12 de abril de 2015

Há coisas importantes que me aborrecem. Há assuntos de merda que me interessam.

E estou nesta ansiedade dos contrários, de não ser uma pessoa nos trilhos, uma pessoa coerente, uma pessoa inserida no contexto. 
A frase não é minha, quero dizer, a frase pode ser de qualquer um, sobretudo dos que separam muito as águas e não perdem tempo com assuntos 'de merda'. Podemos mesmo dizer, e nos tempos que correm, que criticar quem fala de dinheiro ou quem mete os cotovelos em cima da mesa, falando e bramindo uma faca escorrendo gordura para os comensais, é um assunto de grande interesse para certas pessoas mas que me interessam tanto como o dia da minha morte.
E depois, um assunto de merda para a maioria, é uma assunto de grande interesse para mim.
Quando encontro um vizinho carregadinho em perfume no elevador, como se fosse acasalar à porta do prédio com o gajo que distribui panfletos à primeira hora da manhã, e que me diz 'hoje vai estar mais frio, a menina veja lá se não quer voltar a casa para vestir um casaquinho', é certo que é um assunto de merda. Falar do tempo é coisa para parecer horrivelmente mal, e no entanto, interessa-me sobremaneira.
Também o assunto da vizinha Cristina, que encontro à porta do prédio quando chego a casa, e que me pergunta todos os dias se o meu pai já está reformado, ou se já vi as cuecas que estão penduradas na entrada, é um assunto de merda, sobretudo porque já cheira mal. Mas é um assunto que me interessa. E interessa-me falar do tempo no elevador porque sou friorenta e dá-me muito jeito saber que está mais frio, e se as cuecas que estão lá em baixo penduradas na caixa da Administração são minhas ou do vizinho do 2º andar. Sou assim uma deslambida, uma vulgar mulherzinha interessada numas cuecas, caramba, com mais de 10 anos e elásticos relapsos, e na vizinha Cristina, que teima em perguntar se o meu pai está reformado quando está careca de saber que um homem que ainda trabalha, não engorda 20 quilos em 3 meses. E perco todos os dias uns bons 20 minutos nisto, carregada de sacos que me trilham os dedos, a mala cheia de tralha pendurada no ombro cansado, a maquilhagem desfeita a escorrer pela testa, as chaves à espera de abrirem a porta, e a vizinha Cristina ali, a fumar a cigarrada, e a falar de coisas lá dela, e eu a queimar o tempo (e a rir à gargalhada) sobre umas cuecas mal amanhadas, que são quase sempre as minhas, e do meu pai reformado que parece um barril com pernas, o que me preocupa cada vez mais.
Depois vêm os assuntos importantes, mas que no fundo não me interessam para nada. 
É de grande importância responder a um questionário do Agrupamento de Escolas, sobre o grau de satisfação da comida que servem aos miúdos na cantina.
É uma coisa muito importante esta coisa dos questionários, a ver pela adesão de tudo o que é empresa de serviços, que ligam para uma pessoa a qualquer hora do dia, ou da noite, ou ainda quando nos passam a chamada, sem a nossa autorização, para a 'colega do departamento de qualidade'.
Havia de lhes cobrar esta merda dos questionários. Ficava rica, eu!
E anda a criança com o questionário atrás de mim, há mais de duas semanas, com certeza já ameaçada pelo Agrupamento de Escolas por tão incompreensível atraso, para eu avaliar uma coisa que não faço puto de ideia do que seja, ou ao que sabe. Pergunto-lhe 'filhinha, tu gostas do douradinho que te dão à 3ª feira? e a resposta virá com tudo, menos com o 'grau de satisfação' que os questionários querem que venha.
Mas lá está, dá-me uma preguiça do demo preencher um papel com perguntas de merda, criadas apenas para servir o modelo burocrático e distante que temos das escolas, e a culpa nem é dos professores, é do próprio sistema, que tem de dar emprego às pessoas que andaram a contratar à maluca e que agora não sabem o que fazer com elas. 
É isso e a importância que as pessoas dão aos que os outros têm.
Entabulam-se conversas de horas seguidas sobre o que tem A ou B, muito animadas e muito participadas.
Já eu, estou-me literalmente nas tintas para os que os outros têm. Se têm é porque querem ter, ou porque podem ter.
Preocupam-me muito mais as cuecas que venho perdendo, há anos, pelos estendais desta vida, e que tanta falta me fazem.
Especialmente as que ainda têm o elástico.

