26 de novembro de 2015

Titó

Vou contar-vos a história do gato Titó.
Titó era o gato dos meus pais quando eu era pequenina. Lembro-me dele porque era imenso e brilhante, lembro-me dele porque era esperto, porque vivia no nosso quintal, porque vivia na nossa casa, porque vivia na rua, porque foi sempre livre.
O Titó era tão esperto que ia com os meus pais à bica. Era tão esperto que ia com os meus pais ao cinema. Era tão esperto que ia com a minha mãe à praça.
Assim, lado a lado, desengonçando a anca, atento aos passos dos dois, parando apenas para se entrelaçar numa perna, ou num sapato.  
O Titó não tinha trela, não tinha caixa de areia a cheirar a pinho-mel, não tinha coleira com guizo, e não tinha pela manhã a diligente ração de bolinhas ultra sintetizadas e 'saudáveis' para lhe dar forma ao corpanzil, magro e musculado.
O Titó era um gato esperto.
Era ele que me salvava as refeições. Era ele que comia a minha comida toda, que comia o pedaço de tomate que ficava no prato, a alface que ficava murcha na beira, o bife mastigado que eu não engolia, a batata cozida que passava de bochecha para bochecha, o pedaço de bacalhau salgado que sobrava da badana, o chouriço alentejano que o fazia esticar a língua até às orelhas, as suculentas postas de pescada que a minha mãe lhe cozia, fiambre era apanhá-lo, camarão cozido era a loucura, e até enguias ele devorava - coitadas, como sobremesa dos inúmeros gafanhotos e pássaros que apanhava na Casa dos Pinheiros para oferecer à minha mãe.
O Titó foi violentamente atropelado com 16 anos, bastante longe de casa, quando andava a ver se papava mais uma gata.
Nunca foi ao veterinário a não ser para morrer, e mesmo para morrer foi complicado, porque apesar de ter ficado esmigalhado da cintura para baixo, arrastou-se até casa para pedir ajuda, percorrendo mais de 2 km assim. Disseram-nos, quem o viu no sítio do acidente, que o gato começou a percorrer o caminho de casa não deixando ninguém tocar-lhe.
O Titó era um gato esperto.

Muitos anos mais tarde, para colmatar o incolmatável, decidi oferecer-me a mim própria um gato. Por razões que não ficaram totalmente definidas na minha cabeça, o meu gato passou a viver em casa dos meus pais definitivamente. Não era um Titó, mas era um gatarrão com 9,650kg sedutor e bonacheirão. Foi um gato que não se divertiu como se divertiu o Titó porque não viveu numa casa com quintal, e sobretudo porque foi um gato que por imposição de uma suposta doença no trato urinário foi obrigado a uma dieta rigorosa que o condenou a comer bolinhas secas e rijas durante 15 anos.
Era de tal forma violento que o gato desenvolveu a perícia de demolhar com a patinha, uma a uma, as bolinhas secas na tigela da água, exatamente como fazem os velhotes com as bolachas.

Eu não consigo perceber porque razão impõem aos animais esta ríspida austeridade alimentar. Porque razão obriguei o meu gato a comer durante 15 anos as mesmas bolas secas todos os dias, acagaçada que lhe caísse a bexiga na malga, gastando mensalmente o cu e oito tostões, de uma ração especialíssima que cheirava a ratos mortos.
Eu percebo tudo, não me julguem uma anormal, mas simplesmente recuso-me a seguir as grandes correntes comodistas das bolinhas secas de ração criadas para facilitar a vida aos donos dos animais.
Com tanta capacidade de 'amor' que as industrias de alimentação animal apregoam pela bicharada doméstica, ainda não percebi, juro que não percebi, porque razão as grandes marcas ainda não trataram deste ENORME flagelo, acabando com a seita da ração seca, sobretudo nos gatos, animais que têm imensos problemas nos rins por falta de água.
Inventaram uma fonte de água para gatos, que aquilo mais parecem as Cataratas do Niagara, mas comida húmida, pega que é ladrão! 
A religião é lixada.
Eu bem as vejo viradas para mim com olhos de fogo, quase que me atropelam de raiva, quando me vêem aviada de ração húmida, variada e diversa, para dar à minha gata.

