27 de abril de 2015

OS INIMPUTÁVEIS - Hoje na UpToLisbonKids® by Uva Passa

OS INIMPUTÁVEIS 

O aluno de 13 anos entrou na escola Joan Fuster, na cidade de Barcelona, em Espanha, munido de uma besta, uma faca, uma pistola de chumbos e material para preparar um cocktail molotov, tendo atingido mortalmente um professor e ferido outras quatro pessoas, dois alunos e dois docentes, antes de ser imobilizado por um professor de Educação Física. O jovem foi descrito como uma pessoa normal e sem problemas de socialização aparentes. Os seus vizinhos viam-no como um rapaz “educado e discreto”, tal como a sua família. Na escola, contudo, é-lhe feita uma descrição diferente. Mas, apesar de admitirem o seu gosto por “coisas do exército” e os seus comentários sobre armas e mortes, os colegas e amigos não o consideravam um rapaz marginalizado, muito menos “com problemas”.

 
Nem todas as crianças são frágeis e inocentes.
A ideia central que rege actualmente o modelo da infância, segundo o qual as crianças são diferentes dos adultos e devem, por isso, ser tratadas de forma diferente é uma construção relativamente recente.
Ainda assim, há países que entendem de forma bastante diferente a questão da impunidade criminal que protege as crianças de serem tratadas como adultos, mesmo que os crimes cometidos sejam crimes de índole híper agressiva, como é o caso do assassínio, e aplicam a premissa de que se a criança teve idade suficiente para pegar numa besta e matar alguém também tem idade para ser punido pelo crime que cometeu. 
O caso Inglês surge aqui como corolário da mudança fixando a idade penal nos 10 anos. 
Uma criança de 10 anos é capaz de cometer um crime mais ‘adulto’ do que o próprio adulto. Já vimos isso, vemos cada mais, e percebemos todos os dias, pelas notícias que vão nos chegando em catadupa, que os centros de correção juvenil que antes se encontravam cheios de miúdos com mais de 17 anos, se encontram agora repletos de crianças de 13.

Mas então como proceder?

Para a sociedade em geral, que protege sobremaneira as suas crianças e as coloca numa espécie de pedestal sacrossanto, dificilmente conseguirá aceitar que uma criança com 13 anos possa ser condenada a prisão perpétua.
A tendência é para uma maior tolerância (e às vezes perdão) dos crimes cometidos por menores baseada em argumentos que se alicerçam na responsabilidade social do menor. Assim, não estando totalmente construída a personalidade do menor no seu todo, também a pena não deve ser assumida no seu todo. A moldura penal é assim balizada por uma questão de percurso de vida, isto é, uma criança mesmo que criminosa, não deverá assumir toda a responsabilidade da sua pena, pois que ainda não se assumiu totalmente na sociedade.
São-lhe vedados deveres na exata medida em que lhe são vedados direitos.
Por outro lado a delinquência é um comportamento, e os comportamentos são gerados na sociedade, ou se quisermos, são gerados pela sociedade, logo a sociedade deve absorver uma parte dessa culpa.

Mas será mesmo assim?

Vejamos novamente o caso Inglês. Recentemente um rapaz de 13 anos foi condenado a prisão perpétua por matar uma mulher de 47 anos à porta de um bar.
A lei inglesa não foi branda com o rapaz. Fechou completamente as portas, e para sempre, a uma possível recuperação ou arrependimento.
Por outro lado a família da mulher referiu que não importava quantos anos o jovem iria ficar na prisão porque continuaria a receber as visitas dos familiares, e ademais os seus pais poderiam voltar a ver o seu filho; coisa que a eles lhes estava impedido para sempre, pois que não voltariam a ver a sua.

Olho por olho, dente por dente?

Na questão da reabilitação importa notar que a tendência geral é para haver um decréscimo da delinquência após o início da maioridade e aproximação da idade adulta. Neste caso a institucionalização de menores até à idade adulta, ou até a uma idade aproximada da maioridade seria acrescentar responsabilidade ao menor, afastando-o da criminalidade ou aproximando-o da consciência e arrependimento do seu crime.
Se ao invés da reabilitação se avançar para a responsabilidade total da culpa, do pagamento efectivo do crime, a sociedade livrar-se-ia de forma mais permanente do jovem criminoso, e expurgava a raiva de alimentar pequenos terroristas em centros de reabilitação totalmente permeáveis à continuidade dos comportamentos, tanto pela facilidade de fuga, como pelos modelos de semi-internato, em que o jovem pernoita no centro mas é livre durante o dia.
Mas o problema é que as prisões são autênticas escolas do crime, e no caso português, em não se verificando a pena perpétua, o jovem criminoso acaba por ser liberto pior do que lá entrou. Talvez até mais afinado, mais escolarizado, mais revoltado.
A aprendizagem dos comportamentos socialmente desviantes na prisão far-se-á através da exposição às acções dos outros, maioritariamente adultos, e não se prevê que Portugal consiga no curto prazo responder às necessidades de um novo modelo de prisão juvenil.
Resta-nos esperar pela experiência dos países mais desenvolvidos, que separam o trigo do joio de acordo com o tipo de crime.

