30 de abril de 2015

Do Nojo

Sempre ouvi dizer que há pais e paizinhos. 
Eu acrescento que, além destes dois tipos, há ainda um terceiro grupo constituído por pessoas primárias que têm filhos.
No mundo abundam paizinhos muito formados, ricos, cheios de reuniões nas agendas eletrónicas e jantares de negócios inadiáveis, e de uma pseudo-evolução intelectual superior à média.
Num mundo parelo às Avenidas principais, abundam pais pouco formados, cheios de dificuldades na vida, trabalhadores afincados mas indiferenciados, gente muito modesta na escala social, mas muito competente na escala dos afetos; o que os torna indivíduos bastante evoluídos intelectualmente.
Em ambos os casos, o cérebro é visível a olho nu.
Depois há os pais primários - não confundir com pais primitivos, porque nos primitivos havia muitos pais evoluídos, se é que me faço entender -, e que são os pais que têm uma vagina e um pénis a substituir a própria massa encefálica. São os sexual-pais, os que desenvolvem com os filhos relações sexuais incestuosas e destrutivas, de prazer coletivo, em detrimento de relações-filiais, relações-construções de formação individual.
É destes pais que reza a minha história de hoje.
Uma criança de 12 anos pode vir a ter outra criança, fruto de uma relação-violação perpetrada pelo padrasto-pai, com o conhecimento-consentimento da mãe que continua a ser a representante legal da menina. Esta senhora tem, como mãe, a legitimidade de decidir pelo aborto ou não do neto-filho (decisão esta que ainda não sabemos qual foi, porque o jornal Público, que resolveu ventilar esta merda, ainda não espremeu devidamente as fontes que lhe deram este furo noticioso sensacional).
A menina era abusada pelo padrasto-pai, desde os 10 anos. As entidades 'competentes' já sabiam do caso, aliás a menina já tinha sido retirada à família quando era ainda bebé.
Eu devo ser muito retorcida da cabeça quando digo que esta menina foi violada sistematicamente pelo padrasto-pai, pela mãe-madrasta, pela sociedade cívil-profissional, e agora (e sempre) pela comunicação social.
Fazem a esta menina o mesmo que fizeram com a Carolina.
Lançam a merda toda no ventilador, destruindo por completo a identidade da criança, que não tardará a ser denunciada por um qualquer rato que presta serviços ao hospital em troca de um Iphone.
Conhecemos finalmente a família completa, a casa, a escola, e todos os pormenores sórdidos do caso, além do padrasto-pai-estuprador que também já foi amplamente fotografado pelos reclusos da prisão onde está, para o 'pessoal cá fora ver bem o focinho do animal'. A mãe, pois a mãe já toda a gente sabe quem é. É a senhora que acompanha a menina ao hospital como representante legal da mesma.
A minha questão é só uma.
No meio de tantos primários comportamentos, primários serviços noticiosos, no meio da opinião pública que nos remete ora para o aborto, ora para a morte do animal, ora para a salvação do bebé de 5 meses 'que coitadinho', ora para o trauma duplo da criança que foi violada e agora tem de abortar, respondam-me se forem capazes: onde é que aqui neste caso, do princípio ao fim do mesmo, foi salvaguardado aquele que é o interesse maior, aquele que é o interesse mais elevado, aquele que é o interesse da criança? 
Sempre ouvi dizer que o calado vence tudo.
Pelos visto este será mais um caso perdido.

32 comentários:

  1. Ainda ontem ao jantar comentava com Mr Mirone que estas notícias fazem muitíssimo mais mal que bem (se é que dali pode haver algum bem).
    Deram a notícia da menina que ficou grávida de padrasto, deram a notícia do seu internamento, da detenção/prisão do homem , da inquirição da mãe, até noticiaram o facto de já se ter chegado a uma decisão quanto à interrupção da gravidez ou não, "mas que o hospital entendeu não divulgar para salvaguardar a privacidade da menor", já se "sabendo", contudo, que os médicos propuseram a interrupção da gravidez e o Ministério Público concordou. .
    Tudo isto me parece "brincar ao direito à reserva da vida privada" por parte dos jornalistas e, sobretudo, de quem proporciona estas fugas de informação.

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    1. Mirone, eu não diria melhor. É isso mesmo. Absolutamente.
      Ridículo como nos querem atirar areia para olhos. Usam e abusam do caso para fins comerciais, vendas e de auto-promoção à conta da menor e só falta aparecer a tal onda solidária dos blogs porque a família vive mal e falta-lhe uma máquina de lavar a roupa e compõe-se um belo ramalhete.
      E ainda falta a onda adotiva, que são uma série de senhoras muito puras a dizer pelas redes sociais a fora que se pudessem (nunca podem) adotavam a menina para lhe darem muito amor.

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    2. Como é que se mete na cabeça dessa gente que o direito à reserva da vida íntima é muito mais do que não se revelar o nome ou a cara? À marretada? Abre-se um buraco, enfiam-se lá para dentro as noções básicas e fecha-se outra vez antes que fujam? às vezes acho que nem assim.