Tenham dó.
Ontem o dono de uma veterinária dizia-me: mas eles não sabem, para eles é tudo igual e sabe, as proteínas e as vitaminas, e esta marca tão boa e os testes e as análises e.... olha, merda!
E eu, que sou torcida como um parafuso, disse-lhe à porta da rua: experimente comer pão seco até lhe caírem os dentes e depois venha cá dizer se é tudo igual. 
  

20 comentários:

  1. Posso fazer uma piada com o título do post?
    Posso?
    Posso?
    Posso?

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    1. (ponto prévio: eu não faço ideia o que diz o post, pois é enorme, mas...)

      Se o título fosse "Totó", era autobiográfico!!! Ah ah ah ah ah!!!

      peço desculpa, mas fui autorizado.... :p

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    2. A minha mãe diz de outra maneira: pató.
      Eu era pató quando me armava em palerma.
      Quando me armava em parva era uma galheta.

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  2. Pá, já tive montanhas de bicharada!
    Cães, gatos, coelhos, galinhas...

    Os unicos que comeram ração foram as galinhas, porque de resto...

    Nunca nenhum se queixou da comida! Antes pelo contrário!

    :)

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  3. Os Titós é que eram. Agora os gatos são de estufa e não são nada felizes. Eu tenho uma gata e gostava de a poder deixar andar na rua.

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    1. E comida? Dás-lhe a ração não é? Deixa-te disso. Os animais sofrem horrores com as narinas pespegadas no fogão.

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    2. Dou sim...mas também lhe dou fiambre...e atum...que ela adora.

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  4. Não é nada verdade que para os gatos seja tudo igual. Sempre tive gatos e sei, por experiência, que nem tudo lhes agrada. Hoje gostam muito de latinhas de atum (, sim, eu tb lhes dou ração húmida, uma latinha por dia :); amanhã , atum, que horror! Nem se aproximam do prato .....

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    1. Fazes muito bem Ana. A Meca adora atum e ontem sacou-me uma broa.

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  5. Os títós é que eram felizes Uva, ó se eram, os titós e os putos dessa época.

    beijoca

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    1. Já viste pá, com 16 anos e ainda dava umas quecas, o safado.

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  6. Já estou farta de rir com este texto. Em miúda tivemos uma gata siamesa que só comia rabos de pescada cozida, nem secos nem húmidos, só pescadinha cozida e era se queríamos. A todos os outros dei sempre secos para durante o dia quando estavam sozinhos e pelo menos uma latinha por dia quando estávamos em casa, mas olha que todos eles gostavam dos secos, quando abanava a caixa era vê-los a correr que nem doidos para comerem.

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    1. A Meca come os secos e os molhados porque eu desde o inicio lhe dei sempre tudo. Se lhe deixar o seco só, que remédio tem ela de o comer, mas se lhe meto o molhado, o seco fica lá horas esquecidas.
      Mas dizem que faz muito mal a ração húmida, sabes lá, ando a matar o animal com aquilo.
      No outro dia uma miúda minha conhecida disse-me que eu ia sofrer as consequências de dar comida húmida ao animal porque ele ia morrer muito mais depressa completamente entrevado. (Cá granda lavagem ao cérebro, pensei eu)
      Pescadinha até eu gosto... pudera.

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  7. O Titó era feliz como nós éramos. Vê lá se havia essa preocupação com tudo e mais alguma coisa!!!

    Beijocas, Uva mailinda! :)

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    1. O Titó era um gato e tanto. Saudades desse tempo, eu.
      Abraço minha querida Maria.

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  8. É por estas e por outras que cá gosto de vir. Hoje em dia é cada vez mais difícil encontrar pessoas que ponham em causa, que pensem pelas suas cabeças. E é por isso que mesmo sem te conhecer já gosto de ti. Estar junto do rebanho aconchega, não nos sentimos sós, mas a liberdade é muito melhor!

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    1. Já estou aqui a babar de contente com o que escreveste.
      A liberdade é a nossa melhor e mais subtil ilusão. Antes livre que tudo.

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