Uma criança de 10 anos que mata sadicamente um ser humano, é justamente inimputável?

O aumento da criminalidade muito jovem em Portugal ainda não assumiu os contornos de outros países, como é o caso da Inglaterra, França ou Alemanha.
Por enquanto resta-nos aumentar a prevenção nas famílias e nas escolas, porque o bairro, o terceiro fator de risco para a delinquência juvenil, já está totalmente fora de controlo.
Se a diminuição da influência da família é compensada pela procura de relações alternativas (à medida que os menores se aproximam da idade adulta), e se as alternativas existentes no bairro forem alternativas de crime, desonestidade e comportamentos desviantes, então estaremos cada vez mais perto da redução da idade penal em Portugal, e consequentemente, dos inimputáveis.


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12 comentários:

  1. Bom dia, Uva.
    Neste momento, acho que toda a sociedade se assume como inimputável, pois todos temos tendência a sacudir a "água do capote" ; a culpa nunca é de ninguém. a maior parte dos jovens está desvinculado dos laços familiares, e alguns pais, dizem que não sabem o que lhes hão de fazer. às vezes, logo no primeiro ciclo. o que falhou? o trabalho que dá criar um filho! isto, numa assunção muito simplista da questão, pois o tema é deveras complexo e muito raiado de diferentes matizes, para poder ser comentado de forma ligeira e aleatória!

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    1. Olá Mia.
      O que se pretende não é atribuir culpas ou se quiseres, tentar saber o que motivou o menor para o crime (que em última instância até pode não ter sido ninguém e o miúdo ser só passado dos pirolitos), mas aferir se um menor tem capacidade para assumir a culpa do seu crime por inteiro, ao vez de ser levado 'ao colo' pela lei.
      Estas questões deveriam ser todas comentadas pela sociedade civil, porque todos os contributos são levados em consideração.
      Mas andam mais preocupados em mudar a Constituição. Isto dos chavalos marados não interessa a ninguém.

      (A 'complexidade' dos meus temas nunca meteu medo aos teus 'complexos' comentários, aliás ando com umas saudades deles que nem te passa.)

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    2. "coisas complexas" se passam aqui , junto a mim, que me retiram serenidade para tratar da complexidade alheia. mas , bem visto, tens razão, não se trata de culpar, embora me pareça que, apesar de tudo, isto do "bem e do mal", nem sempre é tão nebuloso como querem fazer parecer! continuação de bom trabalho.

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  2. A mim falam-me de crianças criminosas e só me vem à cabeça o exemplo paradigma que foi o homicídio do James Bulger. Nem ponho link, a informação é tanta, o horror é tamanho, o macabro ultrapassou todos os limites do possível, está tudo na net, em todas as línguas.

    Ainda assim - e ninguém me venha com o argumento "Se fosse com um filho teu", porque esse não é um argumento numa "discussão" deste tipo -, eu sou pelo Padre Américo: "Não há rapazes maus". E pela minha mãe, que sempre me disse "A criança não adoece, reage". Nestes casos de psicopatia, sociopatia, delinquência, seja em pré ou em pós, qualquer dúvida - olhem para a mãe, olhem para o pai. É lá que está a resposta. Não é na escola, não é no bairro, não é na família alargada, não é na sociedade. Enquanto o pai e a mãe se demitirem e se omitirem, muito dificilmente um dos outros será capaz de salvar uma alma perdida, por abandonada.

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    1. Linda, lindinha, lindona,
      A delinquência não é uma doença, é um desvio à regra social imposta aos menores daquela idade, é um comportamento desviante. É uma reação negativa e agressiva, revoltante, ao meio envolvente e às vezes à própria transformação do corpo que não segue o pretendido ou o 'normal' na sociedade.
      Há três fatores de risco principais para a delinquência: Familia, Escola, Comunidade/Bairro. Há mais, mas estes são os principais.
      A deliquência acontece em famílias hiper estruturadas, famílias ajustadas, mães atenciosas, pais extremosos. A delinquência pode até ser uma moda. Assaltar miúdos na escola pode ser moda, e na mesma é um comportamento desviante. Não se cura com palitivos médicos. A psicologia ajuda, mas a psicologia não é medicina.
      Há crianças que têm famlias nucleares totalmente demitidas, mas basta haver um grupo de amigos de suporte, um familiar ou um professor, que o menor pode ser impelido para a inclusão muito mais do que para a exclusão.
      Há casos (o meu é flagrante) em que fui criada praticamente na rua, com os pais sempre fora, amigos do pior que podes imaginar, e nunca fui delinquente. Andava na mais completa liberdade e nunca fui delinquente.
      A delinquência pressupõe a falha de mais do que um factor e a ajuda de outro ou outros desviantes.
      E salvam-se muitos delinquentes, muitos mesmo, mas destes que matam a coisa será mais complicada.