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    3. Ando com o estômago tão revoltado nestes últimos dias, que os meus instintos mais violentos começam a vir ao cimo. Não podia concordar mais convosco, devia haver uma lei, um mecanismo de salvaguarda que não permitisse que estas notícias fossem veiculadas. Viver da miséria alheia, é tão triste.

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    4. É uma tristeza e é mesmo como dizeis. Viver da miséria alheia. Sem pudor de qualquer espécie.

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  2. Subscrevo inteiramente o que escreveu: "esta menina foi violada sistematicamente pelo padrasto-pai, pela mãe-madrasta, pela sociedade cívil-profissional, e agora (e sempre) pela comunicação social."
    Que sociedade é esta!? Para onde caminhamos?!
    Esta menina foi abusada diariamente desde os três anos de idade até aos 12anos, como é que é possível que a mãe não se tenha apercebido e como é que a sociedade civil que hoje comenta as vantagens ou desvantagens desta criança abortar, nunca se apercebeu, nem denunciou esta situação.
    Desculpe Uvinha, mas estas noticias chocam-me, principalmente porque existem muitas mais meninas como estas.

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    1. Pois existem. Conheço uma destas 'meninas' que só do pai tem 4 filhos. Mas agora já não há nada a fazer. Foi tudo há mais de 30 anos...

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    2. Infelizmente eu também conheço muito bem esta realidade barbara, primitiva e cruel.
      É a desumanização do Homem

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    3. Desumanização é uma palavra muito, muito forte.
      Só a consegui utilizar ainda num cenário.
      Holocausto.
      Temos ainda muitas palavras para serem inventadas, mas ainda há muita gente que acha que a ortografia deveria ser como as estátuas. Inertes e imutáveis.

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  3. Também me incomodou. E muito. Trabalhei numa Maternidade. Vi lá casos parecidos, de crianças e adolescentes grávidas. De adultos ou de miúdos, crianças como elas. O que estas meninas sofrem, a confusão, os olhares perdidos.
    O que estão a fazer a esta menina - não tarda nada sabe-se o nome - é criminoso.
    Dulce/Porto

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    1. Na MAC, onde nasceu a ML, e onde estava de 3 em e semanas na consulta de alto risco, vi muito disso. meninas que deviam ser só meninas, grávidas, enormes, gordas e deformadas, por qualquer vil e primário homem.

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  4. Já trabalhei com muitos casos assim. Só num ano tive 3 gravidezes do próprio pai. Felizmente a comunicação social não soube, ou como já lá vão 12 anos, as pessoas não se interessavam por Iphones.
    Estes merdas (porque nem animais podem ser chamados) existem em todo o lado, muito mais do que aquilo que se possa imaginar. Quer pais, quer mães os primeiros fazem e as segundas assistem a tudo placidamente.

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    1. Existem sim. Parece que encontraram outro caso para esmiuçar, desta feita no DN.

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  5. Uva como sempre uma prosa brilhante, tantas vezes acutilante e sempre certeira. Questiono-me onde foi parar a consciência de quem publica histórias destas? De quem sabendo e tendo como impedir nada fez? Até onde vai a sede pela exposição pública a histórias macabras como esta? Fico horrorizada com o que aconteceu à menina, mas também com a quantidade de pessoas que exploram toda a miséria humana e com a quantidade de pessoas assistem impassiveis nas suas casas a esta exploração gratuita. Ainda nos chamamos de animais racionais, que o que nos distingue dos chamados animais irracionais é termos alma? Que alma e racionalidade existe em tudo isto?

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    1. Trata-se de falar dos outros. O resto. Os desconhecidos. A comunicação social é destituída de coração. O 'dever' de informar, sobrepõe-se a tudo o resto. É até à nausea as notícias da miséria humana.
      Coisas tão boas que as pessoas fazem, e só mostram merda. Já desliguei a televisão na hora das notícias. Mortos e futebol. Não há pachorra.E isto para as crianças é péssimo, esta violência escarrapachada o dia inteiro na televisão.

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  6. Com tamanha nojeira só me ocorre pensar que, a estes gajos, só com pila cortada. Era assim que eu faria.
    Nojentos...e ainda dizem que a ministra justiça não tem razão. Ai tem, tem.

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    1. A pila cortada parece-me muito bem. E uma tatuagem na testa a dizer: tenho a pila cortada.

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  7. Percebo muito bem o que dizes mas fico tão dividida Uva. No passado, ao trabalhar num agrupamento, denunciei muitos casos que não deram em absolutamente nada. Sentia-me completamente impotente e revoltada porque o mundo continuava, a sociedade continuava e aqueles casos continuavam a acontecer sem que ninguém fizesse nada. Por isso me pergunto se toda esta tristeza da exploração da miséria alheia não poderá de alguma forma agitar consciências, promover mais debates, fazer mais pelas crianças em risco que são milhares. Talvez esteja errada, mas é essa divisão que sinto.

