Ainda o livro.
A obra prima.
A obra prima.
Os meus olhos percorrem as páginas como que sorvendo cada letra. Sigo incessantemente as reflexões. Esquivo-me nos parágrafos mortos e obedeço ao chamamento de lá regressar. Tenho uns enormes dentes que arrancam pedaços do texto e os depositam, como faz a mãe-gata, com muito cuidado, num livrinho pequenino.
Quero cristalizar aquelas ideias tal como ali vêm descritas porque perfeitas.
A cadência certa, calibrada, as explicações que não ocupam um espaço já preenchido pela nossa dedução, um show, don't tell extraordinário.
Uma coisa do outro mundo.
Aparece-me este gigante no meio do caminho, sem vontade de me deixar passar, e no entanto, não é um livro incontornável.
Escapou-se da minha boca muito aberta a dificuldade de ler O Som e a Fúria.
Disse-lhe, à queima roupa, que o início do livro me pareceu completamente desarticulado e que o tinha abandonado, considerando-me demasiado estúpida para o entender. Faulkner escreveu toda a primeira parte sob a prespetiva de um deficiente mental de 33 anos. Talvez não fosse assim tão fácil entender o que dizia um deficiente mental, disse-me, já com a caneta vermelha no papelinho, com aquele ar de quem sabe tudo, sabendo, deixando-me na perplexidade natural dos ingénuos, ignorantes, sem acesso à internet nos verdes anos.
Leia este. Vai talvez entender melhor o que Faulkner escreveu, e talvez encontre alguma referência a Joyce.
O homem é grande.
O que escreveu o livro e este que mos dá a ler.
Que a vida é uma armadilha, isso sempre se soube: nascemos sem o ter pedido, encerrados num corpo que não escolhemos e destinado a morrer. Em contrapartida, o espaço do mundo oferece uma permanente possibilidade de evasão.
Milan Kundera - A Arte do Romance
"possibilidade de evasão", nem sempre é fácil de alcançar, porque estamos demasiado aprisionados ao tal corpo.
ResponderEliminarBom dia, Uva.
Mia, não te fez lembrar o Kafka com o seu K. que acorda aprisionado dentro de um inseto? E depois escreve aquilo tudo que é tanto, sem sequer sair daquele estado. O Kafka, dentro do inseto encetou uma nova corrente do Romance. O Surrealismo.
EliminarFaulkner nunca me pareceu fácil e não me fiquei só por um título para não dizerem que tinha escolhido o mais difícil. Não sei se sou eu a ligar a biografia à escrita, mas sempre me pareceu haver muita desconexão alcoólica pelo meio de coisas bem construídas. A espaços era como entrar numa casa em que, pelo meio, havia divisões totalmente inacabadas ou destruídas e na outra a seguir tudo estava como era suposto...
ResponderEliminarO melhores artistas (sobretudo pintores) fizeram grandes coisas com grandes bebedeiras.
EliminarNão é fácil entender com 15 anos (e sem internet) que possa haver um livro que se inicie, sem pré-aviso, sob a visão de um deficiente, sendo que o deficiente seria o próprio autor, e que a deficiência era o alcoolismo.
Faulkner era o típico escritor que acreditava escrever melhor sob o efeito das bebidas, de preferência whisky.
Nada contra o álcool enquanto combustível artístico, tirando quando a coisa se torna uma fritadeira e eu me possa sentir uma gamba a ser panada :)
EliminarMas vou variando a fronteira da paciência de caso para caso.
Eu própria já fiz grandes coisas com uma grão(zinho) na asa....
EliminarAM deixou um novo comentário na sua mensagem "Ainda o livro":
ResponderEliminarMilan Kundera é de outro mundo.
Apaixonei-me e devorei "A Insustentável Leveza do Ser".