19 de maio de 2015

Alma minha

Há um pequeno trecho poético que me vem à memória, sempre que o tema é violência.
É uma metáfora, isto é, não é por mim entendido ao pé da letra, é antes a sequência de palavras que me faz pensar que para haver violência, para sermos violentos uns para os outros, é porque algo nos abandona, é porque a nossa alma se exaspera e parte, para sítio incerto, morta, talvez de cansaço, talvez de inveja , talvez imbuída do seu espírito mais primário de luta.
Somos violentos porque se nos seca a vida alegre, porque estamos mortos por dentro, mortos de fadiga da vida aflitiva, corrida, e estúpida que levamos. Poderei ir um pouco mais longe e colar a violência a uma certa vida sem interesse, peçonhenta, impante de animação, mesmo que animação seja mandar alguns para o hospital, fazer-se notar, centralizar-se, mesmo que pela negativa. 
Dizia um grande homem das letras, Eduardo Galeano, que vivemos em plena cultura da aparência: o contrato de casamento importa mais que o amor, o funeral importa mais que o morto, as roupas importam mais que o corpo e a missa mais que Deus.
Nas palavras de Galeano, que todos conseguimos entender ao pé da letra, por reais, fidedignas e dolorosamente atuais, entendo que a alma não nos abandona por completo, como quando passamos para o estado violento. Aqui a alma permanece em nós, mas fica em estado gasoso, impoluta, como se fosse a poluição sobre a cidade, vaidosa, a fervilhar de ego, a emanar-se a ela própria.
Ainda assim, prefiro de longe uma alma vaidosa, centrada nela, distraída do outro, do que uma alma sedenta de vibração exterior, e sem pinga de sangue.

O pequeno trecho poético que referi, fala da morte.
Eu falo da honra.
 
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.


Luis Vaz de Camões, in Sonetos

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