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  3. E as opiniões dividem-se, porque esse filho até podia ser o nosso ou então até podia ser nossa a pessoa que foi assassinada, uns de um lado e os outros de outro. numa luta de titãs que não tem fim. Uma coisa é certa, são inimputáveis as crianças, os velhos, os dementes e muitos outros, num rol sem fim. Até quando? Até onde teremos de chegar para que se tomem atitudes?

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    1. Não se pode legislar com base em casos pessoais, mas ponderar se é melhor para a sociedade e para o jovem, a prisão ou a tentativa de resgate. É uma faca de dois bicos.

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  4. Cara Uva Passa,
    O seu texto é uma provocação...
    Beijos,
    Outro Ente.

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  5. Ui, este assunto, este assunto. Primeiro que tudo, aplaudo de pé a ideia da beatização absoluta da criança que, desde a assinatura da Convneção dos Direitos da Criança em 1980 se promoveu. O discurso chega a enjoar. Passámos todos a viver ao serviço da criança (e isto não tem nada a ver para o caso, mas aproveito para destilar aqui este desabafo) - pais, mães, avós, escola, - criança no centro. Coitadinha, é aparte mais frágil, estamos aqui todoooos para a defender. De acordo com a nossa lei até aos 12 - 12! anos - nem sequer uma medida tutelar educativa leva em caso de crime. Cometeu crime? Leva uma medida de promoção e protecção, é vista mais como vítima que como agressora. 12 anos. Os meus enteados têm 10 e se fizerem coisas destas, por favor, não me venham dizer que foram vítima aqui de casa e que a culpa foi dos paizinhos. Essa é outra que já enjoa. Tudo os paizinhos. Como se fossemos ali à loja, escolhessemos um chip da criança boa e da criança má e enfiássemos no bracinho dos nossos filhos. Ora be, dos 12 aos 16, então já tem alguma responsabilidade - mas ainda não penal, não é. É inimputável, por isso tem as tais medidas tutelares educativas, as tais que vai para o centro aprender com os outros como se faz coisas ainda melhores e se calhar vai para casa aos fins-de-semana. Pois muito bem, eu ponho-me a pensar nestas coisas, e saio do meu chip de jurista ligadinha aos livros, e apetece-me mandar assim também duas larachas. A nossa sociedade cria gentinha delinquente a começar com todo o mercado de e para a violência. TV. Jogos de vídeo. Bonecos e assim. Sim, eu sou daquelas que demoniza estas coisas. Não me venham com cenas. A malta associa mandar tiros a ser herói. Junta isso à idade do armário. Ao rebuliço hormonal e blá blá que por ali vai dentro. E depois, claro.a cereja no topo do bolo: estas crianças ainda não sabem bem o que é valor da vida humana. Estas crianças conseguem matar de forma muito mais gratuita que um adulto. Um general ruandês uma vez disse que preferia ter crianças-soldado por isso mesmo. E o filme cidade de Deus? A facilidade com que carregam no gatilho? Armas à mão de semear de criancinhas dá nisto. E juntem-lhes, nas nossas sociedades, a apologia ao «que fixe, este gajo manda tantos tiros», nas cabeças de púberes de 12 anos e temos cocktail molotov...

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    1. Concordo muito quando dizes que as crianças não devem ter acesso a determinados "instrumentos" que foram aceites como sendo normais pela sociedade. No meu caso particular, não deixo que os meus filhos joguem jogos violentos, não os deixo ver qualquer coisa na televisão, não deixo que lhes ofereçam espadas nem pistolas e afins. E a diferença nota-se quando tens várias crianças a brincar juntas, tu consegues perceber os quais têm acessos a esses conteúdos pelas brincadeiras. Claro que não podemos generalizar, claro que o facto de eu não aceitar a violência sob forma alguma não faz com um dia mais tarde eles não façam um qualquer disparate, no entanto, é um princípio.
      Se devem ser protegidos, claro que sim mas também devem ser punidos. Os casos extremos, os comportamentos desviantes, lidar com eles depende de tanta coisa, a começar pelo "lado" em que te encontras. É muito difícil opinar mas é obrigatório pensar nisso.

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  6. A nossa lei é humanista. Parecendo que não isso é uma coisa boa. Mais depressa concordaria com alterações para aumentar a idade da imputabilidade penal para os 18 anos do que com uma alteração que a diminuísse.
    Além do mais quem conhece as prisões e os centros tutelares educativos sabe que os últimos são mais rigorosos do que as primeiras.
    Quanto ao facto de não serem aplicadas medidas tutelares a menores de 12 anos, parece-me evidente que uma criança delinquente, com 11 anos, é, antes de mais, uma criança em perigo. Por isso mesmo as medidas adequadas são as de promoção e proteção.
    O sistema de justiça penal é coisa de adultos, com soluções para adultos e absolutamente desaquadas para garotos, por piores que eles sejam.

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