11 comentários:

  1. Estava, precisamente, a rascunhar uma coisa sobre o assunto de merda que é ser-se bem educado.
    Achas que vou passar por plagiadora?
    Olha, em resumo: o que é impiedoso é a vidinha, o corre-corre da formiguinha, assim devera eu ser, se não fora não querer (não é bem, porque eu sou muito mais formiga, mas tenho o sonho erótico de chegar a cigarra).
    E a vidinha é toda ela feitinha de assuntos de merda.
    (Já agora, um conselho: põe cruzes em "mau" a tudo o que te perguntarem. Ninguém vai ler as tuas respostas, anyway)

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    1. Sem dúvida. Mas o que encanita é esta separação das águas, esta bitola do 'assunto de merda' ser precisamente o assunto favorito.
      Ai que não se pode falar mal do morto, nem da sogra, nem do patrão, nem das doenças. Acontece muito.
      Falar de dinheiro por exemplo. Ai que horror!! JHorror porquê? Devo ter um pirolito a menos, eu.
      Essa dos questionários mata-me a pachorra. Assim que me aparece a miuda com os questionários, deixou-os muito arrumadinhos na secretária do escritório até toda a gente se esquecer deles.
      Se sabem que é tudo mau, para que é que perguntam? São masoquistas?
      Plagiadora com a tua qualidade de escrita é impossível. Toda a gente percebe isso. Menos tu.
      Queres ver que tenho de ir ali à entrada do prédio buscar as minhas cuecas amarelas??

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    2. Estamos em sintonia, ou quê?
      Acabei o post a falar de dinheiro...
      Vamos à bruxa? Ao menos, teremos tema para meses!

      Essa da qualidade fractura-me. Arre égua.
      Vai lá, veste-as, que eu visto as minhas, e vamos mas é passear para a Feira do Livro, mesmo agora, enquanto não abre, e vamos marcando lá vez. Vamos dando uns autógrafos aos maluquinhos e ao pessoal da vida que por ali passa. Nunca se sabe se não é o nosso amanhã (dar autógrafos, de cuecas amarelas).

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    3. Estamos em sintonia. Vou lá ver o post.

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  2. Só se interessa por assuntos de merda?
    Não se inquiete... está na média!

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    1. Infelizmente! O que eu dava para ser uma iluminada. Não se vendem por aí velinhas para a cabeça?

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  3. Mandar vir as velinhas, também preciso. Abraço Uva, acho que hoje precisas :))

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  4. já chego tarde. mais valia nem dizer nada. que fazer? ultimamente ando fora do horário.
    beijo,
    MIa

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    1. Vens sempre a tempo. Continuo eu cheia de problemas no teu blog, que não me publica comentários.
      Que coisa estranha credo. Passada com isto já.

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  5. Uva esclarece-me: "a ver pela aderência de tudo o que é empresa" ou "a ver pela adesão de tudo o que é empresa" ?

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    1. [Resposta] As palavras adesão e aderência são muitas vezes consideradas sinónimas, pois ambas exprimem a ideia de ligação. Utilizam-se, no entanto, em contextos diferentes.
      Por exemplo, deverá dizer-se «a adesão do público português aos filmes», e não “a aderência do público aos filmes”.
      O termo adesão é utilizado normalmente em relação a pessoas, enquanto a palavra aderência se utiliza em relação a coisas, a substâncias.

      Será sem sombra de dúvida adesão. Obrigada!

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