cábulas.
- Olá Uva!
Levantei a cabeça curiosa e dei de caras com o rapaz magrinho. A coisa foi um susto tão intenso que deixei cair a mochila que apertava no meio dos joelhos.
- Olá! Desculpa, assustei-te? És a Uva não és? A prima da Ema?
- Não, não assustas nada...sou. Porquê?
- Ela disse-me que tinhas uma coisa para ela.
- Ai disse? Tenho... fiz-lhes as cábulas de filosofia... dás-lhas?

Em 1993, tinha eu 21 anos, e aquele miúdo franzino, que dificilmente me ultrapassaria em altura, fez-me as delicias da natureza adolescente.
Furei matemática e furei todas as aulas desse dia. 
Dócil e inteligente, fazia-me festas no cabelo e ajeitava-me as camisolas, e no intervalo das dez, quando o encontrava risonho no meio dos amigos, chamava-me para me contar o sonho de ser 'hospedeira' e que por isso cursava inglês num centro de estudos ali perto.
Mas nem um beijo, só desejo.
- Mas gostas de mim ó quê? Perguntava eu, tristonha.
- Gosto, gosto muito de ti.
- Então e porque me foges a toda a hora?
- Não sei como te dizer, acho mesmo que não consigo dizer-te, mas escrevi uma coisa para ti.

Em 1993, um amor que 'nascia já condenado' não dizia grande coisa a uma miúda adolescente.
O rapazinho moreno, de olhos grandes e sinceros, escrevia num papel comum, frases simples mas difíceis, frases dúbias mas claras.
Ainda bem que as palavras me ajudaram a perceber o paradoxo do seu amor por mim.
O paradoxo do amor.
Ninguém morre por amar, mas morre-se muito de desamor.

Ama de qualquer maneira, mas ama só quem te queira.

(A. fiquei feliz por saber que não condenaste a tua vida aos golpes do destino, e que conseguiste ser livre na tua escolha. Espero que os teus voos sejam tão altos como os teus sonhos.)

7 comentários:

  1. Corajoso, valente, o teu cavaleiro andante.
    Dava-te o coração, mas só o coração não te seria suficiente.
    Espero que seja feliz. Que sejam os dois felizes, não juntos para sempre.

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  2. Que lindo, tal como disse a Panda, que lindo!
    "Ama de qualquer maneira, mas ama só quem te queira", pois, se o amor fosse ciência exacta como a matemática, seria sempre assim e era problema resolvido, mas o sacaninha é dado ao paradoxo :).

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  3. Uva, como papel guardado, não encerra só memórias. há ali muito conteúdo! eu ficava vaidosa...

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  4. Eu venho agora
    da grafóloga
    tens sorte
    é atinado, e bate bem da bola!

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  5. Que lindo!
    Um amor de um rapaz tão prendado, assim desperdiçado...

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