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    1. Um ponto de vista sempre interessante.
      Mas julgo que de nada serve agitar consciências, organizar tumultos nas televisões, é tudo pó, águas agitadas, depois nada é feito. Só eleva a revolta nas pessoas e desnuda as vitimas.
      Quando me falam disso de por tudo a nu, concordo, sou a favor que se denunciem as SITUAÇÕES, não as pessoas envolvidas nelas, especialmente crianças.
      O 25 de Abril fez-se todo ele em surdina, e a Ditadura caiu.

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  8. O problema é que esta situação advém de um conjunto de situações já elas mesmo problemáticas. Pus-me a pensar: se tivesse que decidir (neste caso concreto) entre o aborto e o direito à vida de um feto em tão adiantado estado de evolução... e o resultado é que não sei mesmo o que faria. Claro que é necessário pesar todos os factores, mas neste caso será que a menina vai ficar mais traumatizada se levar a gravidez adiante ou se lhe retirarem do ventre aquele que é o seu filho? Estas crianças são criadas em meios simplesmente medonhos, onde a pretensa maturidade se adquire da pior maneira. Por vezes o terem relações sexuais com adultos fá-las sentirem-se crescidas. Lamentavelmente, perdem a inocência demasiado cedo. Será que ela não quer mesmo ter o seu bebé? Possivelmente nos próximos anos engravidará novamente. É triste mas é assim que funciona muitas das vezes. A justiça terá que fazer o padrasto e a mãe responderem pelos crimes e ter mão pesada. Quando à menina... é muito complicado que venha a ter uma existência pacífica e adequada ao que sabemos ser o normal ou pelo menos aceitável. Lamento.

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    1. Pensei também em todas as possibilidades.
      A menina ter o filho para ser criado pela mãe, que permitiu que ele engravidasse?
      A menina ter o bebé para ser depois adotado, sendo a menina apenas um depósito de vida, sofrendo a violação, a gravidez, o estigma e depois o parto, para ficar sem a criança?
      Permitir a gravidez de termo na menina, fazer-lhe o parto.
      Deixá-la criar o bebé e decepar-lhe o futuro?
      Fazer-lhe um aborto, sujeitá-la à operação, sabendo ela que operação é?
      Ficará ela realmente traumatizada?
      Tudo questões de difícil resposta.
      A decisão só poderá ser tomada em consciência por algum de nós, se conhecermos todas as variáveis.
      5 meses é já muito tempo e é isto que está a deixar as pessoas confusas, pensam no bebé mais do que na menina.



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  9. Foi também o que pensei quanto a estar a ser noticiado.

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    1. Podes crer. E já está outra na calha. Virou tendência.

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  11. Cada vez me sinto mais incompetente
    para falar de sub-gente

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  12. Estes casos precisam ser falados. Porque estes abusadores sexuais continuam a andar ao colo da justiça. A lei continua a protege-los. Como é possível que o tráfico de droga ou crimes de colarinho branco tenham penas muito superiores aos crimes sexuais?
    E ficamos todos muito aliviados, porque a menina vai fazer um aborto. Como se isso, de certa forma, apagasse o que aconteceu. Só que ela vai ter de fazer um parto de um feto morto e terão de fazer um funeral. É tudo demasiado horrível.

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    1. Os casos precisam muito de ser falados, mas as pessoas envolvidas nos casos já acho completamente desnecessário. Especialmente crianças.
      Vão fazer uma operação cesariana à menina, com anestesia geral e posterior operação plástica para remover a cicatriz que é pequenina. Julgo que a vão poupar ao funeral. Outra coisa não seria de esperar.

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    2. Se assim é, vão matar o bebé para quê?! Porque não tirá-lo vivo e dá-lo para adopção?

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  13. Não conhecendo os contornos particulares deste caso, apenas o que é difundido pela comunicação social, mas tendo conhecido outros casos semelhantes, posso apenas dar uma humilde opinião. Se estivessemos num país onde estes casos são tratados dignamente, onde as crianças são acompanhadas e educadas até à idade adulta, tendo possibilidades de estudar e sendo integradas em meios o mais próximos possíveis dos desejáveis, fazer-lhe o aborto poderia ser a opção mais viável. Sabendo o desfecho destas situações no nosso país, apenas creio que esta menina ficará depositada numa instituição que acolhe casos idênticos onde nos próximos anos tomará a devida consciência do que lhe aconteceu, criticando um sistema que apenas tentou fechar os olhos e fazer desaparecer "o problema". A vida desta menina já está condenada à partida, fazê-la abortar não melhorará a situação, até pelo contrário. Esta criança viverá em permanente contacto com outras meninas que com um ano ou dois a mais lhes foi permitido terem o filho, o que lhe poderá acarretar problemas de auto-estima bem mais graves.

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