25 de abril de 2015

Sabeis, verdadeiramente, o que são vacas?

As criaturas de aspecto carnalmente peremptório eram aquelas cujos corpos ocupavam o espaço todo, as vacas cor de creme, com os flancos largos a oscilar livremente, as panças grandes como barricas, e os úberes imensamente túmidos de leite, ao ponto de parecerem caricaturas, as mansas, pachorrentas e pacíficas vacas, cada qual uma indústria ambulante de autocomprazimento com mais de seiscentos quilos, animais de grandes olhos para os quais remoer num extremo de uma manjedoura enquanto eram sugadas até ficarem secas no outro, e não por uma, duas, ou três, mas sim por quatro latejantes e infatigáveis bocas mecânicas - para as quais a estimulação sensual simultânea em ambos os extremos era o seu voluptuoso e justo direito. 
Cada uma delas mergulhada numa existência bestial abençoadamente isenta de significado espiritual: esguichar leite, ruminar, defecar, mijar, pastar e dormir, a isso se resumia toda a sua raison d´être.
De temos a tempos, um braço humano revestido de uma comprida luva de plástico entra no recto para remover o esterco e depois, tacteando pela parede rectal, guia o outro braço na introdução de uma pistola de inseminação, tipo seringa, no tracto reprodutivo, a fim de depositar o sémen. Isso significa que as vacas procriam sem precisarem de ser importunadas pelo touro, apaparicadas até na reprodução e depois assistidas no parto.
Não lhes falta nada, têm tudo do bom e do melhor no aspecto físico, incluindo o prazer de ruminar com toda a calma fartas quantidades espapaçadas e pingosas do próprio bolo alimentar fibroso.
Poucas cortesãs levaram vida tão regalada.


Philip Roth - A Mancha Humana.

Isto é, no meu paupérrimo e fraco conhecimento sobre literatura, a melhor descrição sobre vacas leiteiras, e mesmo de outros bichos, de que tenho memória.
É uma ínfima parte daquilo que foi produzido desde 1997 até hoje, por aquele que considero ser um dos melhores, senão o melhor, escritores da atualidade, e a quem deveria ser entregue por mérito e outros adjetivos substancialmente mais qualitativos, o nobilíssimo Nobel da Literatura.

2 comentários:

  1. Um texto actual e oportuno
    e não é piada,
    pois "Poucas cortesãs levaram vida tão regalada"

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  2. Um génio, este homem.

    Beijos, Uvinha. :)

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